O algarvio, campeão do mundo de pesca submarina: mariscador no ativo e cozinheiro no desemprego
Portugal teve 16 campeões do Mundo em 2018, mas só um deles, Fernando Pimenta, na canoagem, tem mediatismo e reconhecimento público à dimensão do título conquistado. Os outros 15 são ilustres desconhecidos que praticam modalidades individuais com pouca ou nenhuma visibilidade. A maior parte suporta as despesas de participação do próprio bolso. O DN falou com três destes campeões do Mundo que vivem no anonimato. Depois de Ana Pereira (tiro) e Ricardo Pinto (patinagem), conheça melhor Jody Lot, campeão do Mundo de pesca submarina em 2018.
A expressão "como um peixe na água" faz todo o sentido para Jody Lot, o campeão do mundo de Pesca Submarina no ano passado. O nome é enganador. Filho de indonésio e mãe holandesa, o atleta nasceu em Lagos, por isso diz com orgulho: "Eu não me sinto português, eu sou português!"
Jody entrou "nisto da pesca" à força. Ele que até tinha medo do mar. Um dia o pai levou-o a pescar, mas ele não estava para aí virado. Tinha sete anos e teve de levar uma "galheta" para meter a cabeça debaixo de água: "Mas assim que coloquei a cabeça dentro de água descobri outro mundo." E que mundo foi esse? "O mundo subaquático é fascinante e muito diferente do que se pensa cá fora, a paz e o silêncio que se sente debaixo de água é qualquer coisa, abstraio-me de tudo o que se passa lá fora, é terapêutico", respondeu com o entusiasmo de um miúdo agora com 37 anos.
Gostava tanto que passava horas no mar. Aos 12 anos, recebeu o primeiro fato térmico e a primeira arma (sim a pesca submarina é na verdade caça com arma) e quando deu por ela já estava a competir. Em 2004 participou no primeiro campeonato nacional em Vila Nova de Milfontes e, quatro anos mais tarde, surgiu a primeira internacionalização no mundial da Venezuela: "Foi um desafio imenso, mas fui crescendo e cheguei ao título mundial." Foi campeão da Europa em 2011 e mundial em 2012 e 2018.
Algarvio de gema vive numa aldeia piscatória em Alvor. "Os pescadores sabem quem sou, tenho muita empatia com eles, eles querem saber o que vejo debaixo de água e como apanho os peixes, há sempre muitas perguntas (risos)", contou ao DN. Além de competir Jody é agora um cozinheiro no desemprego e um mariscador. Grande parte dos dias é passado dentro de água, principalmente na zona de Sagres, à caça de marisco. bruxinhas, mexilhão, lingueirão, navalheiras e percebes...
A pesca submarina é pesca por apneia: "É das mais seletivas que existem, cada campeonato define as espécies que podemos apanhar e cada peça tem de ter um peso mínimo para ser válida. Posso apanhar 12 pargos, mas se algum tiver menos peso do que o mínimo exigido somos penalizados. Se conseguirmos os 12 pargos acima das 1500 gramas, por exemplo, ganha-se uma bonificação. Há várias espécies e com pontuação diferente." Foi campeão do mundo com 57 peças válidas (32 no primeiro dia e 25 no segundo). Mas não se pense que é fácil. "Os peixes fogem muito. Pode vir um cardume e se conseguir apanhar um já é bom."
Jody pode não ser profissional da pesca, mas treina como se fosse: "Além de pescar, faço os treinos físicos complementares, corrida, natação e surf. A pesca é um desporto e um vício ao mesmo tempo, por isso é o complemento ideal. Faço o que gosto e treino ao mesmo tempo." Além disso a atividade carece de estudo e precisão. "É preciso estudar a fundo o local, as marés, as correntes, o comportamento dos cardumes e de todas as normas do peixe (peso regulamentar, quotas, etc.). Saímos de barco para, com a ajuda de sondas e sonares, encontrar cardumes e baixios e marcamos os lugares com mais potencial no GPS. Há sempre que contar com dias de mar mau e com o dia anterior à prova, em que não podemos entrar na água. É um processo moroso, dispendioso e cansativo, mas fundamental..."
O título mundial "simplesmente" deu-lhe "mais reconhecimento e visibilidade". Na comunidade da pesca submarina "toda a gente" sabe quem ele é, mais até a nível europeu do que em Portugal. "O retorno é pouco. Somos campeões do Mundo e recebemos uma medalha pintada a ouro, nem de ouro é. Se há prémios eu não recebi nenhum", revelou o atleta, que se valeu e vale dos títulos mundiais para pedir apoios e patrocínios às entidades locais, restaurantes e empresas do Algarve. "Por vezes apoiam com mil e tal euros, já é bom..."
Jody gostava de ser mais apoiado. O equipamento saiu do seu bolso. Fato de mergulho, barbatanas de carbono, óculos e várias armas (é como no golfe, há mais do que um taco), cerca de dois mil euros. Depois de ser campeão do Mundo passou a ter uma marca a patrociná-lo, mas não chega: "Para ir ao Mundial temos de ser selecionados e uma inscrição para poder ir custa três mil euros. Por vezes a federação consegue esta verba mas nós temos de pagar as viagens, o hotel e toda a logística de treino, aluguer de barco, um Europeu ou Mundial obriga a fazer prospeção antes, fazer reconhecimento do local, se tem muita areia, declives, etc. Fazemos isto por paixão, mas representamos o país e custa saber que as federações recebem dinheiro do estado e do IPDJ e os atletas não recebem nada e precisamos de por dinheiro do nosso bolso para ir aos campeonatos."