Arazão para a visita à Escócia era a luta contra a pandemia, mas o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não fugiu ao tema que, dizem os críticos, o levou de facto a cruzar a fronteira apesar do confinamento: o aumento do apoio à independência e os passos que o Partido Nacionalista Escocês (SNP, na sigla em inglês) está a dar para um novo referendo. "Não acho que a coisa certa a fazer seja falar interminavelmente sobre outro referendo", defendeu o primeiro-ministro britânico, alegando que o que as pessoas querem é lutar contra a pandemia e "recuperar com mais força unidas",.Na viagem de um dia a Glasgow, que incluiu paragens num laboratório que faz testes à covid-19 e num espaço que o exército britânico está a transformar num centro de vacinação, Johnson quis focar-se nos exemplos de cooperação. "Penso que podemos ver o contributo incrível que a Escócia, os cientistas escoceses, o povo escocês, estão a fazer para o esforço nacional e não quero acabar com isso", reiterou, lembrando que foram os próprios nacionalistas que apelidaram o referendo de 2014 como "a oportunidade de uma geração"..A chefe do governo escocês, Nicola Sturgeon, admitiu na véspera que não estava entusiasmada com a viagem de Johnson. A líder do SNP explicou que os britânicos estão a ser aconselhados a fazer apenas viagens essenciais e que não considerava esta essencial. "Temos o dever de governar dando o exemplo", defendeu na quarta-feira, com outras vozes a dizerem que foi a pressão das sondagens a favor de um novo referendo pela independência que levou Johnson a cruzar a fronteira. Mas Downing Street alegou que é o dever do primeiro-ministro estar presente no terreno..É preciso recuar a março de 2020 para encontrar uma sondagem (Panelbase para o The Sunday Times) em que o "não" à independência (47%) estava à frente do "sim" (46%). Desde então, já se realizaram outras 21, com o "sim" a conseguir uma vantagem entre um e 13 pontos percentuais. A última, outra Panelbase para o The Sunday Times, divulgada no fim de semana passado, dava 49% ao "sim" e 44% ao "não". No referendo de 13 de setembro de 2014, 55,3% dos escoceses rejeitaram a independência, frente a 44,7% que disseram "sim"..Segundo a BBC, há duas razões para que o apoio à independência esteja a crescer. A primeira razão é o próprio Boris Johnson, que foi um dos rostos da campanha pelo Brexit no referendo de junho de 2016. Os escoceses votaram contra a saída do Reino Unido da União Europeia e agora estão subordinados a ele. A segunda razão prende-se com a própria pandemia de covid-19. As questões de saúde são da competência do governo regional e apesar de este ter admitido que foram cometidos erros ao longo do último ano, as sondagens sugerem que os escoceses estão satisfeitos por Sturgeon ser aquela que está a tomar decisões, e não Johnson. Mais, os escoceses acreditam que o país teria feito um trabalho muito melhor a lidar com o novo coronavírus se fosse independente..Depois do Brexit e do fim do período de transição, o tema da independência da Escócia promete voltar a ser uma dor de cabeça para Londres. Nas eleições marcadas para 6 de maio, o Partido Nacionalista Escocês prepara-se para voltar a conquistar uma maioria absoluta no parlamento regional - atualmente tem 61 deputados, a quatro dessa maioria, mas há sondagens que já lhe dão mais dez. Em 2011, o SNP liderado então por Alex Salmond conquistou a única maioria absoluta para o SNP, com 69 deputados em Holyrood..A sondagem do último fim de semana do The Sunday Times dá aos nacionalistas escoceses 52% das intenções de voto nas 72 circunscrições eleitorais, 32 pontos à frente dos conservadores, que em agosto do ano passado elegeram um novo líder, Douglas Ross. O Partido Trabalhista da Escócia surge em terceiro (17%) e, a pouco mais de três meses das eleições, está à procura de um novo líder, após a demissão de Richard Leonard - que era alvo de contestação interna e estava em confronto com o líder nacional, Keir Starmer..Com um resultado eleitoral tão forte, Sturgeon irá alegar que tem um mandato para voltar a ter um novo referendo sobre a independência, apesar de só terem passado sete anos desde o primeiro. Uma nova consulta popular sobre o tema terá de ser aprovada pelo governo britânico, e Johnson defende que não há necessidade de voltar a ir às urnas porque os escoceses já se pronunciaram em 2014..No último fim de semana, na sua assembleia nacional, o SNP revelou o plano de 11 pontos para conseguir um segundo referendo - que na Escócia é conhecido como IndyRef2. O plano deixa três opções aos britânicos: concordar que o parlamento escocês já tem o poder para decidir sobre o referendo, aceitar acionar a cláusula que dá poder a Holyrood para passar leis normalmente reservadas a Westminster (como aconteceu antes do referendo de 2014) ou recorrer aos tribunais para disputar a legalidade do referendo, sendo que neste caso pode esperar uma "oposição vigorosa" por parte da Escócia. Em todo o caso, a ideia é ter um referendo o mais rapidamente possível, assim que a pandemia passar.