O aumento do preço dos bens essenciais, que em alguns casos chega aos 30%, foi a gota de água para os jovens argelinos sem esperança no futuro. Pelo terceiro dia consecutivo envolveram-se ontem em confrontos com a polícia, em violentas manifestações um pouco por todo o país. É o último foco de tensão na região do Magrebe, com a Tunísia à beira da crise social por causa da multiplicação das tentativas de suicídio em protesto pela falta de condições de vida. .A polícia argelina respondeu com canhões de água e gás lacrimogéneo às pedras lançadas pelos jovens. Enquanto isso, a Associação de Futebol anunciava a suspensão dos jogos do campeonato nacional no fim-de-semana, os imãs apelavam à calma e as autoridades defendiam o diálogo pacífico. .Para hoje está previsto um conselho interministerial, onde deverá ser discutido o aumento dos preços - um quilo de açúcar, por exemplo, que há uns meses custava 70 dinares (71 cêntimos), custa agora 150 (1,5 euros). Mas os problemas vão mais longe. .Segundo as estimativas, 75% da população tem menos de 30 anos e o desemprego nos jovens entre os 15 e os 29 anos ascende a 21,5%. Uma contrariedade que afecta principalmente os licenciados: 20% não têm emprego, enquanto entre os que não têm educação o desemprego é de 5%. São os universitários, muitos educados na Europa, aqueles que mais expectativas têm de futuro e os que se sentem traídos pela situação, num país que é o quarto maior exportador mundial de gás natural (Portugal é um dos seus mercados). .O historiador Jean-Pierre Peyroulou, autor do livro A Argélia em guerra civil, referiu que outro ponto de discórdia foi o anúncio de um aumento dos salários dos polícias, na ordem dos 50%, "muito mal visto num país onde a polícia é considerada como uma força puramente repressiva". Numa entrevista à AFP mencionou ainda as dificuldades em encontrar casa e a ausência total de perspectivas de futuro para os jovens. .O Governo anunciou recentemente um plano de investimento no valor de 286 mil milhões de dólares para os próximos quatro anos, para a criação de empregos e melhoria das condições de vida. O Presidente Abdelaziz Bouteflika prometeu ainda a construção de um milhão de casas até 2014. .O jornal argelino El-Watan referiu as semelhanças entre estes protestos e os de 1988. A 4 de Outubro desse ano, os jovens manifestaram-se em Argel contra o aumento dos preços e a escassez de bens de primeira necessidade, protestos que se espalharam e acabaram por, dois anos mais tarde, levar ao fim do sistema de partido único, a emergência de uma alternativa islamita (impulsionada por muitos desses jovens) e uma guerra civil de dez anos. .Já o Tout sur Algérie dizia que além do aumento dos preços há "rumores" provocados pelas "ausências prolongadas" de Bouteflika, dizendo que "a corrida à sucessão está quase aberta". O jornal conclui: "O Inverno de 2011 promete ser mais quente que todos os Invernos da última década.".Na vizinha Tunísia, a tensão social foi desencadeada com o suicídio de um jovem de 26 anos. Mohamed Bouazizi imolou-se a 18 de Dezembro em protesto pelo desemprego (atinge mais de 30% dos jovens) e a precariedade social. Já esta semana, uma mulher ameaçou matar-se, junto com os três filhos, caso não lhe fosse dada uma casa e trabalho. E os casos repetem-se, assim como os protestos e as greves. Uma resposta à falta de liberdades civis, durante muitos anos tolerada devido ao crescimento económico que beneficiava todos e afastava o extremismo religioso que, nos vizinhos, se traduziu nas ameaças terroristas..Os especialistas alertam: a falta de perspectivas dos jovens não se limita à Argélia e à Tunísia. Marrocos pode ser o próximo na linha.