Johnny Depp e Gene Wilder - Os magos do chocolate 

Antes de Timothée Chalamet, Wonka teve dois brilhantes intérpretes no cinema: Gene Wilder e Johnny Depp. Não é uma competição, mas vale a pena olhar para trás e lembrar o caminho agridoce da personagem no ecrã.
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Num certo livro publicado em 1964, Charlie e a Fábrica de Chocolate, há uma personagem que povoa a imaginação das outras. Chamam-lhe "o mago do chocolate", o fabricante mais "surpreendente, fantástico e extraordinário que o mundo já conheceu!". Extasiados com o seu próprio relato dos feitos dele, os avós do pequeno Charlie não poupam nos adjetivos. Falam de um senhor de chapéu alto que inventara "mais de duzentos tipos de tabletes de chocolate, cada uma com um recheio diferente", e até "um gelado de chocolate que mantém a consistência durante horas e horas fora do congelador". O mito, Willy Wonka, criado por Roald Dahl, saltou da página para o grande ecrã em 1971, e desde então é a personagem que vem à mente sempre que se associa chocolate a cor e exuberância - algo muito comum, aliás, nesta época natalícia. Como se pudéssemos ouvir e ver Gene Wilder, de casaco roxo, a cantar "Come with me and you'll be/In a world of pure imagination...".

Wilder foi o primeiríssimo ator a vestir a pele do tal mago excêntrico, no filme Willy Wonka & The Chocolate Factory, de Mel Stuart, em português intitulado A Maravilhosa História de Charlie (os títulos importam, mas já lá vamos). Alguém que aí atraía cinco crianças para o seu reino em forma de fábrica, descobrindo no pobre e bondoso Charlie o menino que merecia muito mais do que as poucas tabletes que podia comprar. Uma personagem de modos estranhos, mas sem maneirismos e com um jeito natural para assustar (recorde-se a cena psicadélica do barco no rio de chocolate), que se tornou o grande papel da vida do ator norte-americano e ainda hoje a versão mais amplamente estimada... mesmo que não tenha agradado a Roald Dahl, que preferia um comediante do calibre de Peter Sellers a dar vida à sua criatura. Para que se perceba o quanto esta adaptação não lhe caiu no goto basta dizer que, durante toda a sua vida, o autor não permitiu que se fizesse outro filme a partir do mesmo livro, e só 15 anos após a sua morte, em 1990, foi aprovado o projeto seguinte, com a assinatura de Tim Burton.

Essa versão, de 2005, Charlie e a Fábrica de Chocolate, tem pelo menos um aspeto que Dahl aprovaria: a não alteração do título. Rezam as crónicas que também não gostara da liberdade tomada ao trocarem Charlie por Wonka da primeira vez (no título original). E, no entanto, como ignorar a forte presença desta personagem, desde logo no imaginário de todos, dentro e fora da história?

Na segunda abordagem, Johnny Depp assumiu a missão de dar a Willy Wonka algo de novo, em vez de ser um mero prolongamento da imagem que Gene Wilder tinha imprimido na cultura popular. E a verdade é que o seu Wonka, não sendo unânime entre a crítica, talvez esteja mais próximo do que Roald Dahl queria: uma figura com um traço sombrio mais pronunciado, um desenho de gestos mais refinado no código da estranheza, que beneficia do simples facto de fazer parte do tecido visual de um filme de Burton, em que a vibração do bizarro convive com as emoções mais puras e benévolas.

Mas há outra diferença essencial entre as narrativas dos dois filmes, que pode explicar a existência do novo Wonka, de Paul King. Se em A Maravilhosa História de Charlie Willy Wonka era somente aquilo que estava à vista, sem a sugestão concreta de um passado, a versão de Tim Burton veio acrescentar esse elemento em falta, dando a conhecer o trauma da personagem, que sofrera às mãos de um pai dentista, o grande responsável pelo seu desejo de provar o fruto proibido: chocolate. Uma vez explorada brevemente a nota familiar de Wonka, era preciso saber mais. Fazer um filme só sobre isso. E aí está Timothée Chalamet, o terceiro ator a interpretar o (futuro) mago do chocolate, numa história de origem que tem como primeiro encargo não estragar um legado de "pure imagination".

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