Johnson recusa demitir-se apesar da pressão dos ministros. O que pode acontecer agora?
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, insistiu esta quarta-feira que vai continuar no cargo, apesar da sangria com quase quatro dezenas de demissões no seu governo, no rescaldo do último escândalo a abalar o partido, a que se somou a exoneração de Michael Gove, ministro da Promoção Social, Habitação e Comunidades e figura de proa do Partido Conservador. O cerco está a apertar-se, com cada vez mais vozes entre os tories a retirar-lhe a confiança - e ministros a pressionarem para que se demita. A dúvida é até quando poderá Johnson aguentar a situação e impedir uma rebelião total e se vai sair a bem ou ser forçado a sair.
"O trabalho de um primeiro-ministro em circunstâncias difíceis quando tem um mandato colossal é continuar e é isso que eu vou fazer", disse Johnson na sessão de perguntas e respostas no Parlamento. As demissões, que começaram na terça-feira com a saída do ministro da Saúde, Sajid Javid, e o das Finanças, Rishi Sunak, continuavam esta quarta-feira, com 12 secretários de Estado a bater com a porta, num total de pelo menos 39 demissões de cargos governamentais.
Após uma sucessão de escândalos, a gota de água foi o pinchergate - ou mais precisamente a resposta do executivo. Johnson admitiu que foi um erro nomear o deputado Chris Pincher em fevereiro para vice-responsável da disciplina de voto no grupo parlamentar, sabendo que tinha havido acusações contra ele por comportamento impróprio - inicialmente o seu gabinete disse que ele não sabia de nada, acabando mais tarde por dizer que se tinha "esquecido". Pincher demitiu-se na semana passada do cargo, acusado de apalpar dois homens (um deles deputado) num clube privado londrino.
Quais são os cenários que se colocam agora ao primeiro-ministro?
O único cenário que existe na cabeça de Johnson é o que passa por substituir os membros do governo que se demitiram - ele alegou que há "muito talento" no Partido Conservador quando o questionaram sobre se ainda haverá pessoas para os cargos - e continuar no poder. O primeiro-ministro promete cumprir o mandato que recebeu dos quase 14 milhões de eleitores, numa altura em que o líder da oposição, Keir Starmer, acusa aqueles que continuam ao seu lado de serem "paus-mandados".
Ao final do dia, um grupo de ministros foi até Downing Street para o pressionar a sair - indicando que poderiam demitir-se se não o fizesse. Uma sondagem YouGov mostra que 69% dos britânicos acham que Johnson deve sair. Mas ele insistiu em ficar, alegando, segundo os media britânicos, que a escolha é entre um verão focado no crescimento económico e uma luta pela liderança, seguida de pressão para realizar eleições que podem colocar os trabalhistas no poder e isso irá romper o Reino Unido.
Na sequência da reunião, Boris Johnson demitiu o ministro Michael Gove, um dos primeiros a criticar o facto de o primeiro-ministro permanecer no cargo, indiferente à controvérsia.
Há um mês, no seguimento do escândalo do partygate, o primeiro-ministro manteve por uma margem menor do que a esperada (211 a favor e 148 contra) a confiança do grupo parlamentar conservador e, segundo as regras atuais, estaria protegido de nova votação durante um ano. Mas quase desde então que se fala em mudar as regras.
O Comité 1922, que reúne todos os deputados conservadores que não têm cargos governamentais, decidiu não o fazer, mas agendou para segunda-feira a eleição de uma nova direção que depois poderá discutir esse tema. Em teoria, poderia haver uma nova moção de não-confiança ainda antes das férias parlamentares - que começam a 22 de julho e só terminam em setembro. São precisas cartas de 15% dos deputados a retirar a confiança em Johnson para desencadear uma nova votação, mas há quem defenda que se já houver uma maioria a querer a sua saída ele deve ser avisado e ter a oportunidade de demitir-se. O líder do comité, Graham Brady, foi esta quarta-feira a Downing Street para lhe falar da rebelião interna.
Johnson chegou ao poder em julho de 2019, depois da demissão de Theresa May e quando convocou eleições, em dezembro desse mesmo ano, os conservadores conquistaram uma maioria absoluta confortável de 80 deputados. Uma das formas de contornar a rebelião interna no partido seria convocar novas eleições, garantindo que se rodeava de candidatos leais.
"Acho que ninguém neste país quer que os políticos se dediquem agora a fazer campanha eleitoral", disse Johnson num encontro com os líderes dos presidentes das diferentes comissões parlamentares, afastando este cenário. As últimas sondagens YouGov têm colocado os trabalhistas à frente dos conservadores - 36% contra 33%, na de finais de junho - pelo que esta solução seria mesmo uma de desespero para o primeiro-ministro.
Isso poderia mudar caso o líder da oposição se demita, como prometeu fazer se for multado por ter violado as regras do confinamento. As conclusões da investigação policial são esperadas a qualquer momento, sendo que se Starmer sair, Johnson poderia aproveitar uma eventual luta interna entre os trabalhistas para convocar eleições. Starmer poderia também pedir uma moção de censura ao governo, que caso passasse daria 14 dias aos conservadores para tentar ganhar uma nova moção (eventualmente com um novo líder).