JOÃO MARCELINO: Agora não falta nada ao desporto espanhol

"Nas decisões vindas do banco, a lúcida simplicidade de Del Bosque ajudou a Espanha"<br />
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Todas as finais precisam de um "herói", mas esta teve dois: Iniesta, que resolveu mais uma vez (116'), e Casillas, que assegurou a chegada ao momento decisivo com duas fantásticas defesas aos pés de Robben (61' e 82'). A Espanha ganhou com justiça e podia ter dispensado o prolongamento da final com a Holanda.

Em dois anos, graças a uma magnífica geração de futebolistas, comandada ainda pela arte de Xavi e os golos de David Villa, a Espanha conquistou o planeta futebol e tornou-se a terceira selecção a juntar o título mundial ao europeu (depois de Alemanha e França), a primeira a ganhar o maior troféu fora do Velho Continente.

A Holanda teve as suas oportunidades na segunda parte (as tais duas que Casillas retirou dos pés do isolado Robben, aos 61' e 82'), mas os espanhóis foram muito melhores na primeira parte e equilibraram as oportunidades na segunda: David Villa falhou de baliza aberta (69') e Sérgio Ramos disparou de cabeça a rasar a trave (76').

O jogo foi sobretudo intenso. Não houve nem espaço nem tempo para executar. A equipa que perdia a bola começava imediatamente à procura dela, pressionando ainda no meio-campo adversário.

Espanha e Holanda (ambas em 4x2x3x1, mais marcado o laranja) estão habituadas a deter a iniciativa de jogo e guerrearam por isso de forma muito dura. Em duas ocasiões, os holandeses passaram das marcas. Logo a abrir, Van Bommel excedeu-se com Iniesta, por detrás, mas sobretudo De Jong escapou de forma grosseira à expulsão depois de uma patada no peito de Xabi Alonso, que se não foi intencional foi, pelo menos, real. De resto, o árbitro inglês, Webb, polícia de profissão, fez uma óptima arbitragem, mesmo quando não concedeu uma grande penalidade reclamada sobre Xavi no início do prolongamento.

Nas decisões vindas do banco, a lúcida simplicidade de Del Bosque ajudou a Espanha. No jogo em que finalmente sentou Fernando Torres no banco (entrou Pedro e adiantou-se Villa), o técnico espanhol ganhou na opção por Jesus Navas (60'). Extremo (do Sevilha) por extremo (do Barcelona), Navas na direita foi sempre mais interveniente que Pedro fora na esquerda, e equilibrou a equipa face às iniciativas de Iniesta na outra banda.

Neste Mundial, o "tiqui-taca" espanhol apelou mais às alas e só falhou contra a Suíça. Depois, seguro, eficiente, fez o seu caminho. Na parte final, a eliminar, quando foi preciso ter personalidade e ambição, marcou sempre e nunca sofreu qualquer golo. Além disso, deteve sempre a iniciativa, a posse da bola - um selo que transitou do veteraníssimo comando de Aragonés, responsável pelo título europeu há dois anos.

A Espanha é uma campeã que honra o jogo, embora isso não diminua a dor da Holanda pela terceira final perdida, a segunda no prolongamento.

A equipa holandesa não tem os jogadores de 1974 (Cruyff, Rep, Rensenbrink, Haan, Krol…), nem os de 1978 (os mesmos, com nove repetentes, sem Cruyff e comandada pelos gémeos Van Kerkhof). Não tem, sequer, como nessas duas ocasiões, um técnico mediático (Van Marwijk perde para o mítico compatriota Rinus Mitchels ou para o austríaco Ernst Happel). Mas, como equipa, confirmou-se, de novo, como uma das grandes do mundo, curiosamente formada a partir de jogadores que falharam de forma rotunda as respectivas passagens pelo futebol espanhol - Van Bronckhorst e Van Bommel no Barcelona e, ainda mais recente, Sneijder, Van der Vaart e Robben no Real Madrid.

Se o título europeu de 1988 (Van Basten, Gullit, Reijkaard) continua a ser o expoente máximo holandês, esta equipa ultrapassou a linha de Kluivert, Bergkamp, Davids e Seedorf e tem potencial para, devidamente retocada, continuar no top.

Da Espanha pode dizer-se o mesmo. A base do Barcelona é sólida. A equipa tem muita juventude e Fàbregas ocupará o lugar do maestro Xavi quando chegar o tempo. Até lá, ainda há mais dois anos de percurso num futebol que alcança aqui ao lado o nível absolutamente ímpar do restante desporto espanhol. Do ténis ao basquetebol, do ciclismo à Fórmula 1, Espanha tem tudo. Já não falta nada.

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