Jovens árabes contra Estado Islâmico.E preferem estabilidade à democracia

Metade dos 400 milhões de árabes têm menos de 25 anos. Ora, o modo como esta juventude vê o jihadismo, o conflito sunismo-xiismo, o legado da Primavera Árabe ou os direitos das mulheres já não é segredo. E dá esperança
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A esmagadora maioria dos jovens árabes, gente com nomes como Djamila, Karim ou Samira, está muito preocupada com a ascensão do chamado Estado Islâmico (ou Daesh, ou ISIS). Mas está convencida de que este acabará por falhar no projeto de criação de um califado, revela um inquérito realizado em 16 países do Magrebe e do Médio Oriente (abra para ver a infografia), desde Marrocos até ao Iraque, só deixando de fora a Síria devido à guerra. "Não é de estranhar que este estudo revele que os jovens árabes recusam o Daesh, porque eles sabem, melhor do que ninguém, que o Daesh não corresponde nem aos ideais árabes nem aos muçulmanos, e que são apenas delinquentes controlados por uma organização terrorista interessada em enriquecer à custa de todo o tipo de tráfico, mas também em desestabilizar a Europa para conseguir mais recrutamento e criar frações na sociedade", afirma Maria João Tomás, diretora da Casa Árabe.

A também investigadora do ISCTE acrescenta ao DN que os inquiridos "sabem também que os fundamentos religiosos com que o Daesh justifica as suas ações são falsos e estão deturpados, porque afinal a maioria dos jovens árabes é muçulmana e reconhece que o islão nada tem que ver com o Daesh".

Realizado pela Asda"a Burson-Marsteller, com sede no Dubai e parte da multinacional britânica WPP, o estudo pretende aferir das convicções de homens e mulheres com idades dos 18 aos 24 anos e perceber se há uma opinião pública árabe apesar das diferenças culturais (por exemplo, entre um Iémen rural e um Líbano cosmopolita) ou económicas (como entre um Marrocos pobre e um Qatar próspero). E, de facto, há muita coincidência nas respostas a questões como a recusa do Estado Islâmico, a prioridade dada à estabilidade sobre a procura da democracia, a necessidade de fazer avançar os direitos das mulheres ou a falta de empregos.

200 milhões abaixo dos 25 anos

Calcula-se que dos 400 milhões de árabes metade tenham menos de 25 anos, mesmo que muitos líderes tendam a ser de outras gerações, casos do presidente tunisino Beji Caid Essebsi, que tem 89 anos, ou do rei Salman da Arábia Saudita, de 80.

Nota-se uma desilusão geral com a chamada Primavera Árabe, com apenas 36% dos inquiridos a concordarem que mudou os países para melhor. Em anteriores estudos da Asda"a Burson-Marsteller, a percentagem de respostas positivas a essa pergunta chegou a ser de 72% (em 2012) e 70% ( 2013). Ana Santos Pinto, professora da Universidade Nova, diz ser natural esta desilusão com a vaga revolucionária iniciada na Tunísia em finais de 2010 com a imolação de Mohammed Bouazizi, "uma vez que as expectativas continuam por cumprir e os problemas fundamentais estão por resolver, se não mesmo em contexto agravado. Na base da Primavera Árabe esteve a enorme frustração face às condições gerais de vida nos países árabes e uma grande incerteza quanto ao futuro. Trata-se da ausência de perspetiva de futuro para milhões de jovens, em condições equivalentes às que têm as elites dos seus países e as sociedades desenvolvidas com as quais contactam via internet".

Em contraciclo, o otimismo parece renascer no Egito, onde são hoje mais aqueles que dizem que a Primavera Árabe mudou a região para melhor do que as respostas recolhidas no ano passado pelo mesmo estudo (61% contra 50%). Um reflexo provável da estabilização do país sob a liderança de Abdel Fattah Al--Sissi, o general que se fez eleger chefe do Estado depois de afastar Mohammed Morsi, o dirigente da Irmandade Muçulmana que tinha chegado a presidente na sequência do derrube de Hosni Mubarak em 2011. Mesmo assim, o Egito, o mais populoso dos países árabes, continua com dois grandes desafios pela frente: derrotar o jihadismo, sobretudo no Sinai, e refazer uma economia que ainda não recuperou da perda de milhões de turistas, mesmo que invista no canal de Suez como fonte alternativa de receitas.

A preocupar os jovens está também o conflito entre sunitas e xiitas, que parece resumir-se a um duelo entre a Arábia Saudita e o Irão (de cultura persa) mas que fratura também o mundo árabe, sobretudo a Síria, o Iraque e o Iémen. Metade dos inquiridos admitem que a relação entre sunitas e xiitas piorou nos últimos anos. Curiosamente, também cerca de metade considera que a religião tem demasiado protagonismo na região, sendo que nesta o islão sunita é claramente maioritário (exceto no Líbano, Iraque, Bahrein e Iémen) e as minorias cristãs só são fortes no Egito e no Líbano.

Aliás, segundo Ana Santos Pinto, também investigadora do IDN e ex--consultora de Investigação para a Organização das Nações Unidas, no Projeto Aliança das Civilizações, "o conservadorismo está em crescendo como resultado de um processo de afirmação identitária, procurando contrariar estímulos de homogeneização e predomínio ocidental. O debate sobre os direitos das mulheres centra-se na capacidade de adaptação de valores e práticas, que regulam a comunidade muçulmana, aos princípios orientadores das sociedades modernas. A defesa dos direitos das mulheres muçulmanas passa por demonstrar que a adaptação é possível; a rejeição e a negação de particularidades só promovem o conservadorismo radical".

Atração pelos Emirados Árabes

Sobre qual o país onde mais gostariam de viver, os jovens destacam os Emirados Árabes Unidos (primeira opção para 22% dos inquiridos), que batem os Estados Unidos (15%). Argumenta Maria João Tomás que "a grande maioria dos jovens dos países árabes querem perspetivas de futuro, e preferem morar num país com estabilidade que lhes proporcione oportunidades de trabalho, do que terem uma democracia com guerra, como no Iraque. Aliás o que se está a passar na Líbia pós-Khadafi é bem demonstrativo de como, em nome de ideais democráticos, se conseguiu destruir um país rico e estável, sem vislumbres de vir a ter a almejada democracia". E assim, sublinha a islamóloga, "a escolha dos Emirados Árabes Unidos só vem corroborar esta tendência, porque os jovens dos países árabes preferem o emirado do golfo aos Estados Unidos ou à Alemanha, porque sabem que lá encontram boas condições de trabalho e estabilidade. Aliás, os Emirados Árabes Unidos estão a dar o exemplo de abertura ao exterior, de tolerância à diversidade, com a construção de igrejas e de templos hindus, e são neste momento também tendência dos jovens europeus à procura de oportunidades de trabalho".

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Leitura semelhante faz Ana Santos Pinto, dizendo que "se trata de um Estado de maioria árabe-muçulmana, com indicadores macroeconómicos semelhantes às principais economias ocidentais, um elevado índice de desenvolvimento humano, significativos recursos energéticos e uma política externa plural, dentro e fora do Médio Oriente". A federação que inclui Dubai e Abu Dhabi tem, acrescenta, "projetado uma imagem de estabilidade e prosperidade que corresponde às expectativas dos jovens, ao contrário do que acontece na maioria dos Estados do Médio Oriente".

Veremos como evolui no próximo ano a opinião dos 200 milhões de Djamilas, Karims e Samiras.

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