João Nuno Mendes: "Não temos de nos resignar a ser um país de elevada dívida"

Secretário de Estado das Finanças defende que não há alternativa à política das contas certas. É para continuar. "Significa menos fragilidade da nossa economia, mais margem de segurança e sermos menos vulneráveis a choques."
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Nas medidas previstas em Orçamento do Estado para 2024 para mitigar o impacto do crédito à habitação, comecemos pela bonificação dos juros. Quantas pessoas ou quantas famílias espera atingir com esta medida?
Relativamente à medida de bonificação, introduzimos um conjunto de alterações de forma a tornar mais abrangente e a ter maior impacto financeiro junto das famílias. Prevemos que vamos aumentar a elegibilidade e também o reforço dos meios financeiros, sensivelmente a 200 mil famílias, 200 mil contratos.

E no que toca à medida de redução e estabilização das prestações do crédito à habitação por dois anos, que impacto é que espera que possa vir a ter?
Esta é uma medida que depende da adesão das pessoas. Estamos muito próximos de ter a medida disponível. Pelos contactos que temos com a Associação Portuguesa de Bancos é que todos os bancos estão a trabalhar com grande esforço.

Quando diz muito próximos, pode ser antes do próximo ano?
Digamos que a 2 de novembro o objetivo é que a medida esteja plenamente funcional, significa que a partir dessa data as pessoas podem solicitar, ou seja, comunicar o interesse na adesão à medida. Isso depois despoleta um período de 15 dias no máximo que os bancos têm para apresentar aquilo que é a comparação entre a sua situação atual e aquela que poderão beneficiar, se tiverem a sua prestação fixada. E a partir daí a pessoa terá um mês sensivelmente para decidir se pretende ou não aderir. Achamos que a medida está estruturada de uma forma que é adequada àquilo que é o crescimento absolutamente extraordinário que as taxas de juros tiveram neste período de um ano. E, portanto, isso permitirá uma redução do indexante em sensivelmente 30%, o que significará que se assumirmos um valor de indexante na casa dos 4%, significa que o indexante será colocado na casa dos 3%, ou um pouco abaixo, e isso permitirá redefinir a prestação durante um período de dois anos. Isso, naturalmente, é uma medida que permite, de certa forma, reduzir o ritmo que se faz à amortização de capital no empréstimo à habitação, criando um alívio financeiro.

Temporário, porque irá ser pago mais tarde.
Exatamente. Ou seja, digamos que durante este período de dois anos teremos este alívio. Julgamos que, ao colocar-se o indexante a sensivelmente 3%, aquilo que vai acontecer é que, daqui por dois anos, quando a prestação regressar ao seu regime normal, eventualmente encontraremos taxas de juros mais baixas do que aquelas que temos hoje, eventualmente mais próximas de 3%. Depois, passado um período de quatro anos, a pessoa começará a amortizar o capital que foi deferido. Ou seja, a diferença entre aquilo que deveria ter pagado e não pagou, por via da redução do indexante.

E foi fácil negociar com os bancos essa medida?
Sim. Acho que existe um reconhecimento generalizado de que era importante tomar medidas de mitigação que representassem uma opção para as famílias. A nossa interlocução foi, essencialmente, com a Associação Portuguesa de Bancos, também com os bancos, num conjunto diverso de reuniões. Julgo que houve uma convergência natural, até pelo respeito de um conjunto de princípios que são fundamentais do ponto de vista da própria supervisão bancária e das regras da supervisão bancária.

Quanto vai custar tudo isso aos cofres do Estado?
A medida de prestação da fixação não tem qualquer impacto do ponto de vista orçamental no Estado, apenas a medida da bonificação de juros, que poderá vir a custar qualquer coisa como 200 milhões de euros/ano. É essa a estimativa que temos. Portanto, estamos a falar, para alguns exercícios que fizemos e que já disponibilizámos, de um potencial, se forem acumuladas as duas medidas num contrato e empréstimo, podemos estar a falar de uma redução de prestação na casa dos 25%, em que, de certa forma, poderemos repartir metade do contributo da fixação de prestação e metade do contributo da bonificação. Para ter acesso à bonificação, tem de respeitar um conjunto de condições de elegibilidade e que têm a ver com a taxa de esforço principalmente, ou seja, estamos a falar sempre de circunstâncias em que a taxa de esforço tem de ser superior a 35%.

E quando se fala de crédito à habitação, fala-se, inevitavelmente, de banca e de sistema financeiro. O diretor para a Europa do FMI alertou, nos últimos dias, para uma possível instabilidade na banca e possível aumento do crédito malparado, e referia-se especificamente a Portugal, recomendando que se crie, e vou citar, "uma almofada para acomodar o que ainda está para vir." Concorda com esta alerta?
Vejo essa intervenção num sentido mais geral. Todos sabemos que a banca portuguesa sofreu um conjunto de transformações muito significativas. Até há bem pouco tempo, tínhamos ainda bancos em reestruturação. Neste momento, não temos. Existe um conjunto de indicadores que são publicados pela Autoridade Bancária Europeia e que funcionam numa base de semáforos. São dez indicadores que têm a ver com liquidez, têm a ver com crédito malparado, têm a ver com rentabilidade, têm a ver com eficiência. E, portanto, a banca portuguesa tem tido um desempenho cada vez melhor. Julgo que os últimos indicadores de que temos informação, que datam do primeiro semestre deste ano, apresentam um semáforo amarelo, julgo que em três indicadores apenas. E acho que temos agora um comparativo de desempenho com a banca europeia muito favorável. Portanto, entendo isso mais como uma mensagem de índole geral.

Mas acha que o FMI foi alarmista com este aviso?
Julgo que estamos muito seguros e confortáveis com aquilo que são os rácios de capital que têm os bancos portugueses, que têm sido reforçados ao longo dos últimos anos, e quando olhamos para estes indicadores, para estes semáforos da Autoridade Bancária Europeia, vemos que, recentemente, temos um desempenho melhor do que a média europeia. Naturalmente, que sempre que há períodos de abrandamento económico, é natural que exista alguma degradação dos rácios dos bancos e, portanto, vejo essa intervenção numa lógica de precaução, de sermos também conservadores naquilo que é a leitura do futuro.

Falemos também de contas certas. As Finanças continuam focadas nessa gestão da dívida pública, na redução do peso da dívida também face ao PIB, aliás, espera-se um excedente este ano e no próximo ano. E, pergunto, justifica-se continuar neste caminho em busca do excedente, tantas vezes criticado pela Oposição?

O nosso entendimento é que deveríamos dar mais explicações aos portugueses se não tivéssemos um orçamento equilibrado. Acho que se está a fazer um caminho do ponto de vista daquilo que é a perceção da generalidade dos agentes económicos, do próprio jornalismo económico, e uma perceção, como vemos nas próprias estudos de opinião que são feitos junto das pessoas, por um interesse grande nesta lógica dos orçamentos equilibrados. Achamos que é uma mudança, não temos de nos resignar a ser um país de elevada dívida. Acho que o desempenho de um conjunto de países que sofreram ajustamentos estruturais no passado, como nós sofremos, acho que temos todos uma ambição de não nos resignarmos a ser um país de dívida elevada, até porque os benefícios disso são perfeitamente objetivos. Se hoje olhar para as taxas de juros que Portugal tem há 10 anos, temos menos 0,4% que Espanha. Podemos pensar, bom, 0,4% é muito ou pouco, mas se pensarmos à escala daquilo que são spreads no crédito da habitação, 0,4% é substancial e 0,1% em termos de dívida pública significa qualquer coisa como 300 milhões de euros ao ano. Portanto, se Portugal conseguir ter um desempenho que lhe permita estruturalmente ter menos 0,4% de custo na sua dívida, estamos a falar sensivelmente de menos 1200 milhões ano, se quisermos, menos 120 euros de impostos por português. Isto está a entrar nas nossas contas e no menor pagamento de impostos pelos portugueses. Significa menos fragilidade da nossa economia, significa mais margem de segurança, significa sermos menos vulneráveis a choques. Portugal, com a dívida que ainda tem, não pode correr o risco de entrar em crescimento de défice excessivo porque ultrapassou 3%. Portanto, acho que há uma mudança de paradigma que temos de fazer e acho que, cada vez mais, os portugueses vão pedir explicações aos governos se os orçamentos não forem equilibrados.

Portanto, há credibilidade por um lado, há poupanças claras por outro, e acredita mesmo que os portugueses estão a compreender isso?
Acho que os portugueses estão a compreender isso.

Com tanta dificuldade hoje, com o poder de compra, com a crise inflacionista?
Não, mas os portugueses também têm a consciência de que, pese embora essas dificuldades, que diz com toda justiça e que sentimos no dia a dia, claramente a inflação teve impacto do ponto de vista do poder de compra, o Governo tem procurado tomar medidas do lado do rendimento, mas os portugueses sabem que não vão resolver esse problema a criar défices e criar mais dívida que só os vai tornar mais vulneráveis no futuro. Portanto, nestas matérias do ponto de vista da despesa pública, temos que sempre ter consciência. É fácil acelerar, mas é muito difícil travar.

A Oposição preferia mais apoios e menos impostos. O Governo olha mais para os ratings e para a credibilidade financeira internacional, é isso?
Acho que aqueles que se apresentarem neste debate contra as contas equilibradas vão estar um bocadinho em contramão com aquilo que é a opinião pública, que não quer esses desequilíbrios. É essa a convicção que tenho, porque os portugueses sabem que isto traduz em termos reais a maior capacidade de apoiar quem realmente precisa nos momentos difíceis. Porque um país não deve ficar vulnerável a ter uma circunstância em que quando as dificuldades apertam, quando existe uma recessão, esse país não pode ficar incapaz de apoiar quem mais precisa. E, portanto, o Governo o que tem procurado fazer é que as medidas sejam tomadas em largo espetro.

Depois da covid e do primeiro impacto da guerra da Ucrânia, em maio último, a Comissão Europeia apresentou a reforma das regras orçamentais europeias. A pausa na obrigatoriedade do défice abaixo dos 3% vai acabar?
Não temos esse entendimento das regras. Portanto, as regras visam a construção de um perfil de redução de dívida, são mais assentes na redução de dívida e têm por objetivo tomar em consideração aquilo que são também os desafios demográficos e garantir que num cenário de políticas invariantes, ou seja, sem a tomada de novas medidas durante um período significativo, 10 anos após o período de ajustamento, esse país consegue não atingir os 3% em termos de défice e consegue manter uma trajetória sustentável de dívida. Portanto, essa é a filosofia da reforma e, de certa forma, representa alguns desafios à lógica que atualmente existe, nomeadamente não preconiza a existência de análises dos saldos orçamentais em termos estruturais, em termos de correção do ciclo económico e, digamos, faz com que na mesa negocial que se encontra estabelecida, existam posições divergentes. E há, digamos, hoje um incentivo grande para que se procure aqui um consenso.

E vai voltar a pressão para reduzir a dívida pública para menos de 60%?
Repare, aquilo que se pretende é que existam trajetórias de dívida que sejam sustentáveis e, portanto, esse é o objetivo, sobretudo que se tomem em consideração desafios muito importantes, como é o desafio do sistema de pensões, como é o desafio dos custos crescentes que enfrentamos no setor da saúde e, portanto, que os desafios de longo prazo sejam devidamente vertidos naquilo que são as opções que vamos tomando ano a ano do ponto de vista orçamental. E, naturalmente, o objetivo da Comissão Europeia é que os diferentes países tenham uma trajetória descendente da sua dívida, mas que se procure atender também a algumas características específicas que os países têm. Acho que ainda há aqui um caminho a percorrer, há uma grande vontade da pertinência espanhola e Portugal tem feito, nesse sentido, o melhor esforço para se chegar a um entendimento.

Dentro daquilo que já se sabe, há também uma indicação de se reduzir nos orçamentos no mínimo 0,5% do PIB e na dívida todos os anos até se chegar aos tais 3%. Estes 0,5% por ano são também uma meta para Portugal?
Claro, estes 0,5% é o que nos estamos a referir àquilo que é o braço corretivo, ou seja, quando um país entra em défice tem de ter essa trajetória de correção até atingir os 3%. Isso é aquilo que atualmente existe, mas é algo que também está sobre a mesa no âmbito da nova proposta para se garantir que quem tem, de facto, um défice claramente acima de 3%, em qualquer circunstância, tem de produzir esse ajustamento.

E é um ajustamento que lhe parece demasiado ambicioso, ou é mesmo para levar adiante nos outros países?
Não, parece-nos um ajustamento que é razoável e digamos que é dos tais pontos que é fundamental para que exista uma base de maior aproximação entre aquilo que é aquela proposta da Comissão e os países frugais que, sobre essa matéria, têm uma exigência muito grande.

Está previsto que sejam 14 os países que não atingem o limite dos 3% em 2023, entre os quais estão Itália, França, Roménia, Espanha, de que falou, Malta. Com esta política do Governo, de que o senhor faz parte, Portugal, no fundo, sai do chamado grupo dos PIGS, que teve a dívida no lixo, e ganha também em termos externos aqui um posicionamento diferente. Que representação, que validade é que tem este argumento junto ao posicionamento de Portugal lá fora?
Deixe-me dar-lhe um exemplo muito concreto. Estivemos, na semana passada, num encontro do FMI e do Banco Mundial, onde é prática anual, com o IGCP, reunirmos com todos aqueles que são os grandes investidores da dívida pública, bancos de investimento que colocam a dívida pública portuguesa. Deixa-me dizer-lhe que, em todas essas reuniões, foi reconhecido o trabalho de Portugal. Hoje somos reconhecidos lá fora e somos mais credíveis, não apenas do ponto de vista financeiro, mas do ponto de vista político, pelo facto de termos tido uma trajetória que não é uma trajetória que os surpreenda face àquilo que lhes fomos prometendo. Eles o que entendem é que Portugal fez um conjunto de promessas sobre o seu desempenho e, ano após ano, tem entregado aquilo que prometeu. Isso faz com que sejamos vistos, de facto, de uma forma completamente diferente e um grupo desses bancos de investimento considera que Portugal pode vir a ser reconhecido no futuro. Eventualmente exagerado dizer do grupo core de países, do ponto de vista do desempenho financeiro, como a Alemanha, a Holanda e mais um número restrito de países, mas depois tem uma periferia, de certa forma, alargada a um conjunto de países que têm uma trajetória orçamental, digamos que acima dos 3%, e pode ter um grupo que é um grupo chamado semi-core, que é o grupo que está entre um grupo e o outro. E Portugal tem condições para ser reconhecido como fazendo parte deste terceiro grupo, o que definitivamente nos retira daquele grupo de países que, além de ser mais endividado, tem uma trajetória orçamental acima dos 3%. Repare, a dimensão favorável da nossa posição resulta muito do diferencial orçamental que temos neste momento. Portanto, hoje, quando olhamos para o diferencial de dívida que temos com esses países e olhamos para o diferencial orçamental, é muito difícil para esses países aproximar-se do nosso padrão orçamental rapidamente num contexto de abrandamento económico. O que é que isso quer dizer? Que ao longo dos próximos anos, a nossa distância do ponto de vista da dívida vai acentuar-se cada vez mais, se formos capazes de entregar aquilo que prometemos. E tínhamos prometido, até ao final deste ano, ficar abaixo de Espanha. Inclusivamente, houve vários comentários do jornalismo económico, de pessoas bem posicionadas no âmbito do setor financeiro, que diziam, bom se Portugal ficar, por acaso, abaixo de França, mas quando Portugal ficar abaixo de França, aí é que o verdadeiro jogo começa. Houve uma pessoa que tem muito relevo no setor financeiro que o referiu. E depois Portugal não só ficou abaixo de Espanha, como ficou abaixo de França e como ficou abaixo da Bélgica. E hoje, no mercado, as nossas obrigações a 10 anos transacionam praticamente ao mesmo nível da Bélgica. E, portanto, isto é dinheiro que entra, de certa forma, no poço dos portugueses por via do Orçamento do Estado.

As reformas propostas pela Comissão Europeia têm como objetivo garantir a solidez das finanças públicas e promover investimento nas transições ecológica e digital. De algum modo, considera que uma nova guerra, desta vez no Médio Oriente, a que se junta à guerra na Ucrânia, pode abalar essas melhores previsões?
Julgo que temo-nos habituado ao longo dos últimos anos a saltar de crise sobre crise. Tivemos uma crise de uma violência absolutamente extraordinária, a pandemia, e acho que a União Europeia foi extraordinariamente importante para, coletivamente, termos ultrapassado esta crise. De todos os pontos de vista, seja do PRR, do ponto de vista das vacinas, do ponto de vista da troca de experiências, do ponto de vista da General Escape Clause que tivemos para os momentos mais difíceis. Portanto, acho que o que está em causa é termos uma política orçamental que seja adequada e que não seja pró-cíclica, ou seja, que não acentuemos as dificuldades que, num determinado momento, estejamos a enfrentar com uma política orçamental que seja pró-cíclica. Portanto, diria que já enfrentámos a pandemia, temos a guerra da Ucrânia, que não terminou e é um conflito que tem repercussões geopolíticas globais, e agora temos o conflito do Médio Oriente. Lá está, voltamos àquela questão que é, temos de ter uma política do ponto de vista financeiro e macroeconómico que nos permita ter segurança perante essa incerteza. É como o próprio preço do petróleo, não é? Porque é sempre algo para que olhamos quando estas crises se despoletam.

Era isso, exatamente, que queria perguntar. O quadro macroeconómico do Orçamento de Estado para 2024-25 não poderia prever uma guerra em Israel e logo a nova subida do preço do petróleo. Como é que isso pode afetar as contas e desatualizar o próprio orçamento?
O orçamento faz-se com aquilo que são as previsões que as diversas instituições internacionais têm num determinado momento sobre o preço do petróleo no ano a seguir. Portanto, temos uma previsão do petróleo que anda na casa dos 80 dólares. Naturalmente, entendemos que o orçamento tem margem para lidar com variações que sejam razoáveis relativamente a este patamar de preços. É evidente que tudo aquilo que sejam choques, que acho que neste momento ainda não estão sobre a mesa, mas sabemos que o petróleo acaba por traduzir muito a volatilidade e os problemas geopolíticos. Portanto, temos uma determinada margem. É evidente que se estamos a falar de choques de vastas proporções, que agora não antecipamos, naturalmente isso é outra realidade.

A violência tem vindo a aumentar no Médio Oriente. Com essa instabilidade, estima que possa haver um aumento dos combustíveis até final deste ano e no próximo ano?
Como dizíamos há pouco, o preço do petróleo é sempre um fator que está relacionado com aquilo que sejam também problemas geopolíticos e conflitos regionais. Parece-nos que, neste momento, existe um esforço multilateral para conter a escala do conflito. Esperemos que esse esforço resulte.

Mas temos de ter sempre em cima da mesa um possível aumento dos combustíveis?
Claro que sim. Acho que não poderemos ignorar os riscos, não é? E, portanto, esse risco naturalmente que existe.

O Governo tem sido acusado de dar com uma mão e tirar com a outra pela oposição, por exemplo, desagravando o IRS e agravando os impostos indiretos com a subida da carga fiscal. Com esta política de contas certas de que temos vindo aqui a falar ao longo dos últimos minutos, não seria possível ter ido mais longe, dar um pouco mais de poder de compra aos portugueses e aliviar esta pressão inflacionista?
Acho que, e na sequência das questões que muito bem estavam a colocar e dos pontos que estavam a colocar, julgo que a resposta está precisamente aí. Acho que é preciso andar com segurança. Acho que a generalidade das pessoas ficou muito satisfeita com a redução do IRS. É um aumento muito superior àquilo que estava implícito naquilo que era o plano de estabilidade e crescimento que foi apresentado em abril. Acho que temos de andar um passo de cada vez e acho que é a incerteza que referiram nos pontos anteriores relacionados com os conflitos geopolíticos.

Talvez não tenham ficado muito satisfeitas com o IUC, porque para trocar de carro as pessoas também precisam de ter poder de compra. E, no fundo, aquilo que é feito, e falando de impostos indiretos, é que os veículos até 2007 terão um aumento da carga de impostos, ainda que tenha um teto de 25 euros a aplicar no próximo ano. Com a crise inflacionista como está, com baixo poder de compra e altas taxas de juros e perante todo este cenário de incerteza de que falámos, acha que era um momento certo para este imposto?
O orçamento faz-se de um conjunto de equilíbrios e havia um equilíbrio fundamental a atingir, que era um orçamento equilibrado. Não estou a pronunciar-me sobre essa medida em concreto, estou a referir-me em termos gerais. O Governo sempre teve como uma das suas grandes prioridades o combate às alterações climáticas e ser um país que se distingue por ter uma política ambiental avançada. E, portanto, não gostaria de avançar mais, portanto, também há aqui uma dimensão setorial na medida, vai haver também um incentivo àquilo que é o abate de veículos que são mais antigos, mas naturalmente que neste espaço orçamental é sempre um espaço onde tudo se pode debater e tomamos boa nota.

Significa que ainda há abertura?
O primeiro-ministro já se pronunciou ontem sobre essa medida no Parlamento de uma forma muito clara e, portanto, a isso não tenho nada a acrescentar.

A redução de 30% nas antiga SCUT será compensada, e estou a utilizar palavras do ministro das Infraestruturas, João Galamba, com neutralidade financeira. Isso será feito pelo aumento do IUC, de que falámos ainda há pouco, com os carros mais antigos, é isso?
Não gostaria de pronunciar-me sobre o que disse o ministro das Infraestruturas nessa matéria. O que dizemos é que há, relativamente à medida que referiu sobre o IUC, uma lógica de política ambiental, existe uma lógica de incentivo ao abate daquilo que sejam os veículos mais antigos.

E servem ou não para compensar a descida das antigas SCUT?
O orçamento é um conjunto de opções. No fundo, o Governo tinha um propósito claro de chegar ao final e apresentar um saldo orçamental equilibrado. Acho que a sua questão tem uma dimensão também que tem a ver com a política na área das infraestruturas e acho que o ministro das Infraestruturas será certamente mais qualificado para debater essa matéria em especialidade.

Falemos também sobre o imposto sobre o álcool. No que diz respeito à produção nacional é a cerveja portuguesa que vai pagar o novo imposto dos 10%?

Em termos globais, os impostos, o acréscimo que vai acontecer do ponto de vista do álcool e do tabaco, reverterão a favor do Sistema Nacional de Saúde que, como sabem, tem um valor de despesa que cresce ano após ano de uma forma muitíssimo significativa, seja por fatores relacionados com as terapias, o custo dos medicamentos, aquilo que é o envelhecimento populacional, toda a tecnologia que existe no setor da saúde que tem custos crescentes e, portanto, diria que desse ponto de vista é um contributo adequado e acho que os portugueses entendem esta lógica de trabalho sobre os impostos.

E esse investimento vai travar aquilo que têm sido as reivindicações dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde?
Não queria entrar em políticas de natureza setorial e referir, sim, que existe um reconhecimento de que quer o Sistema de Pensões, quer o Sistema Nacional de Saúde, são fatores de crescimento da nossa despesa a prazo e que exigem que Portugal tenha uma dívida pública em percentagem do PIB mais reduzida para podermos aguentar, com sustentabilidade, o crescimento da despesa nessas duas áreas. Portanto, de certa forma, essa alocação dos impostos à saúde demonstra precisamente que existe uma relação entre os custos que enfrentamos no setor da saúde e determinado tipo de consumos.

Mas é uma opção deixar o vinho de fora, por exemplo?
Esta é uma matéria mais da área fiscal, que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá oportunidade de discutir convosco.

Então vamos a outros temas que não estão diretamente relacionados com o orçamento, mas que também sei que estão na sua alçada, como é o caso da TAP. O primeiro-ministro, António Costa, disse quarta-feira no debate quinzenal - que aliás regressou -, que não é obrigatória a privatização da TAP, já depois de Pedro Nuno Santos ter dito algo no mesmo sentido. Nesse mesmo dia, o PSD acusou o Governo de "ziguezagues", estou a citar. Em que é que ficamos? A privatização da TAP sim ou não?​​​​​​

​​​​​​​Aquilo que julgo que foi o esclarecimento que efetuado é de que a privatização não tinha sido uma condição imposta pela Comissão Europeia no âmbito do processo de reestruturação, ou do plano de reestruturação. Portanto, não sendo uma imposição, é uma decisão do Governo português. Acho que o primeiro-ministro deixou isso claro e, portanto, o que neste momento temos é um decreto de lei para a privatização da empresa que foi aprovada em Conselho de Ministros. Portanto, neste momento já estamos numa circunstância em que o decreto de lei já foi aprovado em Conselho de Ministros e estará neste momento a ser remetido ao Presidente da República para efeitos da sua promulgação.

O Governo prevê que a venda e a privatização possa acontecer até final do primeiro semestre do próximo ano, sendo esse dinheiro usado, se bem entendi, todo ele para abater a dívida, neste caso é a favor da privatização?
Naturalmente, nós no Ministério das Finanças e no Governo, temos a posição clara de que somos favoráveis à privatização da empresa. Não estamos a colocar nos termos exatos em que colocou ser favorável à privatização pela questão da redução da dívida pública. Entendemos que há um conjunto de tendências no setor, de aumento de dimensão, digamos, dos players no setor. Entendemos que há uma redução dos custos de financiamento da empresa, uma redução dos custos dos leasings, uma redução dos custos de aquisição de aeronaves, se for possível fazê-lo com outra escala. E, portanto, é essa escala que se está a afirmar na competição com a nossa empresa. Existem, também, um conjunto de tendências que tornam a nossa empresa mais apetecível, que têm a ver com o crescimento do segmento de turismo, segmento leisure, por oposição, de certa forma, àquilo que tem sido a quebra que se tem verificado no segmento de negócios. E a nossa empresa tem um conjunto de rotas para um conjunto de mercados que podem ser ampliadas, digamos, com uma parceria com empresas de maior escala e que também tenham objetivo de crescimento. Portanto, a mensagem do Governo tem sido que o objetivo de privatização não é um objetivo sem ambição, é um objetivo que tem por missão tornar ainda mais atraente o hub nacional. Tem por objetivo que façamos crescer as rotas em dimensão e toda esta ligação à América do Norte, à América do Sul, à África, ou para a própria Europa, porque o nosso país tem uma localização periférica do ponto de vista geográfico. Portanto, tudo o que seja contribuirmos para o aumento da conectividade do país, isso será incorporado naquilo que são os critérios da privatização. Naturalmente que se conseguirmos um melhor encaixe do ponto de vista da privatização, isso também é visto como algo muito positivo, mas a dimensão estratégica face a história da empresa, é o papel que ela representa, a dimensão estratégica é algo que o Governo terá fundamentalmente em consideração.

Portanto, pegando nas suas palavras dessa necessidade de estar num grande grupo, que afinal é o que está a dizer, a quem é que ficaria mais bem entregue a TAP?

A própria dimensão da TAP hoje face ao valor que o Estado investiu, face ao valor da dívida da própria empresa, mesmo após aquilo que são as injeções do Estado, estamos a falar de um potencial adquirente que vai deparar-se com um ativo que vale milhares de milhões de euros. E, portanto, estamos necessariamente a falar de uma empresa com uma grande dimensão, portanto, o que não queremos é que se repita no futuro a situação que aconteceu no passado, em que a empresa atravessou fragilidade financeira após fragilidade financeira. A empresa, antes da intervenção, antes da própria pandemia, sempre foi uma empresa muito alavancada, foi uma empresa nos limites do ponto de vista financeiro. Portanto, com o plano de reestruturação, conquista uma posição de maior solidez financeira, mas isso não nos deve deixar complacentes. Temos de pensar que a privatização é necessária pela forma como antecipamos aquilo que são as tendências do setor da aviação para o futuro e não queremos que qualquer situação de fragilidade financeira se reflita sobre a empresa. Por isso, não pretendemos que a empresa seja adquirida por um player que já ele próprio é um player muito endividado, porque um player muito endividado que compra uma empresa, acaba por traduzir na empresa que compra aquilo que são os seus problemas de endividamento, isso não queremos. Quer dizer, queremos que a empresa entre numa trajetória de solidez financeira. Reparem que ainda dos 3,2 mil milhões de euros, que era o valor do plano de reestruturação, incluindo as ajudas covid, que são qualquer coisa como 600 milhões desses 3,2 mil milhões, ainda nos falta colocar sensivelmente 700 milhões de euros, que vão ser colocados até ao final de 2024.

E esperam que os contribuintes e o Estado recuperem todo esse investimento?
Naturalmente que a nossa expectativa é obter o melhor negócio possível para aquilo que é o Estado português e para os contribuintes. Essas contas fazem-se no final e, portanto, acho que uma obrigação que o Governo tem é, após a operação de privatização, prestar contas aos portugueses, explicar os termos da transação e o resultado, o encaixe, as perspetivas futuras, o que se fez da dimensão estratégica da transação, como é que vai ficar o hub, como é que vão ficar os slots, como é que vão ficar as rotas. Portanto, há essas respostas que vão ser exigidas pelas pessoas, mas esse é o trabalho que compete ao Governo fazer.

A EFACEC é outro dossier que conhece bem. O seu colega de Governo, António Costa Silva, ministro da Economia, disse esta semana que os encargos com a EFACEC podem ser maiores do que o previsto. Está a preparar os contribuintes para uma fatura pesada que será apresentada após a conclusão da venda da EFACEC ao Fundo Mutares?​​​​​​​​​​​​​

​​​​​​​Temos trabalhado sempre em estreita colaboração com o Ministério da Economia, com o senhor ministro da Economia, portanto, o Ministério das Finanças e o Ministério da Economia têm trabalhado de uma forma perfeitamente coordenada sobre a matéria. Quando se fez o negócio, ou se fez o contrato com o comprador Mutares, na altura explicou-se que havia um conjunto de condições que eram designadas condições precedentes do closing financeiro, que precisavam de ser desenvolvidas. Umas tinham a ver com a autorização das autoridades de concorrência, outra dimensão tinha a ver com o acordo com os diversos credores da empresa, obrigacionistas, bancos, também temos o Banco de Fomento envolvido, portanto, é uma operação em que na altura pediu-se um sentido de responsabilidade geral para se deixar que o trabalho termine. Portanto, aquilo que podemos dizer é que, com a informação que temos hoje, as coisas estão a correr bem, tudo se encaminha para termos um desfecho, digamos que, nas próximas semanas. Não gostaria de avançar com uma previsão exata, porque, como digo, as coisas estão a correr positivamente, toda a gente está a trabalhar à velocidade máxima, têm surgido diversas notícias sobre essa matéria, que vão no sentido do que conhecemos, de que as coisas estão a correr bem, mas, como digo, as coisas não estão fechadas até estarem todas fechadas e, portanto, esperamos nas próximas semanas ter esse desfecho. E, como digo, acho que vai ser fundamental dar todas as justificações que referem.

Mas pode ser ainda durante este mês?
São as próximas semanas. Não gostaria de avançar uma data firme, mas sabem que o nosso objetivo é fazer a transação tão rápido quanto possível. O que é importante que tenhamos consciência é de que o problema da EFACEC não se resolve por decreto. O problema da EFACEC tem de ser resolvido com uma operação de mercado. A Comissão Europeia tem de reconhecer que o Estado atuou como operador de mercado neste último passo, e, portanto, a Comissão está a monitorizar a transação, temos contactos muito frequentes com a Comissão Europeia, e, portanto, temos de fechar, mas precisamos de ter um selo. E esse selo é de que o Estado atuou, nesta fase, na transação com este grupo, como operador de mercado.

E se assim não for, o que é que pode correr mal?
Como digo, neste momento, todas as dimensões da transação apontam para que tudo corra bem, porque o nosso propósito é que a empresa cresça, a empresa se desenvolva. Trata-se de uma empresa que tem cerca de dois mil trabalhadores, é uma empresa muito importante no norte do país, tem 2800 fornecedores nacionais, é uma empresa particularmente importante no distrito do Porto, tem projetos do PRR, é uma empresa que foi nacionalizada, não nos esqueçamos que foi nacionalizada em julho de 2020. No segundo trimestre de 2020 a economia portuguesa quebrou 17%. Não havia sequer dinheiro para pagar o subsídio de férias nessa altura. Portanto, tivemos o problema do Luanda Leaks, estávamos num contexto de moratórias, garantias à economia que no futuro teríamos quando olhamos as coisas na perspetiva do inverno da pandemia de 2020, as coisas eram muito diferentes. Portanto, teremos ocasião de como Ministério da Economia, e sempre defendemos de forma intransigente o valor da empresa para a economia, e até defendemos, num determinado contexto, que era o Luanda Leaks, aquilo que era o arresto de contas do seu acionista a impraticabilidade da empresa fazer negócio.

Nessa altura, o tesouro injetou, se os meus números estão certos, 132 milhões de euros, mais 85 milhões em garantias e mais 14 milhões para apoio de tesouraria. Portanto, há aqui esta preocupação quando o ministro Costa Silva diz que a fatura pode ser maior do que o previsto. Os contribuintes têm razões para ficar preocupados?
Acho que os contribuintes merecem que lhes expliquem o que aconteceu e quais são as expectativas que podem ter para o futuro. É verdade que o Estado português teve de injetar montantes significativos, também é verdade que a empresa ao longo destes três anos pagou 100 milhões de IRS e contribuições para a segurança social, mas com isto não quero, de certa forma, reduzir a questão a um saldo. Acho que é importante explicarmos quais foram os contributos de cada um dos stakeholders desta operação para termos um desfecho com este comprador e todos compreenderem que a EFACEC não se resolve por decreto, resolve-se numa operação de mercado com contratos que são assinados pelas partes de acordo com os seus interesses económicos. E não há apenas um comprador e um vendedor, existem obrigacionistas, existem bancos envolvidos, existem garantias bancárias que é necessário obter para que uma empresa industrial possa funcionar e existe também um retorno para aquilo que são os fundos que o Estado ainda terá de colocar nessa operação. Portanto, procuraremos ser os mais exaustivos possíveis para explicar a operação e a operação tem a sua complexidade.

E que valor é que espera o Estado recuperar?
Na altura, com o Ministério da Economia que, como vos digo, tem um papel absolutamente nuclear neste processo pela importância que sempre atribuiu à empresa e nomeadamente no contexto da sua nacionalização pelas razões que já apresentai, com eles apresentaremos os detalhes de toda a operação. Acho que as questões têm toda a justificação e na altura explicaremos o que era necessário para que a empresa continuasse a sua capacidade. Assim como qual é o contributo que o Estado deu desde o primeiro momento em que lá está e que terá de dar nesta fase.

Não quer avançar uma expectativa?
Não queria avançar pelas razões que dissemos. Acho que tem sido respeitado pela generalidade dos atores este período que é necessário e depois o Governo prestará contas, depois de ser feito o closing financeiro.

É inevitável falarmos também do aeroporto porque, ao que tudo indica, em meados do mês que vem poderá ser conhecida a localização. A última localização a ir para cima da mesa foi a de Vendas Novas. De que aeroporto é que o país precisa e onde é que faz mais sentido?
Seria especulativo da minha parte referir-me a essa matéria, sendo que tem a ver com o atual contrato de concessão. Temos um relacionamento muito estreito com o Ministério das Infraestruturas e, portanto, não queria especular nada sobre isso.

Não tem uma localização preferida?
Não tenho.

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