José Manuel Durão Barroso
José Manuel Durão Barroso, actual presidente da Comissão Europeia, é um bom amigo. Pertencemos à mesma família política, já que, apesar de o seu partido se denominar social-democrata, tanto a sua formação como a minha se enquadram no centro-direita reformista. A figura de Durão interessou-me desde muito cedo e segui muito de perto as suas actividades políticas nos momentos complicados, quando no seu partido reinava uma certa instabilidade e quando, já com Durão à frente, passou uns quantos anos na oposição, com o seu rival de então, António Guterres, no poder.
Apesar da sua juventude - nasceu em 1956 -, Durão tem uma longa história na vida política. Como dirigente estudantil, militou nas fileiras mais radicais da esquerda portuguesa nos anos setenta, para seguir logo uma via, partilhada por muitos políticos desses anos, que o levaria a umas posições liberal- -conservadoras muito distantes das que manteve em jovem. Filiou-se no PSD, de Francisco de Sá Carneiro. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros com Cavaco Silva na presidência do Governo e, por fim, foi eleito líder do seu partido em 1999, com fortes possibilidades de chegar a ser primeiro-ministro, ainda que, no entanto, lhe restasse muito trabalho pela frente.
Desde 1985 que foi deputado na Assembleia da República por Lisboa, a sua cidade natal, pela qual sente um carinho que partilho com ele desde a primeira vez que a conheci. Há poucas cidades no mundo tão belas, tão sugestivas como Lisboa. Também é uma cidade orgulhosa, aberta ao oceano Atlântico, consciente do seu esplendor, capaz de olhar para o futuro com confiança. Apraz-me sempre comprovar como os lisboetas foram modernizando a sua cidade sem atraiçoar a sensibilidade daqueles que construíram ao longo de muitos séculos esse cenário magnífico.
Nós ajudámos, na medida das nossas possibilidades, o partido de José Manuel Durão Barroso no Partido Popular Europeu. Eu próprio renunciei à vice-presidência que me correspondia no PPE para que ele a pudesse ocupar, porque Durão Barroso entendia, não sem justificação, que os primeiros-ministros não deviam ocupar cargos no PPE e que estes deviam estar reservados aos líderes da oposição para se darem a conhecer a partir dali. O Partido Popular Europeu aceitou a proposta e, desde então, transformou-se numa regra que se tem aplicado sistematicamente. Participei com muito gosto no Congresso do seu partido que elegeu José Manuel Durão como candidato à presidência do Governo. Numa boa parte, o seu programa eleitoral inspirava-se nas medidas de liberalização, austeridade e controlo do défice e redução de impostos que o Partido Popular estava a aplicar com êxito em Espanha. Sentia-me identificado com a primazia que José Manuel Durão concedeu na sua campanha aos "valores do trabalho, da disciplina, do rigor, da competência, da eficiência e da busca da excelência". Por fim, a 17 de Novembro de 2002, obteve a vitória política que merecia.
Uma vez no Governo, teve de enfrentar uma economia paralisada, com um défice público considerável e problemas de produtividade. O novo Governo tinha de implementar reformas estruturais muitas vezes adiadas e tentar acelerar a convergência com as economias do resto dos países da União Europeia. José Manuel Durão também estava preocupado com a posição do seu país no mundo. Conhece bem a contribuição de Portugal para a história da Europa e crê que o seu país merece ocupar um lugar relevante nas relações internacionais. Quanto a nós, e apesar da minha confiança pessoal em Durão, estávamos na expectativa para comprovar se a relação com o nosso partido irmão português iria ser mais ou menos difícil do que com o partido de António Guterres.
O certo é que a relação acabou por ser igualmente cómoda e, mais do que isso, extraordinariamente frutífera. Com José Manuel Durão adiantámos alguns assuntos muito importantes de infra-estruturas e iniciaram-se as conversações sobre as ligações de alta velocidade entre Portugal e Espanha, um projecto a que os dois quisemos dar grande importância. Numa conferência de imprensa, Durão deu uma lição de senso comum. Perguntaram-lhe por onde iriam passar os comboios de alta velocidade que ligariam Portugal a França e respondeu que pegassem num mapa e que, a menos que alguém quisesse inventar o comboio de alta velocidade marítimo, não haveria outro remédio se não passar por Espanha.
Combinámos continuar com as visitas familiares anuais em Portugal e em Espanha que tínhamos iniciado com Guterres. Manteve sempre, juntamente com a sua mulher Margarida, uma atitude atenta e cordial connosco. Recordo muito especialmente a última cimeira que realizámos, na Figueira da Foz, muito importante pelos resultados que ali se conseguiram. Acompanhou-nos numa visita à bonita cidade de Coimbra e outra ao parque do Buçaco. Mantivemos e aprofundámos a mesma política de colaboração que se tinha posto em marcha previamente.
Com Durão, jamais tive algum momento de dificuldade, a não ser em questões de pormenor, quase anedóticas. Sempre trabalhámos numa base de confiança política sincera e profunda. Graças a isso, criámos o mercado ibérico de electricidade, um passo relevante na intensificação da cooperação entre os nossos dois países.
Um momento particularmente relevante na nossa relação chegou com a Cimeira dos Açores. Eu tinha visitado os Açores convidado por António Guterres, por ocasião de uma reunião bilateral que teve ali lugar por desejo expresso de Guterres, e seguramente também porque o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Jaime Gama, tinha nascido nas ilhas.
Tendo proposto os Açores para realizar a cimeira com Bush e com Blair, eu próprio liguei a José Manuel Durão para lhe comunicar a proposta e convidá-lo a juntar-se à iniciativa. Pediu-me algum tempo para me responder e pouco tempo passado ligou-me para me informar de que não faria apenas de anfitrião mas que também se juntaria aos actos previstos. Durão assumiu riscos muito sérios com aquele gesto, mas sabia bem o que fazia. Quando o interpelaram no Parlamento, perguntaram-lhe se se tinha sentido confortável na nossa companhia. Respondeu outra vez com esse senso comum que o caracteriza, que nunca se poderia sentir desconfortável numas ilhas que são terra portuguesa; com o principal vizinho do seu país, que é Espanha; com o seu aliado histórico que é a Grã-Bretanha, e o principal parceiro do ponto de vista da segurança e da liberdade dos portugueses, que são os Estados Unidos.
Hoje em dia, forças militares portuguesas participam na reconstrução do Iraque e na instauração de um regime democrático. Durante a campanha eleitoral de 2005, o líder do Partido Socialista comprometeu-se a manter o contingente português no Iraque.
Durão estava a levar a cabo um bom trabalho no Governo e o esforço estava a começar a dar frutos. Por isso, surpreendeu-me muito a sua decisão de se demitir de primeiro-ministro para ocupar a presidência da Comissão Europeia. É verdade que se tinha chegado a um acordo nas instituições europeias segundo o qual o partido que ganhasse as eleições apresentaria um candidato à presidência da Comissão. Como ganhou o PPE, cabia-lhe a ele procurar um candidato. Por outro lado, era difícil que não fosse um primeiro-ministro, pelo respaldo democrático que o lugar possui e isso encurtava consideravelmente a margem de eleição. Isso explica em parte a eleição de Durão.
José Manuel Durão possui o prestígio suficiente, uma carreira política prolongada e uma linha de acção clara e consistente. É verdade que tinha apenas dois anos como primeiro-ministro e deixar de ser primeiro-ministro depois de dois anos no cargo constitui, sem dúvida, uma decisão arriscada. A nível pessoal, é um desafio muito importante. Também o é para Portugal, porque Durão é o primeiro presidente português da Comissão, num momento em que a Europa empreendeu uma ampliação histórica.
Durão é um atlantista convicto e sabe que é necessário manter, aprofundar e ampliar o vínculo atlântico. É também um reformador, com visão de futuro e ideias firmes no que respeita à vigência dos Estados nacionais e à necessidade de respeitar a liberdade individual para garantir a prosperidade e o progresso dos países da União. Espero que tenha um grande êxito na presidência da Comissão Europeia.
A minha experiência nas relações com os primeiros-ministros portugueses foi extraordinariamente positiva, um autêntico modelo de colaboração entre países soberanos, respeitadores um do outro, com identidades claras e diferenciadas mas também com raízes e interesses comuns muito profundos. Os anos em que trabalhei com José Manuel Durão Barroso contribuíram para firmar e melhorar uma cooperação que terá de continuar a aprofundar-se no futuro.