João Paulo Rodrigues: "Tenho saudades do tempo em que era só o Quim Roscas"

Músico frustrado, quer aprender a tocar piano mas ainda não acabou o curso de Direito. Em 2013, aceitou vestir a camisola da SIC pelo desafio de apresentar um programa diário. Mas quer mais, porque ainda tem muita coisa para fazer, como o projeto musical a solo. Eis uma viagem pelo universo do apresentador de Queridas Manhãs.
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Ainda tem medo de que lhe peçam para fazer contas?

Medo não tenho, mas já assumo que sou um zero à esquerda a matemática. A nossa relação sempre foi fraquinha e a culpa é da minha mãe, porque nas férias de verão punha-me a fazer contas de dividir. Ganhei uma aversão à matemática...

Portanto, nem vale a pena pedir-lhe para fazer uma conta.

Não, não vale a pena. Esqueça [risos].

Esta aversão nunca lhe deu problemas a nível de discussão de salários?

Não negoceio salários. Quem negoceia é a minha agência. Qualquer pessoa que trabalhe para os outros, que trabalhe em televisão, música, que pinte, seja o que for, é muito o lado direito do cérebro. Enquanto uma pessoa do lado esquerdo é muito sistemática, eu sempre fui muito do lado direito. Sempre fui muito distraído, muito cabeça no ar. Um artista existe para criar, para fazer os outros sonhar, para rir, seja o que for. É sempre preciso ter alguém que trate da parte mais burocrática e complexa da nossa vida.

Tirando matemática, foi bom aluno?

Sempre fui razoável. Melhorei na faculdade. Podia ter sido melhor aluno do que fui, mas preferia brincadeira, andar no meu mundo da lua. Sempre fui muito aéreo. E tenho várias fases na vida académica. A primeira foi mais numa de "curtir". Quando voltei, anos depois, já tinha outra maturidade.

Porque escolheu Direito?

Sempre foi o curso que quis fazer. Nunca quis ser bombeiro nem astronauta. Sempre quis ser advogado ou juiz.

Ainda quer?

Não digo que vá ser advogado ou juiz, mas jurista hei de ser. Hei de acabar o curso. Faltam-me para aí dez cadeiras, o último ano. Já sou finalista há muito tempo [risos]. Gostei muito do meu ano de finalista, mas foi o ano em que todas estas coisas mais recentes começaram a acontecer e tive de tomar uma decisão. Se seguia por ali ou se acabava o curso. Como não sou advogado, nem juiz, nem jurista e a minha profissão é ser comediante, ator e agora apresentador... tive de fazer a minha escolha e essa escolha foi continuar o meu trabalho, ir evoluindo e fazendo outras coisas.

Alguém o levaria a sério como advogado?

Pois... Percebo porque me faz essa pergunta. Se calhar, entraria no meu escritório e pensaria: "Este rapaz, vejo-o a dizer piadas e agora está aqui." As pessoas criam muitos preconceitos em relação aos outros e às vezes podem enganar--se. Considero-me um aluno razoável na faculdade, tenho média de 14, aquilo que sei, sei mesmo. Por isso, não é por ser humorista ou cantor que vou ser melhor ou pior técnico de justiça. Mas vejo-me a exercer. Porque não? Já vi mais, mas essa forma de olhar para mim com desconfiança enquanto advogado aconteceu mais quando só fazia comédia e em que só dizia asneiradas, eu próprio sentia isso em relação a mim. Mas agora já conseguiram ver que tenho uma parte mais séria, mais profunda, não tão brincalhona. Consigo fazer outras coisas...

Muito por culpa de Queridas Manhãs...

Sim. Este programa veio mostrar-me às pessoas de uma forma completamente diferente. Mas atenção, brincar e fazer palhaçadas é a minha maneira de estar na vida. Sou naturalmente bem-disposto. E é assim que estou no programa e seria assim que estaria na vida se fosse advogado ou outra coisa qualquer. As pessoas não têm de deixar de ser como são só porque se tornam doutores ou advogados. Mas tenho um lado mais sério, mais sossegado, mais profundo em que é possível ter conversas sérias. As pessoas não estão habituadas a ver o João Paulo no seu lado sério e acham estranho, mas também gostam.

Os seus professores brincavam consigo por ser conhecido?

Sim. Há um episódio muito engraçado de um exame que estava a fazer, de Direito Comercial, em que o primeiro grupo de perguntas se referia à "junta de freguesia de Curral de Moinas". E eu nos primeiros dez minutos do exame fico bastante nervoso e nem olho para o enunciado. Os meus colegas começaram logo a chamar--me à atenção e a rir-se. Mas os meus professores sempre levaram isso na boa.

Nunca o beneficiaram por isso?

Não deram mais abébias nem foram mais exigentes. Pode acontecer que um ou outro colega pense que por eu ser conhecido o professor me dá mais abébias. Mas é precisamente o contrário. Por ser conhecido o meu esforço foi redobrado. Tive de me esforçar um pouco mais. Queria mesmo que as pessoas dissessem: "Não, este rapaz estudou e sabe." E sou daquelas pessoas que só iam fazer exame quando tinham a certeza de que sabiam e de que iam tirar boa nota. Gosto de fazer as coisas por aquilo que sou e gosto de que as pessoas sejam capazes de olhar para mim e consigam ver que tenho o meu valor e que consigo fazer as coisas por mim. Só por isso.

Nunca nenhum dos seus professores disse ser seu fã?

Várias vezes. Ficava sempre muito envergonhado. Sou muito discreto e tímido. Não gosto de dar nas vistas. Tive uma professora que, numa das primeiras aulas, me disse que estava habituada a ver-me de bigode e de cuecas. Fiquei logo muito vermelho.

Viveu a vida de estudante ao máximo?

Vivi aquilo que tinha de viver. Fiz e faço parte da tuna, fiz também parte do grupo de fados da minha faculdade.

De onde vem o seu nome de praxe cabo?

Entrei para a faculdade mais ou menos um ano depois de ter acabado a tropa e na altura, no dia de receção ao caloiro, perguntaram quem queria ser praxado e disseram que havia algumas exceções, como a pessoas casadas, com filhos ou que tivessem ido à tropa. No meio de 200 e tal pessoas, levantei o dedo, disse que tinha ido mas que queria ser praxado. E passaram a chamar-me "o nosso cabo". E todas as manhãs o dux lá me chamava para perto dele.

Que opinião tem das praxes?

Tenho uma boa opinião, porque a praxe que me foi dada e a praxe que dei na minha faculdade tinha como único objetivo a integração. Posso dizer que mantenho contacto com uma grande parte das pessoas que entraram comigo, porque foi uma forma de quebrar o gelo. Para mim, praxe não é fazer figuras ridículas ou rastejar no chão. É o esforço que existe de ter toda a gente junta durante o tempo convencional da praxe. Criamos um espírito de união, passamos ali muito tempo com outras pessoas e fazemos jogos, divertimo-nos. A praxe, quando é feita com o intuito de integrar as pessoas e de as receber, não faz mal nenhum mesmo.

"Neste primeiro ano na sic pratiquei muito a arte do silêncio"

Há um ano disse que a cadeira de apresentador era o seu foco. Um ano depois, passou com distinção ou tem de ir a recurso?

Passei o primeiro ano, não reprovei. O balanço é positivo, as coisas correram muito bem. Ultrapassei fantasmas, destruí alguns medos que tinha.

Tais como?

Sou uma pessoa muito nervosa, tímida. A diferença do João Paulo de agora para o de há um ano é enorme. Vejo emissões de Não Há Bela sem João e não tem nada que ver. Gritava muito mais, passava o tempo aos saltos, a recorrer à piada porque estava nervoso e não sabia onde me havia de me meter. Este primeiro ano serviu para perceber que consigo estar completamente descontraído, dominar os temas de que ali se fala. Consigo gerir a confusão que é estar à frente de um programa. Essa foi uma das minhas cadeiras este ano. A outra foi conseguir ser um bocadinho mais profundo, falar um bocadinho mais a sério. O público não estava habituado a ver-me falar a sério, e eu também não.

E a culpa desta nota positiva é da professora ou do aluno?

É de toda a gente que faz o Queridas Manhãs. Em primeiro lugar, da Júlia Pinheiro. Fui muito bem recebido por ela. Se for um aluno atento a tudo o que ela faz, dá para tirar muitas lições. E além disso é importante o silêncio. Este ano pratiquei muito a arte do silêncio. Às vezes falo pouco, dizem-me. Mas não posso chegar ali e querer ser apresentador do dia para a noite. Se sou entertainer, comediante, tenho de fazer a transição devagarinho. Às vezes estar em silêncio é o melhor que se pode fazer. Estou a ver aquela senhora que faz aquilo há 30 anos a fazê-lo tão bem. Às vezes fico, como ela diz, ognobilado a olhar para ela. Mas a Júlia diz para não ficar o tempo todo calado, para ir metendo o bedelho. Só por aí já se aprendia muito. E ela é uma pessoa muito generosa. Diz-me sempre onde falho, o que devo mudar. E, muitas vezes, após o programa ainda vamos os dois treinar certas coisas, como o teleponto, por exemplo. E há também toda uma equipa que me ensina diariamente, que faz que me sinta melhor todos os dias.

Qual o maior desafio que enfrentou ao longo deste primeiro ano à frente das manhãs?

Talvez quando a Júlia se sentiu mal e fiquei sozinho, de repente. Não estava a contar com isso. Nunca aconteceu dizerem-me que no dia a seguir ia fazer o programa sozinho, mas quando isso acontecer tenho uma noite para me preparar. Nem que não durma, mas vou saber tudo de uma ponta à outra, porque vou pensar que não tenho a Júlia ao meu lado e terei de antecipar tudo o que possa acontecer.

Sente-se preparado para apresentar o programa sozinho?

Sim, apesar de achar que nunca estamos verdadeiramente preparados, mas estou mais bem preparado hoje do que há seis meses. E daqui a seis meses estarei ainda mais. Mas voltando a essa situação da Júlia, foi algo que nunca esquecerei. Ela saiu do ar, fiquei sozinho e ela fez uma coisa muito especial. Pensei que se tinha ido embora, mas esperou até ao intervalo para ver se eu conseguia ficar sozinho. E disse-me: "Estás perfeitamente à vontade, estás bem, sinto que me posso ir embora." Aquele voto de confiança dela foi qualquer coisa...

Sente pressão pela aposta que fizeram em si?

Obviamente que se sente sempre uma pressão. A Júlia espera muitas coisas de mim, que esteja empenhado, que aprenda, que tenha disponibilidade para aprender. Mas fui deixando de sentir essa pressão ao longo do tempo. Faço aquilo porque gosto e me divirto, e agora já só me divirto.

Já se considera um apresentador?

Considero-me apresentador porque sou um apresentador. É o que faço todos os dias e gosto muito de o fazer. Tenho muito ainda que evoluir, muito a melhorar. A parte das entrevistas, por exemplo, porque tenho tendência a fazer uma pergunta e a dar a resposta.

O day time desafia-o?

Muito. Trabalhar neste horário é a verdadeira escola para um apresentador. Acontece um bocadinho de tudo o que acontece em televisão. É como um laboratório de televisão, em que se experimenta tudo. Para mim, estar ali é como estar na escola.

Imagina-se a fazer isto por muito tempo?

Enquanto me quiserem cá, faço. Se daqui a 20 anos tivermos esta conversa e estiver aqui, vou estar muito feliz.

Sabe bem "morder" o Você na TV?

Quer que seja sincero ou que dê a resposta politicamente correta?

Seja sincero.

Claro que sabe bem. Trabalhamos em televisão para quê? Porque queremos que aquilo que fazemos seja o que as pessoas querem ver. Estaria a ser muito hipócrita se dissesse que não me interessam as audiências.

É pessoa de ir consultar as as audiências quando estas ficam disponíveis?

Claro. É assim que percebemos onde estamos a falhar. Um apresentador que não queira saber das audiências, que diga que não quer saber e que não se importa, não está a ser completamente verdadeiro. Pegamos num gráfico de audiências e conseguimos ver onde falhamos, perceber que aquele conteúdo naquela parte do programa não fica muito bem.

Desde a chegada de Agora Nós à RTP1, este campeonato ficou mais renhido. Queridas Manhãs fica mais vezes em terceiro...

Isso estimula-nos. Estimula quem faz televisão fazer melhor e quem sai a ganhar são as pessoas em casa.

Mas o vosso campeonato não é outro?

[pausa] Estamos a trabalhar para melhorar e se Deus quiser havemos de chegar ao primeiro, porque não? O que a perfeição tem de melhor é que é inatingível. Nunca estamos na perfeição, mas é o trabalho que fazemos para lá chegar que ajuda verdadeiramente a crescer, a querer mais e melhor. Mas atenção, estamos no segundo lugar.

Mas cada vez mais próximos de Agora Nós.

Se alguém está a aproximar-se de nós, temos de ser melhores, perceber onde estamos a falhar. É um laboratório. O que é que temos de fazer para melhorar. Só pode ser bom para nós e para quem está em casa.

O público já o vê como um rosto da SIC?

Hoje já. Não acho que me vejam ainda como rosto da TVI, porque sou da SIC há um ano. Ainda por cima faço um programa diário, não é um programa que faça uma vez por semana como acontecia na TVI. No início estranharam um bocado, mas depois conseguiram perceber que o desafio e o crescimento passava por aceitar este projeto.

O que o fez ir para a SIC?

Foi unicamente o projeto. O desafio de fazer algo completamente diferente. A diferença entre fazer um programa semanal de que gostava muito, e em que me divertia imenso, e uma oportunidade de crescer, fazer uma coisa diferente, mais séria, em que teria de me preparar muito mais.

Na TVI não havia espaço para crescer?

Haveria espaço para crescer na TVI, mas num futuro próximo nunca faria um programa em day time. E pensar que um apresentador que faça day time está preparado para fazer tudo o resto, e um programa neste horário é a forma ideal para crescer enquanto comunicador, não é só enquanto apresentador. Há pouco perguntou-me se me considero um apresentador. Quero é ser um comunicador, alguém que passa uma mensagem, que inspira os outros, que faz que o dia de quem está em casa a ver seja melhor.

A TVI não fez uma contraproposta?

Eu ouvi a TVI. Disseram-me que de momento não havia outra hipótese, iria continuar a fazer o Não Há Bela sem João.

Cristina Ferreira tentou segurá-lo?

Tentou. E foi difícil dizer que não à TVI porque fui muito bem recebido e bem tratado naquela casa. Saí de lá e deixei bons amigos, mas também posso garantir que saí a bem. O que se escreveu na altura, que fui traidor, em nada se aproximou da verdade. Deixei bons amigos, qualquer uma das pessoas com que trabalhei, desde os diretores aos meus colegas apresentadores, todos são pessoas com quem ainda hoje falo.

Na altura em que saiu da TVI deixou um programa líder de audiências, Não Há Bela sem João, e uma apresentadora, Marisa Cruz, sozinhos. Um ano depois, esse horário já não é indiscutivelmente ganho pela TVI e a apresentadora está neste momento sem um programa fixo. Sente que pode ter sido o causador de tudo isto?

A minha saída provocou o final do programa, pelo menos naqueles moldes.

E a perda de liderança que a TVI tinha naquele horário...

Com certeza que houve uma opção de quem tem de decidir de mudar de programa ou de formato. Isso não são contas do meu rosário, mas posso dizer que continuo a ser amigo da Marisa, ainda no outro dia falámos ao telefone. Se me sinto responsável por ela não ter um projeto? Segundo sei, ela continua a fazer o programa aos domingos.

Mas antes fazia aos sábados também.

Pois, mas se o programa acabou. Não sei o que hei de dizer, porque não tenho nada para dizer em relação a isso. Não é uma opção minha. O programa não terminou porque eu decidi. E a Marisa continua a apresentar um programa e é uma pessoa muito feliz e continuamos a ser amigos. Aquilo que se dizia de que nós não falamos, de que ela ficou zangada comigo não tem nada de verdade. Obviamente que não falamos todos os dias e não estamos juntos com tanta frequência. Mas serei sempre amigo dela, gosto muito dela e tenho a certeza de que ela gosta muito de mim também.

Às vezes os apresentadores, quando mudam de camisola, são sacrificados pelo seu público. O João Paulo também foi?

[pausa] Não vou mentir. Houve muitas pessoas que me perguntaram porque deixei a TVI, que gostavam mais de me ver lá. A minha resposta foi: "Se gostavam de me ver lá, podem continuar a ver-me todos os dias mas na SIC." O João Paulo é a mesma pessoa, está sempre ali, o programa é que mudou um pouco. As pessoas foram entendendo isso. Quem gosta, gosta em qualquer lado. Não gosta de nós porque somos do Benfica, do Braga ou do Porto. Gosta de nós pelo que somos. E graças a Deus sou uma pessoa de quem as pessoas gostam.

"Sou muito pouco deslumbrável"

Hoje, ao olhar para A Tua Cara não Me É Estranha o que sente?

Muita felicidade. Aliás, sinto mesmo muita alegria. Alguma saudade, porque me diverti muito a fazer aquilo. As pessoas que fizeram aquele programa foram a minha família durante dois anos e meio, a família da Endemol.

Nessa altura o sucesso imediato que alcançou assustou-o?

Assustar não me assustou, porque desde há 16 anos que tudo tem acontecido na altura certa. Comecei a fazer comédia em bares, teatros. Depois rádio, e comecei a ficar um pouco mais conhecido, a trabalhar mais, a fazer espetáculos, depois da rádio para a televisão. Foi tudo evoluindo e crescendo paulatinamente.

Mas a verdade é que A Tua Cara não Me É Estranha foi um boom na sua vida. Deixou de ser o Quim Roscas e passou ser o João Paulo.

Foi isso. Fiquei um bocado surpreendido. Mas assustado não fiquei.

E não teve receio de se deslumbrar?

Não, não faz parte da minha natureza. Sou um moço muito terra-a-terra. Mesmo. Não é porque hoje faço isso que agora vou dizer que sou o maior. Preocupo-me sempre. Tenho mulher, tenho uma filha e quero ter mais filhos. Os passos que dou têm de ser bem pensados. Não me vou deslumbrar porque quem se deslumbra normalmente cai.

E o João Paulo não quer cair.

Não. Gosto de ter os pés bem assentes na terra e de saber o que vou fazer. Não gosto de me deslumbrar. Aliás, sou uma pessoa muito pouco deslumbrável. Por muito boa que seja a proposta que me façam, por muito bom que seja o momento que estou a viver, penso sempre no meu futuro. Gosto de estar seguro do que vou fazer, de ter a certeza de que não me vou espalhar ao comprido. Por isso faço as coisas devagar.

Tem saudades do tempo em que era só o Quim Roscas?

Tenho. Não eram dias tão complicados. Não tinha de me preocupar com tanta coisa, não estava tanto na mira das críticas. Fazia a minha vida, os meus espetáculos, divertia-me. Corria o mundo inteiro. Agora não posso ir para fora de Portugal. O máximo para onde posso ir é para o resto da Europa. Convites para a Austrália, para o Canadá, para os EUA, para o Brasil, para a Venezuela já tivemos de recusar porque não posso sair daqui, apresento um programa de segunda a sexta-feira. Nessa altura, era uma vida muito mais simples, do "bora lá curtir", fazer o que gostamos. Eu e o Pedro tivemos a sorte de ter sido abençoados. As coisas foram acontecendo e o universo foi-nos dando oportunidades.

Não imagina a sua vida profissional sem o Pedro Alves?

De maneira nenhuma. Imagino-me a fazer algo em televisão, música, teatro sem ele, mas não me imagino a fazer tudo sem ele.

Um projeto como o Telerural voltaria a ter sucesso na televisão portuguesa?

Sim, porque o Telerural nunca deixou de ter sucesso nas quatro séries em que esteve no ar. E esteve sempre em alta, por isso é que deixou tanta saudade e ainda hoje falam dele.

Por isso é que também fizeram um filme inspirado no universo Curral de Moinas, 7 Pecados Rurais, em 2013.

Exatamente. E vamos fazer outro. Este universo é muito acarinhado pelas pessoas.

Na altura de a Tua Cara não Me É Estranha falou de um projeto que estava a desenvolver para a RTP, novamente com o Pedro Alves, ao estilo Telerural. Porque não avançou?

Não sei. Depois de A Tua Cara não Me É Estranha não recebi logo o convite para fazer o Não Há Bela sem João. Ainda fiquei ali um tempo no limbo a ver o que ia acontecer. Obviamente que a minha agência terá perguntado à RTP como é que seria. De facto, havia um projeto de uma sitcom para fazermos para a RTP. Só que entretanto não foi avante. Mas sinceramente não sei porquê.

Há hipótese de a fazer agora na SIC?

Uma sitcom? Há sempre hipótese de fazer uma sitcom na SIC. Porque não? Na SIC é possível as pessoas apresentarem as suas ideias. É um sítio onde as ideias são ouvidas e há sempre a possibilidade de as fazer realmente. Neste momento estou preocupado com o Queridas Manhãs. Estou preocupado com isto e em fazer o meu trabalho musical a solo.

Quando vai ser editado?

Gostava que fosse neste ano, mas pode não haver tempo, até porque tenho outros projetos para começar no início de 2016. Um que já está fechado e que vai ser muito fixe. E não é nada de televisão. E tenho uma série de concertos que quero fazer para fechar este ciclo que começou com A Tua Cara não Me É Estranha. Foram estes três anos em que as pessoas perceberam que o João Paulo Rodrigues também canta. Não quero fechar a torneira das canções, mas a parte dos covers, sim. Quero fazer um concerto, uma coisa muito bem feita.

"Não tenho de provar nada a ninguém"

Aos 36 anos, é um homem feliz?

Sou um homem muito feliz.

E vive sempre a vida com um sorriso ou também tem os seus momentos menos bons?

Tenho os meus momentos menos bons, claro. Já me deixei levar mais por esses momentos. Ninguém é feliz, nós estamos felizes e temos momentos de felicidade. Estou numa fase feliz, até porque acho que ninguém está só feliz, vai-se estando feliz. Neste momento estou. Tenho tudo o que é preciso para ser feliz. Tenho trabalho de que gosto muito, uma mulher que amo, uma filha que amo. Mas faltam-me muitas coisas, como estar mais tempos com os meus amigos, mais tempo para os meus hobbies, para viajar, que adoro e que não posso fazer com tanta frequência como gostava. Não há tempo para tudo, mas estou feliz, mais calmo, mais sereno. Estou mais velho.

É um amante assumido da velocidade. Vive sempre a sua vida em grande velocidade?

Vivo. Sou uma pessoa muito ansiosa. Quero fazer tudo de uma vez. O universo não aceita espaços vazios, tem tendência a ocupar esses espaços e eu tenho medo de que ocupem os meus. Estou numa fase em que estou a abrandar mais, em que começo a perceber que se determinada coisa tem de ser minha, vai ser minha. Comecei a acalmar, senão, qualquer dia morria do coração. Estou mais sossegado. Começo a dar mais valor a estar em casa, a não sair, ou então a pegar na minha mulher e na minha filha e ir viajar. Coisas que há três anos não era capaz de fazer. Passava o tempo todo a trabalhar.

Ainda tem alguma coisa a provar?

Não, nunca pensei que tinha de provar alguma coisa a alguém. Não faço as coisas para que os outros me aprovem, ou que vejam que sou capaz de, mas porque quero fazer, porque me sinto bem e porque me sinto feliz, realizado e satisfeito. Por muito que consiga provar alguma coisa a alguém, se a mim não me trouxer satisfação e só me trouxer sofrimento, vou chegar à conclusão de que o fiz para os outros verem. Começo a chegar à idade em que já dei para isso. Não tenho de provar nada a ninguém.

Já tinha graça quando contava anedotas em casa do seu pai em Moçambique?

Desde pequenino que me lembro de os amigos dos meus pais irem lá a casa e eu quase automaticamente começar a contar anedotas. Sempre adorei fazer isso, mas só contava quando queria contar.

Tem medo de perder a graça?

Tenho. É o medo de qualquer pessoa que faz comédia. Um dia acordar e já não ter piada. Mas acho que não somos nós que perdemos a piada. São as pessoas que evoluem no seu conceito de piada, de humor, daquilo que os faz rir. O que o faz rir hoje não é o que o vai fazer rir daqui a 30 anos. O humor acontece numa altura histórica. Consigo rir quando vejo os filmes a preto e branco do Charlie Chaplin, porque era uma coisa muito física, o cair, a estalada. Mas o humor falado prende-se muito à época em que o fazemos. O humorista nunca perde a piada.

E o João, acha-se com piada?

Eu? Acho que não tenho piada nenhuma. Tenho medo de que descubram que eu não tenho piada nenhuma. [fala baixinho] Se algum dia a malta descobre que não tenho piada nenhuma, não sei... [risos]

Que piada é que o João Paulo Rodrigues humorista faria do João Paulo apresentador?

Olha aquele, agora com a mania que é sério, com a mania de que é alguém [gargalhadas]. Basicamente seria isto.

O João tem muitos talentos, desde cantar a cozinhar. Que talentos é que não tem e gostava de ter?

Gostava de ser músico. De tocar bem um instrumento.

Mas já toca viola.

Pois toco, mas, como se costuma dizer, é "na ótica do utilizador". Aprendi a fazê-lo sozinho.

Está sempre a tempo de ir para o conservatório.

Estou pois. Porque não? Gostava de tocar piano. E a vontade de ir aprender continua. E vou fazê-lo. Provavelmente vou deixar a meio como deixei outras coisas. Mas vou tentar, porque acho que me falta isso, ter o talento para tocar um instrumento. Fico perdido a ver alguém que sabe tocar algum instrumento bem. Aquilo que mais me preenche é a música. Por isso considero-me um músico frustrado. E muito incompleto.

"Quem me conhece sabe que digo muitas asneiras"

Nasceu em Lisboa, mas cedo foi para o Norte, vivendo entre Braga e o Porto. De que forma é que isso moldou a sua personalidade?

Não sei. Fui criado em Braga, o meu pai é minhoto e, apesar de a minha mãe ser alentejana, considero-me como sendo minhoto. É lá que estão as minhas raízes, o nome que eu continuo. Apesar de gostar muito da terra da minha mãe. Isso obviamente acaba sempre por moldar a personalidade.

Gosta de dizer uma boa asneira.

É verdade, mas isso qualquer pessoa que me conhece sabe que eu digo muitas asneiras. Mas há uma coisa boa, não digo asneiras porque quero insultar, não há aquela conotação negativa, de ofensa. É mais como uma vírgula, acontece.

Como foi a sua infância?

Perfeitamente normal. Brinquei o que tinha de brincar, estudei o que tinha a estudar e, se calhar, levei menos puxões de orelha do que aqueles que devia ter levado.

A partida do seu pai para Moçambique quando tinha 10 anos obrigou-o a crescer demasiado depressa?

Provavelmente sim. A partir dessa altura, a minha mãe esperava de mim determinados comportamentos e começou a precisar de mim para arrumar a casa, para ajudar a lavar a loiça, a pôr a minha irmã a dormir, a ficar com ela... Aquelas coisas que os miúdos hoje não fazem com 10 anos.

Que importância teve ter estudado num colégio interno?

Numa fase inicial foi fixe. Agora não tenho de dar satisfações aos pais, estou sozinho, faço o que me apetecer e é só curtir, mas depois acabamos por sentir a falta de carinho, da presença deles. Mas tornei-me muito mais independente. Hoje não tenho problemas em estar sozinho e fui buscar isso a essa época, apesar de estar num colégio onde dormiam 70 miúdos ao meu lado, numa camarata, em que tinha de se gerir os dois armários, os cadernos, os trabalhos de casa, a comidinha que levava ao fim de semana, a roupa que tinha que pôr a lavar, bordar o número nas cuecas para saber que eram as minhas. Estas fases marcantes da nossa vida, em que temos de aprender, de nos superar, levam a que depois, mais tarde, consigamos ultrapassar mais facilmente as coisas más que nos acontecem.

Isso ajudou-o a ultrapassar a morte do seu pai?

Sim. Mas acho que a morte de alguém tão chegado nunca se ultrapassa. Perder um pai é complicado e é algo que nunca mais se vai esquecer. Mas é estruturante, porque nos forma para o futuro.

Essa incapacidade de ultrapassar deve-se ao facto de não se ter conseguido despedir dele?

O não lhe dizer adeus foi complicado, porque aconteceu tudo muito rápido. Estávamos em casa da minha tia a preparar o almoço dele, porque ele detestava a comida do hospital, quando a minha tia recebeu o telefonema a dizer que ele tinha falecido às 14.00. Eram 14.10, e depois contou-me. É algo para que não estamos preparados de maneira nenhuma.

E faz pôr tudo em causa?

Não. Fez-me olhar par as coisas de maneira diferente, perceber que tudo é um suspiro, efémero, que acontece muito rapidamente. Mas o que fica, e se vivermos a vida a pensar que hoje estamos bem mas amanhã podemos estar mal, vamo-nos preparando para o que eventualmente possa acontecer. Não sou pessimista. Sou muito otimista. Mas preparado para o pior. Se calhar, por isso, o universo vai-me dando coisas boas. Sou uma pessoa com muita sorte. Já passei os meus maus momentos, passei mesmo, mas principalmente do ponto de vista profissional tenho sido uma pessoa com muita sorte, mas cada um de nós tem um propósito. O meu pai dizia que eu nasci para inspirar os outros e fazer os outros felizes.

E é isso que faz diariamente?

É exatamente isso que faço. Posso não ter encontrado ainda a melhor forma de o fazer. Se calhar, daqui a dois anos posso dizer-lhe que afinal a apresentação não é a forma ideal para eu realizar o meu propósito. Ou se calhar a música, a comédia, a apresentação são formas de fazer os outros um bocadinho felizes, de passar mensagens significativas e inspiradoras. É isso que falta neste país, neste mundo. Pessoas que se sintam inspiradas, motivadas. Levamos tanta porrada neste país, seja no que for, que às vezes sente-se que se trabalha e aquilo que guardamos para nós é tão pouco. Vive-se para trabalhar, para pagar os impostos, para pagar a comida e esquecemo-nos de viver e de viver aquilo que nos faz felizes.

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