Desde a chegada quase simultânea das selecções de Portugal e Turquia ao aeroporto de Genebra que há um pormenor a confundir-me. Então se, no jogo, são esperados mais turcos que portugueses, por que é que a selecção de Fatih Terim chegou quase anónima e a de Scolari fez parar o trânsito em Neuchâtel? A resposta tem a ver com o nacionalismo, que parece crescer nos portugueses da diáspora e diminuir entre os turcos à medida que estes se afastam da fonte da alienação. Vão ao jogo, tudo bem, se ganharem podem fazer a festa a seguir, mas não se espere deles que, só porque a selecção vai chegar ao aeroporto, desperdicem um domingo à espera de a ver passar de autocarro..O futebol, contudo, é uma das coisas que mais apaixonadamente se vive na Turquia. Acaz Felleger, assessor de Luiz Felipe Scolari, contava-me há tempos uma história: estava em Istambul, por também prestar serviços a Alex, médio brasileiro do Fenerbahçe, quando abriu um McDonald's no bairro onde está implantado o Besiktas. Sucede que as cores do McDonald's - vermelho e amarelo - são também as do rival Galatasaray. E a rivalidade é tão doentia que os protestos não pararam e os ataques dos adeptos radicais podiam transformar o restaurante num caso sério de prejuízos. Solução? A multinacional mudou as cores daquela sucursal para o preto e branco do Besiktas. É este sentimento de entrega total e apaixonada que sempre caracterizou as selecções turcas e que está na base da polémica entre Terim e o Prémio Nobel da Literatura, Orham Pamuk. ."Vou apoiar a Turquia, embora me incomode que o seleccionador seja um nacionalista radical", disse Pamuk, que voltou a viver em Istambul mas passa grande parte do tempo no estrangeiro, a dar aulas ou conferências. Importante na denúncia do genocídio arménio e nas questões relacionadas com a liberdade de expressão, Pamuk, como a generalidade dos emigrantes turcos na Suíça, não perceberam que num Europeu de futebol há quem jogue pela bandeira e quem jogue pela carreira. E que ambas as motivações são legítimas. Pepe pode festejar a conquista do título espanhol pelo Real Madrid com a bandeira portuguesa em volta do torso, mas tudo cheira a manobra de marketing: a generalidade dos jogadores portugueses vai jogar o Europeu pela carreira. Os turcos, menos dotados, só se salvam se jogarem pela bandeira, se entrarem em campo empurrados por Mustafa Kemal, o pai dos turcos (Atatürk)..Terim compreendeu-o e, talvez por isso, não chamou jogadores como Bastürk, o colega de Meira no Estugarda que nasceu em Bochum, na Alemanha, e nunca representou um clube turco. Para isso já lhe bastava Hamit Altintop, nascido em Gelsenkirschen, igualmente na Alemanha, e sem o banho cultural de Aurélio, um carioca naturalizado que nem turco fala como deve ser, mas que já leva sete campeonatos turcos na carreira e sabe como pensa e se move a equipa. E, preparem-se os jogadores portugueses, ela pensa e move-se depressa, em turbilhão permanente: pressiona com avidez, chateia logo à saída de bola, dificultando a organização ou até a capacidade de pensar ao adversário. Jogar pela carreira, hoje, significa gerir os tempos de jogo, pausar, parar para pensar. Ao fim e ao cabo, escutar Pamuk e fazer o que fizeram os emigrantes turcos no último domingo: manter a frieza.