Judaica abre com filme sobre o negacionismo do Holocausto
O mercado cinematográfico português continua a apresentar muitas lacunas? É verdade, mesmo reconhecendo que, em anos recentes, tem havido uma significativa diversificação da oferta.
Seja como for, são várias as iniciativas (de temáticas transversais, não necessariamente com perfil de "festival") que continuam a tentar combater tais lacunas.
A Judaica - Mostra de Cinema e Cultura aí está, na sua quinta edição, a partir de hoje, com a antestreia de Negação, (Cinema São Jorge, 21.00), filme do inglês Mick Jackson que estará nas salas a partir de quinta-feira.
Tendo em conta que vivemos tempos em que, do jornalismo à filosofia, se discute a questão da verdade (e da pós-verdade), esta é uma abertura plena de atualidade e simbolismo.
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Negação evoca um processo que, em 1996, abalou o meio literário britânico, acabando por transcender o respetivo quadro jurídico. Na sua origem esteve o livro Denying the Holocaust (Penguin, 1993), da investigadora americana Deborah Lipstadt. Denunciando as "teses" do historiador inglês David Irving, negacionista do Holocausto, a autora foi processada pelo próprio Irving, de tal modo que o seu confronto em tribunal se transformou num libelo pela verdade histórica e pela preservação das memórias dos crimes cometidos pelos nazis contra os judeus.
Com direção de Elena Piatok, que teve Rui Pedro Tendinha como consultor de programação, a Judaica apresenta-se, uma vez mais, como uma montra de obras cinematográficas em que os temas da cultura judaica se cruzam com as convulsões da história coletiva.
Há mesmo um caso, pelo menos, em que a mostra vai revelar um filme que, surpreendentemente, não está adquirido para o mercado português - chama-se Indignação e é a primeira realização de James Schamus, produtor e argumentista com uma trajetória muito ligada a Ang Lee (foi ele que produziu, por exemplo, Brokeback Mountain em 2005).
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Com especial impacto nos festivais de Sundance e Berlim, Indignação baseia-se no romance homónimo de Philip Roth (editado entre nós pela Dom Quixote), cuja ação decorre no começo da década de 1950, com a Guerra da Coreia em pano de fundo.
Centrando-se na saga de um estudante judeu, de Newark, que se inscreve numa universidade do estado do Ohio, antes do mais tentando escapar ao controlo do pai, Indignação tem sido especialmente elogiado pela sua capacidade de cruzar temas tão delicados como a identidade religiosa e a descoberta da sexualidade.
Interpretado por Logan Lerman, Sarah Gadon e Tracy Letts, chegou a ser apontado como candidato a algumas nomeações para os Óscares, o que, em todo o caso, não se confirmou.
Um inédito de László Nemes
Tal como nas anteriores edições, a Judaica apresenta sessões repartidas por várias localidades: Lisboa (até 2 de abril), Cascais (6 a 9 de abril), Belmonte (5 de maio a 3 de junho) e Castelo de Vide (12 de maio a 10 de junho) - calendário disponível no site oficial do evento (judaica-cinema.org). As propostas transcendem o cinema, envolvendo também debates, concertos e sessões ligadas à literatura e à gastronomia.
Assim, por exemplo, Asher Salah, professor na Academia de Belas Artes Bezalel e na Universidade Hebraica de Jerusalém, fará uma conferência sobre "A imagem do judeu no cinema português" (Lisboa, São Jorge, 2 de abril, 18.30). No Centro Cultural de Cascais (8 de abril, 18.00), Filipa Melo conduzirá uma conversa com Cristina Norton, João Pinto Coelho e Tiago Salazar, autores de três romances no tempo do Holocausto. No Museu Judaico de Belmonte (7 de maio, 16.00), terá lugar uma mesa redonda sobre Samuel Schwarz (1880-1953), judeu polaco que chegou a Portugal em 1914, com uma história especialmente ligada a Belmonte - o seu neto, João Schwarz da Silva, participa no evento.
No campo musical, destaca-se uma sessão dedicada a "Contos, romances e canções da tradição judaica", com a participação de Nazaré da Silva e João Paulo Esteves (Lisboa, São Jorge, 31 de março, 18.30) e ainda um concerto do Moscow Piano Quartet (Centro Cultural de Cascais, dia 9 de abril, 17.00). O programa inclui também três visitas guiadas: à Sinagoga de Lisboa (2 de abril, 10.00) e às Judiarias de Belmonte (6 de maio, 10.00) e de Castelo de Vide (13 de maio, 10.00).
Na área documental, o destaque vai para Weiner, vencedor do Festival de Sundance do ano passado: realizado por Josh Kriegman e Elyse Steinberg, o filme evoca o escândalo (político e sexual) que, em 2013, marcou a corrida de Anthony Weiner à Câmara de Nova Iorque.
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Na ficção, outra antestreia, O Jovem Karl Marx, tem assinatura de Raoul Peck, cineasta nascido no Haiti que, neste ano, esteve na corrida dos Óscares com o seu documentário sobre o escritor James Baldwin, I Am Not Your Negro.
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Revelação absoluta estará na sessão de abertura: o filme Negação será precedido pela curta-metragem Com Alguma Paciência (2007), primeiro título assinado por László Nemes, o cineasta húngaro que, no ano passado, arrebatou o Óscar de melhor filme estrangeiro com O Filho de Saul.