João Salaviza abre 'Hotel Müller' no São Luiz
A última vez que Pina Bausch dançou foi no Teatro São Luiz, em 2008, interpretando a sua peça autobiográfica Café Müller , inspirada em recordações de infância do café que os pais tinham em Solingen, perto de Düsseldorf (Fellini chamou-lhe "O 8 e 1/2 de Pina"). Quando o realizador português João Salaviza foi convidado por Jorge Salavisa, o ex-director daquela sala lisboeta, para realizar uma curta-metragem inspirada naquele trabalho da coreógrafa e bailarina alemã, para ser exibida no evento 'Pina Bausch: Um Ano Depois', ficou "surpreendido", como contou ao DN. "Até por eu não ser do meio da dança. Mas interpretei o convite como um pressuposto para pegar no trabalho dela e pensá-lo na sua abrangência, dado a Pina ser o que se poderia chamar uma artista global. Não foi a primeira, mas permitiu que o seu trabalho fosse contaminado por uma série de coisas que não apenas a dança e muito menos o ballet clássico".
O filme chama-se Hotel Müller e estreia-se hoje no São Luiz, às 21.30 (apresentação às 21.00, sessões às 22.00, 22.30 e 23.00), com exibição às 22.45 na RTP2 (uma das entidades envolvidas na encomenda, juntamente com o São Luiz, a Gulbenkian, o CCB e o Goethe Institut). Nele, um jovem casal chega de moto a um hotel decadente, o Hotel Müller do título, gerido por um homem e uma bailarina muda de cabelo ruivo.
"Eu não quis que o filme fosse uma coisa reverente, lamechas, nostálgica ou biográfica, como costuma acontecer nestas situações em que alguém morre ou é evocado", explica Salaviza. "Até deixei bem claro que não sabia fazer um filme desses, nem me interessava. E a minha afinidade com o trabalho da Pina Bausch não é tão pessoal como se fossem a Olga Roriz ou o Jorge Salavisa a debruçarem--se sobre ele."
Assim, Hotel Müller "assume a sua autonomia", realça o cineasta. "Tentei que ele vivesse por si, e das poucas reacções que tive de pessoas que já o viram e conhecem o trabalho da Pina Bausch, pude encontrar elos e algum diálogo entre filme e espectáculo. Embora ele não dependa de Café Müller para ser entendido, interpretado ou pensado, porque a matéria de Hotel Müller é matéria quotidiana".
Salaviza achou interessante "pegar em Café Müller como ponto de partida, porque tem a carga simbólica do facto da última vez que ela dançou ter sido em Lisboa, além de uma série de elementos recorrentes na obra dela. A figura da bailarina ruiva é a única que 'migrou' da peça para o filme, é como que um duplo, uma sombra, um espelho da original. O grande desafio quando comecei a escrever o guião, foi encontrar uma zona híbrida onde cruzasse os dois mundos que são representados pelos casais, um menos realista, que está directamente ligado ao hotel e ao café, e um mais realista, que anda na rua, usa calças de ganga, anda de moto e entra num hotel que parou no tempo. Este foi o grande desafio e o grande risco de Hotel Müller: o momento em que se cruzam personagens que são de universos e registos diferentes".
João Salaviza acha que seria muito bom se aparecessem mais projectos com este formato: "É um bom modelo de produção, várias entidades cruzam-se , cada uma dá o seu contributo e é tudo mais simples e mais rápido". O realizador gostava também que Hotel Müller tivesse difusão nas salas, porque "os filmes são feitos para irem para os cinemas e serem vistos, seja por mil pessoas, seja por 100 mil".