Jovens fogem como forma de afirmação
As notas, os chumbos na escola, o fim dos amores de Verão ou os namoros proibidos são alguns factores que levam muitos adolescentes a fugir de casa. Só este ano, até ao momento, segundo os dados da Polícia Judiciária (PJ), já foram registadas mais de 1100 participações de desaparecimentos de menores. Destes, 407 casos dizem respeito a adolescentes dos 12 aos 18 anos, da área de Lisboa. Mas para os especialistas, de entre as razões, destaca-se uma grande necessidade de afirmação.
Segundo Ramos Caniço, director da Unidade de Informação de Investigação Criminal, da qual faz parte a Brigada de Investigação e Averiguação de Desaparecidos de Lisboa, "a altura de exames e o fim das férias de Verão são os períodos críticos para o desaparecimento, sem crime, de adolescentes".
A presidente da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas (APCD), Patrícia Cipriano, adianta mais motivos. "A adolescência é uma fase em que o menor não é criança nem adulto, sente uma enorme confusão de sentimentos e identidades, procurando desesperadamente obter o reconhecimento dos outros membros do grupo". Pelo que "é importante ser rebelde, ir às festas todas, aos concertos e festivais de Verão".
Se os pais recusam tais aventuras, "é muito frequente fugirem de casa por dois ou três dias para realizar os seus desejos", frisa Patrícia Cipriano, fazendo os pais passar por "autênticos momentos de desespero e angústia". Outra razão são os "namoros não consentidos ou mais controlados" e que os jovens "vêem como uma privação de liberdade" e para a qual "não aceitam um não como resposta".
"O adolescente sabe o que aflige os pais e provocando-lhes sustos como os referidos, espera conseguir alcançar a liberdade almejada", explica Patrícia Cipriano. Ramos Caniço lembra que muitos, até sem interferência das autoridades, "regressam a casa passados dois ou três dias para ter os miminhos dos pais" e que poucos repetem a façanha. Em 2009, na sua área de jurisdição, já foi comunicado o desaparecimento de 133 adolescentes não institucionalizados. Destes apenas 30 casos dizem respeito a fugas continuadas.
Segundo a coordenadora da Linha SOS Criança Desaparecida, do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Alexandra Simões, se os menores fogem de situações ocorridas em casa (alcoolismo, maus tratos, abusos físicos e/ou sexuais), "é comum procurar apoio nos amigos". "Se fogem por causa de um namoro proibido o mais habitual é procurarem apoio e abrigo junto dessa pessoa por quem se apaixonaram", justifica. Se a fuga é de uma instituição, é vulgar regressar a casa de familiares. "Mas muitas vezes também procuram uma nova vida longe das suas origens familiares, na busca de alcançar uma vida melhor". Só que correm o risco de cair "nas "garras" de exploradores sexuais, pedófilos, ou exploradores de trabalho infantil".
Para ajudar a combater estes problemas, o IAC criou em 2004 a Linha SOS Criança Desaparecida que, em 2008, assumiu o número europeu 116000. "A linha visa dar apoio psicológico, social e jurídico gratuito a todas as crianças vítimas e suas famílias", refere Alexandra Simões.
E é ao nível dos adolescentes institucionalizados que a PJ regista mais casos, muitas vezes fugas continuadas. Das 407 participações registadas este ano na área de Lisboa, 274 dizem respeito a menores institucionalizados e, frisa Ramos Caniço, "80% são miúdos que fogem várias vezes". "Depois de os levarmos para a instituição estão lá duas ou três semanas e fogem outra vez", diz. Por isso, defende, "os números têm de ser vistos com cuidado". "Não se pode dizer que são mil ou dois mil miúdos desaparecidos num ano pois há casos em que um mesmo menor foge várias vezes", refere.
No caso dos menores de 12 anos, Ramos Caniço diz que "muitos desaparecimentos devem-se a situações em que as crianças se perdem" ou, mais preocupante, a casos "relacionados com regulação do poder paternal". Recentemente, diz, "duas crianças dadas como desaparecidas foram encontradas em casa de quem não deviam estar devido a questões de regulação do poder paternal".
Alexandra Simões salienta que "são relativamente frequentes os casos de crianças que se perdem, não conseguindo retomar o caminho de casa". "Ou porque vão para casa de amigos novos que desconhecem o percurso ou porque se embrenham no parque ou floresta nos meandros da sua 'aventura' fantasiosa da sua brincadeira".
Como aconteceu recentemente com um menino de Pegões, Montijo, que desapareceu durante 15 horas e passou a noite na floresta na companhia de dois cachorros.