Jornalismo e vida real

Publicado a
Atualizado a

O primeiro nível é simples: depois de tantas saídas do armário, no mundo da cultura e no do desporto, no da economia e até no da política, uma saída do armário dificilmente continuará a ser notícia - e, portanto, o casamento homossexual de Diogo Infante é pelo menos tão irrelevante, do ponto de vista jornalístico, como o divórcio de Bárbara Guimarães. Por outro lado, quem tenha passado a História no liceu sabe isto: poucas coisas influenciaram o cursos das sociedades, durante milénios, como os casamentos.

Temos pois que um casamento pode ser notícia. E, a partir daí, o problema é traçar a linha limite. Abaixo de que nível deixa ele de sê-lo?

Pois eis algo que não pode ser definido com base num critério de gosto, ao contrário do que venho lendo. Escolher o que é notícia com base no "bom gosto" é, na verdade, a negação do jornalismo. É kitsch no sentido essencial da palavra ("a negação absoluta da merda", diria Kundera) e é, aliás, ética e politicamente perigoso (basta que nos lembremos do indiscutível bom gosto de Leni Riefenstahl).

Quando muito, poderá ser a cultura a decidir. Com base numa pergunta: "Este acontecimento ajuda-nos a perceber o mundo em que vivemos?" Ou seja: o casamento de Diogo Infante e Rui Calapez ajuda-nos a perceber este mundo em que o Estado se pôs à margem do género?; e o divórcio de Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho, ademais turbulento, ajuda-nos a perceber este mundo em que política e espetáculo se deitam na mesma cama?

Julgue cada um por si. Por mim, já me distraí com outra pergunta: quanto do jornalismo que hoje fazemos ajuda a perceber o mundo, não se limitando a apertar os botõezinhos emocionais às audiências?

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt