Joaquim Pessoa. O poeta do amor que não resistiu aos olhos doce de Amélia

Poeta, artista plástico, publicitário e estudioso de arte pré-histórica, Joaquim Pessoa morreu ontem aos 75 anos, vítima de doença prolongada.
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Questionado pelo DN se Amélia dos Olhos Doces existiu, numa entrevista em 2018 Carlos Mendes contava: "Não como a mulher da minha vida, mas existiu como figura. A história é muito simples. Amélia é um nome que o próprio poeta, Joaquim Pessoa, criou." E de recordar: "Quando morava na Avenida do Brasil e ele vinha da minha casa para o Lavradio, Barreiro, passou ali em frente ao Liceu Camões e estava uma prostituta sentada num dos bancos do jardim. E quando eles passaram, ela olhou para o carro e os olhos eram doces de uma mulher que sofre. Uma mulher sofrida e com um olhar muito doce. O Joaquim Pessoa vinha com outro poeta que morava aqui, o Manuel Branco e disse: "agarra aí num papel e escreve isto: Amélia dos Olhos Doces". E foi até ao Barreiro com o outro a escrever e ele a dizer o poema. Mostrou-me a letra no dia seguinte e eu, de repente, peguei na viola e fiz a música. Ele deu-me um grande abraço: "Temos um sucesso". Mas Mendes estava tudo menos convencido: "eu disse: "Vou rever a música toda, porque não presta para nada". Quase que andámos à pancada por causa da Amélia. Acabei por deixar assim. Eu gostava tanto da música ou tão pouco que estava no lado B, era a última música. Achava aquilo um horror. Em casa própria não sabemos fazer crítica. É uma música que não posso deixar de cantar."

Joaquim Pessoa, o poeta que criou a Amélia dos Olhos Doces, morreu ontem aos 75 anos, vítima de doença prolongada. "A Editora Edições Esgotadas informa, com imenso pesar, que o poeta Joaquim Pessoa partiu esta manhã. Joaquim Pessoa encontrava-se doente há vários meses, tendo agravado o seu estado de saúde nas últimas horas", anunciou, em comunicado, a editora que publica a obra do autor.

A sua morte foi confirmada à Lusa pelo escritor José Jorge Letria, que adiantou que Joaquim Pessoa estava internado e que lutava há muito tempo contra uma doença grave.

Muito próximo de Joaquim Pessoa, Letria destacou a sua extensa obra poética, lembrando a sua colaboração com Carlos Mendes - e a inevitável Amélia dos Olhos Doces - mas também Lisboa, Menina e Moça, criada em parceria com José Carlos Ary dos Santos e Fernando Tordo e imortalizada pela voz de Carlos do Carmo.

Nascido no Barreiro a 22 de fevereiro de 1948, Joaquim Maria Pessoa destacou-se profissionalmente como poeta, artista plástico, publicitário e como estudioso de arte pré-histórica. Formado em Marketing e Publicidade, foi diretor criativo e diretor-geral de várias agências de publicidade e autor ou co-autor de programas de televisão, como 1000 Imagens, Rua Sésamo ou 45 Anos de Publicidade em Portugal.

Sinal da sua importância para a poesia nacional, foi criado na Moita um prémio de poesia anual com o seu nome. Nome que foi também atribuído a ruas na Baixa da Banheira e no Poceirão.

Diretor da Sociedade Portuguesa de Autores entre 1988 e 1994, foi também diretor literário da Litexa Editora, diretor do jornal Poetas & Trovadores, colaborador das revistas Sílex e Vértice e do jornal a Bola.

Juntamente com Ary dos Santos, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Paulo de Carvalho e Luiz Villas-Boas, entre outros, fundou a cooperativa artística Toma Lá Disco.

Descrito por David Mourão Ferreira como "o poeta progressista de hoje mais naturalmente capaz de comunicar com um vasto público" e por Fernando Dacosta como "herdeiro de linhas riquíssimas da cultura portuguesa, se afirmou pela luminosidade da sua escrita, pelo domínio da sua pintura, pela subtileza da sua inquietação, um autor irrecusável no panorama cultural português", numa sua crónica no Jornal de Mafra, Jorge C. Ferreira homenageou o "poeta dos amores".

Com LUSA

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