José Pedro Salema: "Não podemos deixar que se diga que a agricultura tem de gastar menos água"
Seca extrema, seca severa, seca prolongada, falta de chuva, um país seco. Os alertas são muitos e de há muito tempo, mas nas cidades as torneiras continuam a jorrar. Com o verão a chegar, os alertas ouvem-se sobretudo a sul. Depois de racionado o consumo de água para rega, a mesma restrição pode chegar aos animais ou aos humanos? "Não há falta de água no país", garante José Pedro Salema, presidente da EDIA, a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva - empresa pública que tem como missão "projetar, construir, explorar e promover o empreendimento do Alqueva" e que tem como principal serviço distribuir água aos clientes agrícolas da região, mas também às cidades de Évora e Beja, o que se traduz em quase 200 mil habitantes.
No início do ano perspetivava um 2023 tranquilo no abastecimento de água no Alentejo. Com 89% do país em seca e 34% em seca severa ou extrema, precisamente no Alentejo e Algarve, mantém essa tranquilidade?
Mantenho essa tranquilidade dentro do sistema do Alqueva, mas infelizmente o sistema não chega, nem nunca poderá chegar, a todo o sul e a todas as zonas de sequeiro. Dentro das áreas que são servidas, nos nossos clientes agrícolas, no abastecimento público e industrial - incluindo o abastecimento a Sines -, não vai faltar água. Quem depende do Alqueva vai ter água. Nós hoje estamos com cerca de 80% da nossa capacidade de armazenamento e, portanto, não só estamos tranquilos para 2023 como também para 2024. Mesmo se não chovesse nada. Porque o Alqueva tem uma grande capacidade de regularização. É a maior albufeira da Europa, em área e em volume.
Um país pequeno precisa de uma barragem tão grande?
Sim, porque temos uma característica de aleatoriedade, uma variabilidade interanual. Estes períodos de seca não são de agora, não são do século XXI, sempre caracterizaram o nosso clima. E é por termos este clima que é preciso um grande reservatório. É preciso guardar a água nos momentos em que temos cheias, como tivemos em dezembro, ou em fevereiro de 2021, e essa água depois dura dois, três anos.
O projeto do Alqueva chegou ao fim do ano com 130 mil hectares infraestruturados para rega, mais 10 mil do que no ano passado. Continua a ter garantias de abastecimento à região para as próximas três campanhas?
Sim, o desenho do sistema prevê essa capacidade estatística de garantia. Se a albufeira estiver cheia e se tivermos os consumos todos em pleno, com toda a expansão que temos prevista em pleno consumo, o reservatório cheio permite três anos de abastecimento. Grosso modo, temos cerca de 3 mil milhões de capacidade útil - a capacidade total são 4150 milhões de metros cúbicos, 3 mil deles são facilmente utilizáveis e o consumo total de um ano são cerca de mil milhões que se repartem desta forma: 600 que gastamos efetivamente, 200 que retiramos do sistema, empurramos por tubos e fazemos chegar à porta dos clientes e outros 200 milhões são entregues ao rio para assegurar funções ecológicas - cerca de 200 milhões são perdidos por evapo- ração e não é controlável porque o lago do Alqueva é uma área muito, muito grande. É o consumo de um ano; se tivermos 3 mil milhões, assumindo que não entra nada, dá para três anos.
Mas então é meramente preventiva ou pedagógica a medida tomada pela EDIA para estabelecer tetos de uso de água conforme as culturas, para ajudar quem cumpre e impedir abusos?
É uma medida pedagógica, porque não estamos preocupados com este ano, estamos preocupados com daqui a sete ou 10 anos, quando tivermos mais áreas servidas do que temos hoje. Há ainda muitas culturas que se estão a instalar, algumas centenas de hectares de novos olivais e amendoais... quando isto tudo estiver em pleno e em velocidade-cruzeiro, vamos precisar de distribuir mais água. E se não contemos as utilizações ilegais corremos o risco de ultrapassar a nossa concessão. É isso que não queremos que aconteça. Queremos garantir, ou continuar a garantir, os três anos de fornecimento, por isso é que criámos estas regras que definem o volume autorizado para cada cliente.
E o preço que indicaram para as tarifas, duplicando-as - um aumento que aliás foi travado pelo governo, fixando uma subida de 24%. Por que previam aumentar tanto?
Quem determina os preços praticados pela EDIA são três ministros: Agricultura, Ambiente e Finanças. A EDIA propõe e apresenta cenários - esse valor que foi veiculado não era a nossa proposta de preço.
Era a das Finanças?
Não... Era um resultado dos custos do segmento água. É natural que nessa discussão entre três pastas haja alguma tensão, não é? É natural que as Finanças queiram subir mais o preço do que a Agricultura, que quer que os agricultores tenham melhores condições. E chegou-se a uma solução equilibrada.
Mas então não foi a EDIA que propôs o aumento superior a 100%?
A EDIA apresentou os custos, mas a nossa proposta era francamente abaixo, porque fazemos a gestão integrada de todas as componentes. E temos também receitas que podem ser tidas em consideração, principalmente na eletricidade. Portanto, temos uma receita que vem da exploração das barragens de Alqueva e Pedrógão que pode ser posta em equação, para suportar parte dos nossos custos.
Alguns ambientalistas, como a Zero e a Almargem, denunciaram há dias mais de 6 mil hectares de regadio não-autorizado no Alqueva. Estes projetos agrícolas já foram identificados e denunciados?
A identificação dessas áreas é feita pela EDIA, essas associações usam os nossos dados, e é por termos essas áreas não-autorizadas que criámos a regra de definir volumes. As manchas de regadio estão definidas num mapa, mas no terreno não se vê nenhuma linha a dizer "aqui acaba o regadio". E é normal e frequente que uma área de regadio termine no meio da propriedade de um agricultor, podendo este ser tentado a esticar o regadio para ocupar toda a sua parcela, toda a terra. Mas não foi assim que o sistema foi desenhado. Se todos o fizerem, crescíamos infinitamente até ao mar ou até Espanha... Portanto, temos de conter o crescimento.
E seria mau haver esse crescimento da área de regadio?
Na perspetiva do proprietário, que já é servido, não é mau, é ótimo, porque vai fazer mais regadio na sua terra. Mas se crescermos dessa forma não vamos conseguir ter recursos para as outras áreas onde queremos chegar - outros concelhos que não têm regadio, como Moura, a Amareleja ou Reguengos.
Mas o projeto pode caminhar para haver mais área de regadio em zonas onde hoje não chega?
Sim, mas esse plano de expansão foi pensado para chegar a outras zonas e atender aos desejos de outros concelhos que estão na proximidade e que não o têm. O plano de expansão é esse.
O setor agrícola é muitas vezes apontado como o mau da fita pelos consumos brutais de água, sobretudo na pecuária e agricultura intensiva. Não é possível investir mais no reaproveitamento?
É, mas primeiro temos de tirar aí o ónus do setor agrícola. O que a agricultura faz é transformar água em alimentos. A agricultura é o principal utilizador de água e será sempre, porque é o único produtor de alimentos para 8 mil milhões de habitantes no planeta Terra. Não podemos deixar que se diga que a agricultura tem de gastar menos água. Queremos comer menos? Ou queremos reduzir a população da Terra? Não queremos. O desejo de Portugal de aumentar a eficiência no uso da água todos percebemos e assinamos por baixo. Agora, dizer que queremos gastar menos água só porque sim, porque há menos, não devia ser a nossa ambição. A nossa ambição devia ser gastar mais água para produzir mais riqueza e com mais eficiência. Todos queremos perder menos, queremos que haja menos ruturas, menos perdas não-controladas da água, mas devíamos ambicionar ter mais áreas de regadio. Gastar mais água em regadio.
Mas é água que não há.
Não é verdade. Não há falta de água. Há muita água em Portugal. Infelizmente, tem um padrão de distribuição que não é apropriado para os sítios onde queremos. Onde nós queremos gastar, não há. Mas, em média, ao longo do ano e no território todo, há mais do que suficiente. Nós gastamos cerca de 15% dos recursos hídricos existentes em Portugal. Consumimos na agricultura, no abastecimento público, no abastecimento industrial, cerca de 15% dos recursos hídricos de Portugal. Portanto, há água e até podíamos gastar 16% ou 17% ou 20%.
Então o desafio é reorganizar a rede?
Claro, primeiro pela eficiência, porque se não perdermos tanta, podemos gastar mais com o mesmo consumo total.
Mas é preciso fazer alguma coisa.
Claro, investimento. Quando falamos em perdas nos sistemas de abastecimento público, todos percebem o que é uma rutura. É quando vemos a água a escorrer pelas estradas abaixo.
Há muito desperdício, água que se perde simplesmente no transporte. 25% da água que passa nas condutas de abastecimento em Portugal é desperdiçada.
Essencialmente por ruturas.
Mas isto é um problema das juntas de freguesia, das câmaras... Ou seja, a responsabilidade é do poder local ou do poder central?
Portugal tem feito um investimento enorme no ciclo urbano da água. Aliás, é visto até internacionalmente como o milagre português, porque conseguimos aumentar a eficiência brutalmente e chegar a quase todos os núcleos.
Mas ainda assim perdemos 25%.
Ainda assim perdemos, porque apesar de termos crescido a rede e melhorado a eficiência em alguns concelhos, noutros não o fizemos.
Portanto, é uma questão do poder local?
Certo. Há uma distribuição da gestão e nós temos um mostruário de soluções no abastecimento público, temos todas as soluções, temos municipais, multimunicipais, públicos, privados, portanto há de tudo. Uns funcionam bem, outros funcionam mal, mas a ERSAR tem feito um trabalho interessante também na identificação dos indicadores críticos de análise e que metas devemos ambicionar.
Mas então, em vez de estarmos a castigar os agricultores ou os consumidores que usam mais água, ou que a usam de uma forma menos eficiente, e a beneficiar os que a usam de forma mais inteligente, esse sistema de penalização não devia ser aplicado às câmaras que não fazem uma gestão eficiente?
A discussão é complexa... Temos o Grupo Águas de Portugal em cima, depois uma miríade de sistemas em baixo que têm estas formas jurídicas diferentes, mas acredito que sim, que há melhorias possíveis na articulação entre estes dois níveis. E o tarifário é seguramente uma forma de implementar ou de incentivar o uso eficiente.
Mas isso vai sempre passar para o consumidor.
Sim e não. Todos concordamos que devemos pagar a água... A água em si é um bem público, mas nós não pagamos a água, pagamos o serviço de distribuição, pagamos o facto de termos água na nossa torneira. E o peso da fatura da água é diminuto em Portugal.
Todos os anos assistimos a estes problemas da seca, um reflexo das alterações climáticas. Mas é também da falta de investimento do governo, nomeadamente nessa melhor planificação de conduzir a água de onde ela existe para onde falta?
Os projetos de grandes transvases, de facto, não existem. Há algumas ideias de algumas pessoas, umas mais informadas do que outras, que defendem esse conceito do transvase, porque temos um Portugal dividido ao meio. Temos um Portugal a norte do Tejo e um a sul, que são completamente diferentes. Claro que não interessa nada a um alentejano o que chove no Minho, mas poderia interessar. Em conceito, essa ideia de transvase pode ser de explorar - seria desviar a água de uma bacia hidrográfica para outra - e isso já se faz em Portugal, já existem alguns transvases. No Sabugal-Meimoa, onde se faz o transvase do Douro para o Tejo, e em Alqueva fazemos um transvase da bacia do Guadiana para a bacia do Sado. O que essas ideias defendem é incrementar muito estes transvases e criar uma espécie de autoestrada da água do Minho ou do Douro até ao Algarve.
E isso é possível?
Teoricamente sim, mas se começarmos a fazer contas, estamos a falar de 10 mil milhões de investimentos... sai um bocadinho fora do que é a decisão do Ministério da Agricultura. E não é uma solução isenta de problemas, porque teríamos de fazer projetos de detalhe, estudos de impacto ambiental que podiam determinar que há problemas inultrapassáveis... Nos pequenos transvases que fizemos, por exemplo, do Alqueva para o Sado, foi preciso fazer investimentos brutais para pôr a tomada de água na Barragem do Loureiro no meio da albufeira, em vez de estar junto à margem, para reduzir a probabilidade de os peixes entrarem; instalámos altifalantes subaquáticos que emitem um concerto repelente de peixes. Isto são coisas que a maior parte das pessoas não faz a mínima ideia que existem. E depois, instalámos um tamisador de 20 mícrones, uma espécie de pano de coalhar, um filtro muito fino, que apanha até os ovos dos peixes mais pequeninos, para garantir que o ovo do peixe mais pequenino não passa do Guadiana para o Sado. Tudo isto para garantir que a biodiversidade do Guadiana não se mistura com a biodiversidade do Sado, para que não se crie um híbrido e não perca populações de peixes diferenciadas.
O governo admite a "imposição de diferenciações tarifárias para grandes consumidores" na alteração legislativa que o Ambiente prepara para a lei da água. Duarte Cordeiro e Maria do Céu Antunes já falaram em restrições a novos projetos agrícolas e proibição de novas estufas. Isto faz sentido?
Há medidas conjunturais e estruturais e essas são nitidamente conjunturais. Neste momento, em alguns sistemas, não faz sentido aumentar os pedidos. Se temos uma capacidade limitada de abastecimento, por exemplo, no sudoeste alentejano, se temos a Barragem de Santa Clara, que está a 30%, mas já abaixo da quota da tomada de água e estamos a utilizar já o chamado volume morto da albufeira, é normal que não se queira aumentar o consumo e, portanto, legalizar novos clientes nessa área.
E estruturalmente?
Estruturalmente, o que estamos a pensar é encontrar fontes alternativas. O governo tem feito um esforço e tem passado essa mensagem de aumentar as APR, as Águas Recicladas, que saem das estações de tratamento de águas residuais e que podem ser utilizadas na agricultura. Já está o quadro legal perfeitamente definido para isso.
E essas autoestradas já estão feitas ou ainda vão ser feitas?
Vão ser feitas. O quadro legal já está definido e há algumas áreas a ser estudadas para utilizar APR, principalmente na Zona do Oeste e em Loures. Loures vai ser o primeiro perímetro que vai ser abastecido 100% com água que sai da ETAR.
E isso já devia ter sido feito há 20 anos...
Eventualmente.
Acredita que, como outros especialistas anteciparam, pode haver restrições ao consumo de água para os cidadãos no verão, nomeadamente no Alentejo e Algarve?
Penso que não. No abastecimento público haverá medidas de sensibilização - não encher piscinas, não regar a relva, não lavar o carro -, mas não há determinação de um X de metros cúbicos por mês.
Mas admite que possa acontecer em alguns concelhos, nomeadamente no Algarve, o abastecimento de água ser feito por cisternas de bombeiros alinhadas para fazer chegar a água às casas?
Em alguns sistemas isolados isso pode acontecer, mas não será a regra.
E em cidades.
Não, isso não, de todo. Não neste ano, seguramente, porque os gestores têm a obrigação de assegurar os usos prioritários. O uso prioritário é o abastecimento público, é o que está no topo da prioridade, e é preciso garantir que se deixa na barragem a água para dois anos, cortando os outros se for preciso. Vamos cortando os menos prioritários até deixar água para o abastecimento público.
Acha que está a haver algum alarmismo com isto?
Acho que há algum alarme, mas que deriva principalmente do corte que existe às áreas menos prioritárias. O golfe tem menos água para regar e o golfe é uma atividade importantíssima no Algarve, do ponto de vista da redução da sazonalidade do turismo. Uma cultura permanente, que foi um investimento muito significativo por parte do agricultor, se não tem água para regar vê comprometido o seu investimento, além da produção do ano. Isto é motivo de alarme para estas pessoas.
Mas existe uma estratégia nacional para a água?
Se calhar está a fazer a pergunta à pessoa errada... O nosso papel é contribuir para essa visão do todo. Acho que estamos a trabalhar nesse sentido.
Mas não devíamos estar mais adiante? Não há contribuições suficientes?
Podemos sempre dizer que se podia fazer mais. Mas estamos muito melhor do que estávamos.
Mas há ou não há uma estratégia nacional para a água? É que quando se olha para isto do lado do senso comum, do cidadão comum, a ideia que dá é que não há. Vai-se fazendo aqui uma coisa, ali outra, mas ninguém se preocupou em olhar para este assunto de cima a baixo e dizer: "Daqui a 10 anos queremos estar aqui".
Essa visão existe, mas tem de ser continuamente atualizada. Estamos agora num momento de revisão dessa estratégia, tendo até começado a surgir sinais de que grandes investimentos vão avançar. Estou a pensar principalmente na barragem do Rio Ocreza, a Barragem do Alvito
De que se fala há 30 anos.
É verdade, mas agora ouvimos do governo que se vai avançar para esse investimento. Avançou-se para a Barragem do Pisão-Crato, que também é relevante para a Zona do Alto Alentejo. Se perguntar mais a minha opinião pessoal, Portugal tem 80 barragens públicas, mas não precisamos de fazer outras 80, se calhar precisamos de fazer mais dez ou 20.
Mini-hídricas?
Portugal não precisa de pequenas barragens, precisa de barragens médias e grandes, porque só essas é que têm capacidade de regularização. Nós precisamos de guardar a água durante muitos meses, não é só de abril para agosto - isso faz uma charca -; o problema é quando não chove em abril, como aconteceu este ano, e precisamos de guardar a água de abril do ano passado. Isso só se faz com barragens médias e grandes.
E uma redundância numa central de dessalinização faz sentido?
Do meu ponto de vista, em alguns sítios, claramente.
O Algarve?
Claramente. O Algarve é um sítio onde tem uma grande pressão de uso para o urbano, temos uma densidade populacional grande, estamos ao lado do mar, há uma sazonalidade enorme, um milhão de pessoas que saem de Lisboa em agosto e vão para o Algarve. Temos um pico de consumo no verão, uma agricultura que tem ganhado, na última década, um ânimo muito interessante que não devíamos amputar, por isso faz sentido. Os agricultores do Algarve, que estão a fazer citrinos, ou abacates, ou framboesas, estão a gerar emprego, estão a fixar população, estão a criar riqueza para o país. E devíamos ambicionar ter mais disso.
Espanha tem mais de 70 centrais neste momento, nós continuamos a discutir se devemos ter uma.
Claramente o Algarve é o local ideal para começar e eventualmente em dois sítios: uma no Barlavento e outra no Sotavento. Já se está a falar também no sudoeste alentejano, perto da Odemira, para garantir o abastecimento a uma zona de regadio que é capaz de pagar a água dessalinizada. É importante referir que a água dessalinizada é muito cara. É muito cara para os padrões de preço que se praticam na agricultura. Um metro cúbico de água dessalinizada custa cerca de 50 cêntimos, portanto mil litros custam 50 cêntimos. Isto para abastecimento público é baratíssimo, mas para abastecimento agrícola é caríssimo, porque o preço na agricultura é cerca de um décimo desse, é de 5 cêntimos/metro cúbico.
Porque o uso é muito superior.
E o tratamento é muito diferente. O que é que nós fazemos na água para a agricultura? Retemos a água da chuva e depois distribuímos, não fazemos tratamento nenhum, é só armazenar e distribuir.
Podia haver armazenagem ou retenção de água nos prédios das grandes cidades? Devíamos evoluir para cada prédio com mais de cinco ou seis andares ter um reservatório ou fazer reciclagem da água e reaproveitamento?
Sem dúvida. Numa casa gasta-se muita água, em capitação média são cerca de 120 litros por pessoa por dia. E onde se gasta a maior parte dessa água? No duche e no autoclismo. Estas duas utilizações não sujam muito a água. Principalmente no lavatório e no autoclismo, poderia ser usada a água do duche para descarregar. Mas isto implica uma segunda ou uma terceira canalização - temos a água fria, a água quente, a água de esgoto e tínhamos de ter a reciclada.
E não é mais barato? Pôr um tubo de plástico para a reciclagem?
É, mas agora imagine o que é ter de fazer isso em todas as casas. Mas isso já é um padrão em muitas geografias e será seguramente uma obrigação nos próximos anos em Portugal.
Um dos maiores especialistas em água em Portugal, Poças Martins, disse nesta semana que "o Alqueva não contribui muito para a segurança alimentar do país porque está a trabalhar sobretudo para a exportação e com a água muito subsidiada". Pedia-lhe um comentário.
A água não é subsidiada, o tarifário do Alqueva - não em 2023, mas em geral nos últimos anos - tem estado perfeitamente adaptado aos custos. Os preços são baratos porque os custos são baixos e o Alqueva está a contribuir para a economia nacional de forma muito significativa. O valor estimado é cerca de 500 milhões no PIB, o valor do projeto Alqueva.
Mas está sobretudo a trabalhar para a exportação, como diz Poças Martins?
Ao exportar estamos a reduzir a nossa balança comercial alimentar e, portanto, se toda a produção for exportada, acho fantástico. Mas não é verdade, sabemos que a principal produção do Alqueva é o azeite e que o Alqueva foi responsável por transformar Portugal de uma situação deficitária, portanto importávamos a maior parte do azeite que consumíamos, para uma situação de excedentários. Hoje somos capazes de produzir o azeite que consumimos e ainda exportar algum. E isso só pode ser visto como positivo.