Julião Sarmento faz do museu de Júlio Pomar uma nova obra

Julião Sarmento visita o atelier de Júlio Pomar e cria uma exposição apenas aparentemente caótica, a partir de uma série abstrata de 2008, escolhida pela curadora Sara Antónia Matos, em diálogo com o trabalho mais abstrato do anfitrião
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Depois do escultor Rui Chafes mas antes de Pedro Cabrita Reis (o próximo convidado), Julião Sarmento expõe até 29 de janeiro uma série do seu trabalho - Dirt, de 2008 - no Atelier-Museu Júlio Pomar, na muito lisboeta rua do Vale, em diálogo com o trabalho do anfitrião.

Foi decisão do artista convidado a cenografia caótica que ele toma para esta exposição, Void*. Júlio Pomar e Julião Sarmento. Parêntesis: "Parece caótico, mas não", sublinha o artista, 68 anos, 50 de carreira a celebrar no próximo ano, durante a montagem, na quarta-feira de manhã, véspera da inauguração.

As obras da autoria de Sarmento foram escolha da curadora da exposição, Sara Antónia Matos, diretora do atelier-museu, mas como apresentar estes quadros, abstratos, na relação com o dono da casa, Júlio Pomar, 90 anos, teve dedo do convidado. "Como curadora, devo dar esse espaço de liberdade", considera. Então, às obras escolhidas e à proposta curatorial, "que o Julião achou ainda muito convencional", somou-se uma visita do artista às reservas e uma proposta: "criar uma terceira obra a partir de tudo isto". Resulta em algo como uma explosão. É essa a história que contam esses quadros espalhados nas paredes.

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Uma segunda leitura ao que se mostra conta outra história, uma em que impera a ordem. Sarmento pede aos colaboradores para pendurar cada obra a uma distância determinada em relação à anterior. Ora alinhando pela vertical, ora alinhando pela horizontal. Ora deixando um intervalo que corresponde à altura de cada quadro, ora tapando as tomadas...

Sara Antónia Matos dá um exemplo, olhando para as pinturas já penduradas nestas paredes entrecortadas por janelas. "Parecem cada uma à sua altura, mas não. Todas as citações de textos de autores importantes para Julião Sarmento, estão a 1,5 metros do chão". Para o visitante, o texto, encontre-se ele onde se encontrar na obra de arte, estará sempre à mesma altura".

"Esse tempo de descoberta [da organização da exposição] é fundamental", defende a curadora. "Nota-se que é o trabalho de um artista", explica ainda. "Há um grande trabalho de composição". O mesmo que se vê na escolha de diálogo entre obras.

O quadro abstrato de Pomar de homens em luta fala com outro de Sarmento cujas manchas de negro são idênticas. "O abstrato tem mais a ver com a forma e a composição do que com o conteúdo". Pomar, no entanto, parte sempre de um referência concreta, nota a diretora do atelier-museu, explicando que mesmo no caso de obras sem figuras reconhecíveis há uma referência concreta. É o caso daquelas em que se inspira no Metro de Paris (também na exposição).

A curadora centrou-se num período abstrato da sua obra, afastado das marcas mais conhecidas (as mulheres, por exemplo). Dirt nasceu a partir de um conjunto de folhas A4, brancas, que foram deixadas no chão do atelier de Sarmento, no Estoril. Ele pisou-as, deixou cair tinta, castigou-as com a sua vida no local e depois usou as manchas que ali ficaram para fazer as composições dos trabalhos, em serigrafia, um método também usado por Júlio Pomar em algumas obras.

Essas folhas soltas, guardadas em micas de plástico, estão também na exposição. "São como trazer o atelier do artista para aqui, para um atelier museu", diz Sara Antónia Matos.

Sara Antónia Matos entusiasmou-se com o arquivo de Sarmento, "muito organizado". Um facto que o prático Sarmento desvaloriza logo a seguir. "Foi a vida que me obrigou a ser organizado", conta, explicando que perdeu tudo por três vezes. E continua a marcar, ao milímetro, o lugar de cada quadro.

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