Jude Law feliz da vida
Um filme em que se medem as palavras. O seu peso, a sua forma, os seus limites. São as palavras do romancista Thomas Wolfe, a sua arte editada por Max Perkins, o editor da Scribner, a editora que deu à América F. Scott Fitzgerald e Hemingway. Chama-se Um Editor de Génios e no encontro a que temos acesso com Jude Law no Festival de Berlim perguntamos-lhe como é a sua relação com as palavras. No cinema, na literatura. Responde depois de uma pausa grande: "São o meu pão com manteiga. Nas mãos certas são o que de mais belo a vida tem. Uma das coisas mais difíceis é tentar encontrar palavras belas e alguém que as saiba construir de forma bonita. No meu trabalho isso é o mais recompensador. Mas não é só a nível profissional, é também uma coisa pessoal: adoro ler. Sou um apreciador de literatura, amo poesia e letras de música. As palavras tocam-me literalmente no coração, emocionam-me e inspiram-me muito. É uma parte importante da minha vida, sempre foi assim, desde os meus tempos na escola. Nessa altura, não era claro que as palavras e a vida de ator estivessem ligadas. Agora, criar palavras certas para uma personagem é a coisa mais importante para mim."
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Em Um Editor de Génios, todas as cenas em que contracena com Colin Firth (Perkins) exigem uma exuberância própria do feitio de Wolfe. Michael Grandage, o realizador, não recua perante a hipótese de performance teatral. Faz sentido, todo o sentido, sobretudo se pensarmos que é um dos mais afamados encenadores ingleses. Jude Law tinha rédea solta para exteriorizar as palavras furiosas do escritor: "Encontrei um Thomas Wolfe escrito com belíssimas palavras. Uma personagem clara graças à pena do John Logan, mas mesmo assim pesquisei-o imenso, quer através dos seus livros, biografias e outros rabiscos que fui encontrando. Pude devorar imensa coisa e pude levar muito do que encontrei para a personagem. Como trabalhei muito, senti-me livre para mergulhar no seu mundo. A verdade é que se tratava de um homem com um trabalho prolífico, creio que não consegui ler tudo o que escreveu."
Apesar de no Festival de Berlim as reações da imprensa especializada não terem sido nada entusiásticas, sentimos que o ator está de alma e coração com o filme. Olha-se para a sua cara e nota-se que está feliz. Confrontado com um dos temas do filme, em que se alude à questão de os artistas consagrarem mais tempo ao seu trabalho do que à família, Law tem uma opinião curiosa: "É um número muito complicado conseguir manter uma atenção grande à família quando se está envolvido a fundo num processo criativo que nos toca muito. O problema é que quando estamos a trabalhar em algo que amamos esquecemo-nos de que é trabalho. Penso imenso neste tema...Hoje, sinto que era mais complicado quando os meus três filhos mais velhos eram mais novos, sobretudo porque filmava quase sempre fora de Inglaterra. Ultimamente, tenho filmado mais perto de casa e isso facilita tanto. No caso de Thomas Wolfe ele não tinha filhos mas colidiu com muita gente por estar simplesmente no seu caminho, ou seja, nem era um caso de negligência."
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No filme, vemos como Wolfe e a sua literatura atropelaram o caso de amor que tinha com Aline Bernstein (Nicole Kidman), uma das figuras de proa dos figurinos do teatro norte-americano. Jude Law volta a encontrar Nicole Kidman 12 anos depois de Cold Mountain, de Anthony Minghella, filme que lhe deu a nomeação para melhor ator nos Óscares. Para ele, o romance entre Wolfe e Bernstein revestia-se de uma complexidade perturbante: "Com a Bernstein era difícil traçar a linha onde começava o egoísmo dele. A palavra egoísta em relação a Wolfe é complicada pois convoca uma série de conotações cínicas. Claro que quando pensamos em nós próprios estamos a ser egoístas, mas às vezes é muito importante sermos egoístas e levarmos muito a sério o nosso trabalho. Por muito doloroso que seja, o egoísmo de Thomas Wolfe era importante, sobretudo em função de tanto talento. Se Picasso não tivesse sido tão egoísta não teríamos tido todo aquele seu trabalho notável."
Mas voltamos a Nicole Kidman, queremos saber o que acontece quando dois atores, que foram tão mágicos na primeira vez que se encontraram, voltam a contracenar, ainda para mais com um intervalo tão substancial: "Eu e a Nic não nos deixámos de ver entre um filme e outro. Mal soube que estávamos outra vez com novo filme fiquei muito contente pois sei como ela funciona. É uma atriz sem medos, capaz de tudo e com vontade de experimentar coisas novas. Sabia que iria voltar a ter uma experiência muito satisfatória. Comigo e com ela é como se estivéssemos a jogar um jogo... muitos atores referem-se ao ténis. Quando estou numa sala com alguém que não tem limites entramos numa experiência exploratória, sobretudo nesta relação, em que a Bernstein e o Wolfe tinham uma paixão tão intensa e explosiva. Claro que na vida real ela tinha mais 20 anos do que ele. Connosco não é bem assim", conclui a rir. Aliás, algumas liberdades de ficção foram usadas nesta visão de uma história real que ainda hoje tem um carácter de mito: o chapéu do editor, sempre na cabeça, mesmo nas refeições em família, ou os manuscritos bíblicos de Wolfe, que poderiam dar romances de cinco mil páginas, etc.
E, em fevereiro, quando o apanhámos, o seu sorriso tinha uma outra origem, a série que fez com Paolo Sorrentino, The Young Pope (entretanto apresentada no último Festival de Veneza), estava terminada. Law interpreta o primeiro papa americano, uma ficção que poderá provocar polémica e tem a chancela da HBO (em coprodução com a Canal + e com a Sky). Logo nessa altura, confessava-nos ser fã do atual Papa Francisco: "Está a fazer um bom trabalho e é um pessoa fascinante. Quanto à série, foi feita como se fosse um filme de dez horas. Foi toda filmada em segredo durante sete meses." The Young Pope tem dez episódios e aquele cuidado estético que Sorrentino coloca sempre nos seus filmes.
Watson outra vez
No futuro, tem contrato para ser de novo Watson no franchise da Warner Sherlock Holmes, mas antes, no começo do próximo ano, é o vilão de serviço na nova versão do rei Artur pelas mãos de Guy Ritchie. Intitula-se King Arthur - Legend of the Sword e pretende ser um festival de dureza e pose macho. Mas esse foi um pequeno papel que surgiu só depois desta conversa, naquele momento dizia-se feliz por não saber o que ia fazer a seguir.
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Aos 43 anos, com uma carreira sempre a subir, prémios e reconhecimento nos palcos de Londres, terminámos o encontro com uma dúvida, será que tem aquilo que é preciso para ensinar a sua arte? É a pergunta que muitos atores não conseguem responder. Law volta a fazer uma pausa e depois responde assim: "Gostaria de pensar que sim... Sim! Espero que sim!! Ainda não tentei a sério mas aqui e ali já fiz umas pequenas aparições como professor ou para falar das minhas experiências. O que gostaria mesmo de fazer é dirigir algo no futuro. Sinto que isso passa também por um elemento de desejo de ensinar interpretação. Trabalhei com realizadores que nunca foram atores e que eram brilhantes à sua maneira na forma de dirigir os atores, mas é sempre muito curioso quando estamos a ser dirigidos por quem já representou. Têm logo uma outra compreensão do processo. Não se trata de ser mais fácil, é apenas diferente. Seja como for, quem me conhece sabe que estou sempre a representar. Quando os meus filhos eram mais crianças nem imagina o que eu montava para eles... Fazia atuações privadas. Só que tudo isso cansa. Quando posso, desapareço, fico sozinho. Ser ator é algo muito cansativo. Felizmente, não tenho redes sociais nem nada disso, apenas o meu e-mail, que uso para trabalhar."
Essa sua nova maneira de estar na vida tem-lhe trazido recompensas. A imprensa tabloide inglesa perdeu-o de vista e poucos são os que se lembram da sua fama de vedeta mulherengo ou da sua separação da atriz Sienna Miller. Jude Law atinou, felizmente o seu Thomas Wolfe não.