Ramos-Horta toma posse como Presidente. "Represento os timorenses que amam esta terra"
José Ramos-Horta tomou posse esta quinta-feira como o quinto Presidente da República de Timor-Leste desde a restauração da independência, que cumpre 20 anos, numa cerimónia solene nos arredores de Díli.
Perante delegações de mais de 30 países e as principais individualidades do Estado timorense, Ramos-Horta prestou juramento numa sessão solene de investidura do Parlamento Nacional, mas que decorreu num recinto aberto em Tasi Tolu.
O juramento marcou o fim do mandato de Francisco Guterres Lú-Olo que, simbolicamente, cedeu a sua cadeira de honra a Ramos-Horta, eleito para um mandato de cinco anos e que volta ao cargo do qual saiu há 10 anos.
Depois da sua primeira intervenção enquanto chefe de Estado, e, como tradicionalmente, Ramos-Horta assinou o seu primeiro decreto, condecorando Lú-Olo com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste.
Ramos-Horta preside na manhã de sexta-feira às cerimónias oficiais do 20.º aniversário da independência, restaurada quase três anos depois do referendo em que os timorenses escolheram a independência.
Desde a restauração da independência, Timor-Leste teve como chefes de Estado Xanana Gusmão (2002 a 2007), José Ramos-Horta (2007 a 2012), Taur Matan Ruak (2012 a 2017) e Francisco Guterres Lú-Olo (entre 2017 e hoje).
José Ramos-Horta comprometeu-se, minutos depois de ser investido no cargo, a ser o presidente de todos os timorenses, sem "vacilações, dúvidas ou subterfúgios", apelando à unidade nacional.
"Não represento apenas aqueles que em mim votaram. Todos os timorenses que comigo partilham o amor a esta terra e a nossa história estão no meu pensamento", disse Ramos-Horta.
No seu primeiro discurso como chefe de Estado - cargo que já ocupou entre 2002 e 2007 - Ramos-Horta recordou a história do país, as dificuldades da luta pela independência, restaurada há 20 anos neste mesmo local, e sublinhou os desafios do futuro.
"Tenho a honra de tomar posse num aniversário pleno de significado para a nossa história nacional. Passados vinte anos, é importante relembrar o extraordinário exemplo de unidade e comunhão do povo timorense e dos seus líderes durante o período da Luta pela Independência", afirmou.
"Hoje, mais do que nunca, devemos estar plenamente conscientes que só em unidade conseguiremos alcançar os objetivos de desenvolvimento que nos propomos", enfatizou, considerando essencial proteger a "democracia dinâmica, mas ainda vulnerável" do país.
Comprometeu-se a promover o diálogo interinstitucional, a salvaguardar os valores constitucionais e os ligados à identidade nacional, "que encontram raiz no heroísmo, no imaginário-mágico, na simplicidade, na humildade, na generosidade, na abertura, no sentido de inclusão e na inabalável fé do povo timorense".
"Assim será também durante o meu mandato, em espírito da mais ampla unidade possível, estando conscientes e avisados dos aproveitamentos das nossas vulnerabilidades", afirmou.
Por isso, pediu a mobilização da boa vontade "genuína de todos os timorenses", convocando-os a unir esforços com um "espírito de unidade e inclusão, na construção do país pelo qual tantos lutaram e deram as suas vidas".
O Presidente timorense recordou as muitas conquistas das últimas décadas, depois de 1999, em que o país ficou reduzido a "ruínas, a escombros", com o tecido económico e comercial nacional "praticamente inexistente".
Entre as melhorias destacou o aumento da esperança média de vida, dos 58 para os 70, da eletrificação a chegar a mais de 96% da população, do desenvolvimento da rede de infraestruturas nacionais e das grandes melhorias nos setores sociais.
Apesar disso, porém, alertou para os "grandes desafios em setores estratégicos", nomeadamente "agricultura e produção alimentar, segurança alimentar e nutrição, saúde, água potável e saneamento, educação pré-escolar e formação técnico-profissional e criação de empregos".
Entre as prioridades, "elencou eliminar a subnutrição, reduzir a extrema pobreza (que afeta 40% da população) e a exclusão social e combater a corrupção".
Endereçando um abraço ao "povo amado" de Timor-Leste, Ramos-Horta aludiu ao "chão sagrado" do recinto de investidura, Tasi Tolu -- onde em 12 de outubro de 1989 o papa João Paulo II celebrou missa -- para que o disse ser um ato solene que "reconfirma a vitalidade da jovem democracia".
Ramos-Horta recordou com "especial saudade", as memórias dos pais e irmãos, "mártires da luta pela independência nacional" e agradeceu à família e amigos que sempre o acompanharam, dedicando uma mensagem especial aos que morreram durante a luta contra a ocupação.
"Curvo-me em sentida homenagem a todos os timorenses que perderam as suas vidas, assim como aqueles que ainda vivem com a dor da memória dos seus pais, irmãos e irmãs, tios e tias, sobrinhos e netos, primos e amigos perdidos durante o trágico período de conflito", disse.
"Curvo-me perante a memória do sempre eterno saudoso Nicolau Lobato, fundador e organizador das gloriosas Falintil, cujos ensinamentos e o seu esplendoroso exemplo inspiraram e inspiram gerações de Timorenses. Curvo-me ante a memória dos jovens mártires do 12 de Novembro", disse, recordando o braço armado da resistência e as vítimas do massacre de Santa Cruz, em 1991.
E depois outros nomes consagrados da luta já desaparecidos - incluindo os bispos Basílio do Nascimento, Martinho da Costa Lopes e Ricardo da Silva, o padre João de Deus, os irmãos Carrascalão e Fernando Lasama Araújo, entre muitos outros -, honrando o jornalista Max Stahl que deixou "o povo de Timor-Leste em luto" e que faz parte "da memória histórica" do país.
Elogiou também outros ainda vivos e que ocupam lugares de relevo no país, como Xanana Gusmão ou Taur Matan Ruak.
O Presidente da República dirigiu ainda mensagens ao seu antecessor, por ter, como outros candidatos presidenciais, contribuído para o "enriquecimento do debate nacional e para a consolidação" da democracia.
Ramos-Horta, que foi durante décadas a principal voz internacional da luta pela autodeterminação, alcançada em 30 de agosto de 1999, reconheceu o importante papel dos "países amigos" e da sua "generosa solidariedade".
"Caminharam com o nosso povo desde os longos anos de trevas até chegarmos ao cume do Monte Ramelau, como país independente e em paz. Deram-nos a mão quando tudo era escuro, deram-nos de comer quando tínhamos fome, deram-nos de beber quando tínhamos sede. O povo de Timor-Leste jamais esquecerá", afirmou.
O Presidente timorense, José Ramos-Horta, defendeu um reforço das relações internacionais de Timor-Leste com os países vizinhos, no quadro da ASEAN e com a China, pedindo mais apoio dos Estados Unidos.
Ramos-Horta, que tomou posse hoje numa cerimónia em Tasi Tolu, nos arredores de Díli, dedicou parte do seu discurso às relações internacionais do país e olhando para vários dos parceiros atuais.
"É nossa intenção expandir a cooperação bilateral com a China, sobretudo, nas áreas da agricultura sustentável, orgânica, pequenas indústrias, comércio, novas tecnologias, energias renováveis, conectividade, digitalização, inteligência artificial e infraestruturas nacionais e rurais", afirmou.
Ainda relativamente a Pequim, Ramos-Horta notou a "responsabilidade acrescida na promoção e defesa do diálogo para a preservação da paz regional e global", considerando que "a paz só será real e duradoira quando ela é alcançada por via do diálogo e respeito mútuo, em que nenhuma parte de sente coagida e humilhada".
Saudou o apoio dado pelos Estados Unidos desde a restauração da independência, sublinhou a importância do programa da Millennium Challenge Corporation, que vai ser assinado em breve, e pediu que fossem retomados os programas do US Peace Corps "nas áreas de ensino da língua inglesa e de apoio a projetos de desenvolvimento rural".
O líder timorense comprometeu-se a promover a cooperação e interdependência internacionais, essencial, disse, para enfrentar desafios comuns, como a paz, reconciliação, o combate às alterações climáticas, e a erradicação da escravatura infantil e da pobreza extrema.
Estes valores "devem ser orientadores das relações internacionais" de Timor-Leste, que classificou como "um oásis de paz e solidariedade" e para a qual disse ter contribuído a postura do líder histórico, Xanana Gusmão, "em sintonia com toda a liderança nacional", de optar pela "reconciliação nacional e pela rejeição da justiça retributiva dos vencedores".
"Vivemos numa democracia imperfeita, mas pacífica, sem registo de qualquer tipo de violência política, étnica ou religiosa, as várias religiões predominantes no nosso país convivem em espírito de plena fraternidade", disse.
"A partir deste oásis de tranquilidade, reafirmo o meu empenho no combate pela paz e pela fraternidade humana a nível nacional, regional e internacional independentemente de ideologias, religião ou organização social.
Apostando no multilateralismo, Ramos-Horta destacou o papel "central" das Nações Unidas na construção do Estado timorense.
Entre outros aspetos, destacou os "laços seculares" e "o mais profundo afeto" da relação com Portugal, país que tem sido "um verdadeiro amigo, solidário, generoso e persistente, em todos os momentos difíceis" do país.
"Eterna amizade e gratidão, amigo Presidente Marcelo", disse, dirigindo-se ao chefe de Estado português, presente na cerimónia, durante a qual reconheceu ainda a solidariedade com os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em termos regionais, disse, os laços com a Indonésia, Austrália, Nova Zelândia e o sudeste asiático "devem estar no topo" da agenda nacional, procurando "formas eficazes de maior integração económica e comercial, de maior cooperação nas áreas da defesa e segurança, designadamente segurança marítima".
Ramos-Horta defendeu que deve ser retomada uma ideia que foi praticamente abandonada pelo atual Governo, a da triangulação entre Timor-Leste, o Território Norte da Austrália e a metade indonésia da ilha, particularmente para o "desenvolvimento do comércio e mobilidade de pessoas e produtos através em conectividade marítima e aérea".
Reiterou a prioridade na adesão à Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), como "objetivo estratégico nacional" e o fortalecimento dos laços com o Japão e Coreia do Sul.
O Presidente da República timorense, Francisco Guterres Lú-Olo, desejou ao seu sucessor, José Ramos-Horta, "o maior sucesso", momentos antes de terminar o seu mandato, afirmando que sempre atuou cumprindo a Constituição.
"Cesso hoje as minhas funções como Presidente. O cidadão José Ramos-Horta foi escolhido por uma maioria significativa dos eleitores para o Presidente da República e chefe de Estado para o mandato 2022-2027", afirmou, no seu último discurso no cargo.
"Quero desejar ao novo Presidente, o maior sucesso no exercício desta que é a mais alta função do Estado de Timor-Leste", afirmou.
Intervindo no arranque da cerimónia de tomada de posse de José Ramos-Horta, numa sessão solene do Parlamento Nacional no recinto de Tasi Tolu, Lú-Olo disse que a ação dos cidadãos nos últimos anos foi "maior prova da paz social" no país.
Aspeto para que contribuíram, disse, os restantes órgãos de soberania e instituições do Estado, mas também congregações religiosas, sociedade civil, setor privado e todos os cidadãos de Timor-Leste.
"No mandato que presentemente termino foi dada prioridade ao que nos une como povo, seguindo os princípios constitucionais, a legalidade e a ética política, o quadro jurídico, para consolidar a paz, a estabilidade nacional", vincou.