Joia de família

A arte está-lhe no ADN e<b> Branca Cuvier</b> não a renegou. A dela fê-la seguir joalharia. Esteve na Holanda, a aprender o design e as artimanhas do negócio. Fez uma peça para Lady Gaga e regressou, criando a sua própria marca.
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Primeiro que tudo, a genética. Deve haver no seu sangue, nas células, no mais ínfimo e invisível de si, arte espalhada em nanomicropartículas. O bisavô Leopoldo Almeida, escultor, é responsável pelo Padrão dos Descobrimentos. Só assim para assentar ideias, para mostrar do que é capaz a genética desta família. Depois, como se não bastasse, a avó é Helena Almeida, a prestigiada artista plástica. E o avô, o arquiteto Artur Rosa. A mãe, Joana Rosa. Um impressionante registo de artistas (as mulheres da família) e arquitetos (os homens). Quase como uma inevitabilidade. Uma sina. A que ela, Branca Cuvier, não escapou, não só porque é, ela própria, uma artista, como pelo namorado Francisco, em breve pai do seu filho e que é... nem mais: arquiteto. A tradição cumpre-se.

Lembra-se desse caldo desde sempre. Arte, liberdade, expressão pura. Sem regras, sem margens, sem imposições, sem medos. O importante era o ser, o criar, o ser original. «Tudo era válido. Lembro-me de ser pequena e de dizer que não queria ir à escola. E a minha mãe respondia: "Não vás! Inventamos uma desculpa e ficamos aqui as duas a fazer coisas giras!" Estendíamos um lençol e pintávamos, desenhávamos, ou fazíamos bonecas de papel e as suas roupinhas... Para a minha mãe era isso que fazia sentido. E ainda bem! Isso formou-me.»

O percurso escolar começou nas Escravas do Sagrado Coração de Jesus (um contrassenso que só se explica porque a melhor amiga da mãe era lá professora), passou para o Liceu Pedro Nunes, para a escola artística António Arroio e, em seguida, a Ar.Co. Mais ou menos como uma escadaria em direção ao verdadeiro caminho. À estrada que ia percorrer pelo resto da vida (ou não, que o imprevisto, já sabemos, está-lhe no sangue).

Na Ar.Co, começou por escolher Desenho porque toda a vida ouviu dizer que desenhava muito bem. Era um princípio. Até que a ausência de cores começou a fazer-lhe falta e, atento a esse desconsolo, um professor sugeriu Pintura. Mas, apesar das cores, a Pintura ainda não tinha o excesso, a infinitude de possibilidades. Era uma tela. Um espaço circunscrito. E ela precisava de mais.

Foi então que escolheu Joalharia. «Sentia que estava finalmente no sítio certo. Felizmente, a minha família apoiou esta sequência de tentativa-erro que me permitiu descobrir o que fazia sentido para mim. Na joalharia posso criar ilimitadamente. Tudo é válido: desenhar, pintar, recortar, colar. Os materiais também são infinitos. Claro que isso é excelente mas, por outro lado, esta sensação de liberdade infinita também é assustadora. Temos de aprender a criar uma linha, uma coerência, senão é o caos.»

Branca Cuvier podia ter ficado só por isto. Ar.Co, joalharia, um atelier, expressão livre e sem amarras. Mas, por detrás do seu ar calmo, tímido até, existem ganas de comer o mundo. De ir mais longe. De chegar onde ninguém chegou. De ser melhor, maior, de rasgar com o conhecido, de desbravar novos terrenos, de crescer. E, para isso, nada melhor do que sair da zona de conforto. Deixar a casa, o carro, a família, os amigos, o atelier. E até uma paixão encontrada três dias antes da partida, quando nada devia aparecer para a agarrar: «Ainda assim, fui. Estava decidida e, apesar de ter achado que o Francisco tinha vindo para ficar, precisava muito de sair, de me pôr à prova. Fui para a Rietveld, em Amesterdão. E depois do curso quis fazer um estágio. Procurei artistas com os quais me identificasse, em Amesterdão, e foi então que descobri a Lucy McRae. Enviei-lhe um e-mail, ela aceitou, e foram três meses intensíssimos.»

Este é, de resto, o seu lema para tudo. Arriscar. Enviar e-mails, propor, sugerir. Porque não? O que se tem a perder? O estágio com Lucy McRae foi incrível, melhor do que podia imaginar. Ela era excêntrica, emotiva, livre, intensa. «Quando a vi pensei: "Será que eu aguento isto?" Mas essa é outra das coisas que me dá prazer. Enfrentar os meus medos. Porque eu tenho-os, como qualquer pessoa. Mas em vez de me meter na concha, lá vou eu!»

Nesses três meses, meteram mãos à obra num sem-número de projetos, nomeadamente numa peça para Lady Gaga (que a artista acabou por não usar na capa do novo álbum, mas o que importou foi mesmo a encomenda e o prazer da criação).

Quando voltou a Portugal, Branca já não era a mesma. Era outra. Maior, melhor, artisticamente falando e não só. Era também outra pessoa, porque as pessoas crescem, mudam. Decidiu que queria criar a sua marca de joalharia e assim foi, apesar dos avisos, dos receios dos outros, de alguma inveja: «Toda a gente dizia: "Ai, mas tens a certeza?", "ai, mas e se acontece isto, se acontece aquilo..." E eu, que estava tão positiva, tão cheia de garra, recebi aquela nuvem de pessimismo e quase me fui abaixo.»

Mas não foi. Porque não lhe está no feitio. Em janeiro de 2011 criou a Baguera (o nome da pantera do Livro da Selva, uma homenagem à sua irmã, que adorava o Mogli e para quem sempre foi uma espécie de pantera protetora), uma marca de joalharia. Tem clutches, colares, brincos, anéis, muito originais, de acrílico. Quando o marido pôs o endereço virtual num site internacional, Branca recebeu tantas encomendas que nem sabia para que lado se virar. Desde então, nunca mais parou. Exporta a maior parte das suas peças, já foi finalista dos POPs (Projectos Originais Portugueses) de Serralves, teve um sucesso incrível no estrangeiro (exporta a maior parte das suas peças).

Continuou - e continuará - a enviar e-mails, sem medo de receber «nãos» porque sabe que um «sim» é o que basta para lhe dar alento. E é assim que deu por si a fazer joias para bandas de música - porque se atreve. Branca Cuvier aprendeu tudo sobre uma empresa, inclusive tudo o que tem que ver com regras, a que sempre foi tão avessa. A menina rebelde cresceu. E vai ser mãe de um Bartolomeu, provavelmente arquiteto ou artista (ou ambos), mesmo que ninguém lhe fale no assunto, simplesmente porque lhe há de estar no sangue, e nas células e no mais ínfimo e invisível de si.

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