Jogos de poder entre a maçonaria e os governos nacionais

A presença da maçonaria nos governos portugueses vem de longe e continuou após o 25 de Abril.
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A frase "Venerável Mestre e todos vós, meus Irmãos, em vossos graus e categorias" abria o discurso de um dos futuros presidentes da República portuguesa em 1972. Quem era? A resposta é Mário Soares, mas poderia ser qualquer um dos restantes 22 governantes que após a monarquia estiveram envolvidos com a maçonaria e que durante a monarquia constitucional contou com uma dúzia de altos titulares de cargos políticos da instituição.

Este é o tema da mais recente investigação de António Ventura, num álbum intitulado Chefes de Governo Maçons - Portugal (1835--2016), que vem no prolongamento de uma constante edição de estudos sobre a maçonaria em Portugal desde o seu início até ao fim do século passado.

Apesar de evitar a contemporaneidade, António Ventura tem chegado até muito próximo da atualidade, como é o caso deste livro onde retrata a vivência e a passagem de dois governantes do pós-25 de Abril, respetivamente, Adelino da Palma Carlos e o referido Mário Soares. Este, rapidamente esqueceu a sua passagem porque não apreciava nem os rituais nem os poucos resultados práticos da atividade dos irmãos. Foi iniciado em França, durante o exílio político, mas no seu regresso a Portugal a prática ficou no grau zero. Já Palma Carlos é um caso diferente; nascido em 1905, em 1928 era iniciado na Loja Madrugada, e teve uma carreira durante décadas enquanto maçom. Ambos se cruzaram numa visita de Soares ao Grande Oriente Lusitano, onde no discurso de boas-vindas o historiador Magalhães Godinho o referiu como "irmão e chefe", situação que desagradou a Palma Carlos por criar "uma confusão lamentável entre o mundo sagrado e profano".

Se estas questões políticas são, no entanto, um dos olhares que mais surgem como cenário ao grande público no que respeita à atividade da maçonaria, logo no início, Ventura cita o venerável Magalhães Godinho: "Nunca é demais repetir que a maçonaria se deve manter inteiramente alheia aos conflitos partidários." Ora, o autor continua esse enunciado mostrando que essa "relação entre maçonaria e poderes instituídos, políticos ou religiosos, foi contraditória ao longo dos tempos" à exceção de países como a Inglaterra e os Estados Unidos. É, portanto, o caso nacional, como se pode observar nas eleições de novembro de 1822, quando entre 117 deputados 31 são maçons, ou a partir da República a presença destes é muito frequente nos governos e na Presidência da República: Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida. E muitos outros nomes conhecidos vão surgindo nesta mistura de funções, como Brito Camacho e Egas Moniz. Uma realidade que se verificou também durante o Estado Novo e que, estranhamente, regressou logo com a Revolução de Abril, quando o general Spínola nomeia Palma Carlos para primeiro-ministro. Diz, Raul Rego, que assim foi por pressão da maçonaria, mesmo que a instituição tivesse sido quebrada na sua estrutura durante a governação de Salazar.

É pena que como entendido nesta temática o investigador não permita ao leitor chegar até muito mais perto dos dias que correm, pois a maçonaria tem estado bastante ativa nos jogos de poder mais recentes para espanto de quem achava que era um "esoterismo" incompatível com a democracia. Esperemos que se sinta tentado a explicar esses meandros numa próxima publicação, pois a proximidade temporal permite compreender melhor a história.

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