Jorge Sampaio fecha ciclo no país julgado impossível
A"Realidade" atravessa a Avenida de Portugal, em Díli: os transportes públicos de Timor-Leste são furgonetas pequenas, coloridas - o tuning cobre a maioria do parque automóvel local - e baptizadas (nomes de pessoas, santos, cidades portuguesas, etc.). É domingo, Díli está semideserta e a "Realidade" atravessa a avenida em alta velocidade.
A comitiva presidencial que viajou de Lisboa num C-130 da Força Aérea chegou um dia antes de Jorge Sampaio e já se instalou no Hotel Timor (que era o Hotel Makota, destruído pelas milícias nos confrontos de 1999, entretanto recuperado por Carlos Monjardino e propriedade da Fundação Oriente).
A Avenida de Portugal, que a "Realidade" atravessa, segue a linha do mar. No Hotel Timor, em frente do porto, a comitiva de Jorge Sampaio já se encontra a almoçar um cozido à portuguesa. O primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, aparece, entretanto, para tomar café com a família no bar do hotel, um dos poucos sítios abertos ao domingo. Por todo o império, os despojos não desvaneceram um certo clima de familiaridade: aqui, em Timor-Leste, 24 anos de ocupação indonésia transformaram o antigo colonizador em activo combatente pela independência. Mais um milagre da História e da geostratégia num país cuja existência parece um milagre.
É Timor um milagre político?
João Ramos Pinto, embaixador em Díli há pouco mais de um ano e meio, responde que "sem dúvida que é". O Estado está a dar os seus primeiros passos, depois de a administração pública de topo, quase composta por indonésios, ter desaparecido a seguir a 1999. "Há que construir o Estado, as instituições, para que o país possa funcionar bem", diz o embaixador, lembrando que um dos principais eixos da cooperação portuguesa, para além do ensino da língua, é o apoio à consolidação do Estado de direito.
A trémula furgoneta chamada "Realidade", que atravessou a Avenida de Portugal, funciona neste quadro como uma espécie de metáfora ambulante. Destruída pelas milícias indonésias em 1999, na sequência dos resultados do referendo que deu a vitória à independência, Díli está longe de se recompor.
A estrada de Comoro, que liga o aeroporto à capital, é um cenário deprimente: a olho nu, parece que, de 2000 para cá, nada mudou. A pobreza e o comércio de chão e de beira de estrada continuam a ser a marca principal da cidade. A criminalidade é, no entanto, praticamente inexistente.
Última visita
Jorge Sampaio aterra esta madrugada no "milagre" político que o seu mandato lhe deu a ver: a independência de Timor-Leste, por muitos julgada impossível. A última viagem oficial tem um peso simbólico muito grande, mas o embaixador Ramos Pinto não lhe quer retirar um avo de carga política. "É a reafirmação da parte de Portugal que vai continuar a apoiar Timor-Leste. Tem sido uma matéria de grande consenso entre os partidos políticos e sempre houve aqui uma grande consonância entre governos e Presidente da República. Ao terminar o seu mandato, o Chefe do Estado vem mais uma vez reafirmar essa relação especial."
O sucesso do português
Estamos na época das chuvas em Timor-Leste, que só ligeiramente aliviam os elevados índices de humidade do ar. É domingo e não está ninguém na praia. Alice e Jacinta são primas e tomam conta de um dos vários bares da praia da Areia Branca, enfeitado com mantas típicas timorenses e imagens de deuses asiáticos. Alice tem 20 anos e não fala português - mas entende, conforme explica no seu inglês fluente. Jacinta, 19 anos, está a aprender a sua outra língua oficial (são duas em Timor, português e tétum). A difusão da língua perdida durante a ocupação indonésia é um dos sucessos da cooperação - sete anos depois do referendo, todo o ensino até ao 7.º ano de escolaridade já é ministrado em português.