João Galamba: "Estabilizada a banca, a prioridade deve ser limpar crédito malparado"

O deputado socialista sugeriu publicamente que a nacionalização temporária do Novo Banco era o melhor para resolver a situação do antigo BES. Hoje está convencido que o Governo negociou uma boa solução
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Estabilizada a banca, com recapitalizações e vendas, o tempo é agora, aponta um dos porta-vozes do PS, o deputado João Galamba, apostar numa solução sistémica, que passa por resolver o crédito malparado, juntando-o num único veículo, como já sugeriu o primeiro-ministro.

Afinal "a nacionalização do Novo Banco parece ser mesmo a opção que menos penaliza os contribuintes"?

Sempre defendi, e defendi publicamente, que entendia que antes de tentar vender ou recapitalizar qualquer banco, que devíamos de apostar numa limpeza sistémica dos NPL (non-performing loans, ou seja, crédito malparado) do setor financeiro e só posteriormente vender. Sempre defendi que a prioridade no setor financeiro deveria ser uma estratégia sistémica de limpeza de NPL, para aumentar a rentabilidade dos bancos, torná-los mais viáveis financeiramente. Sei que esta estratégia tem constrangimentos muito significativos, quer nas negociações com a DGCom (Direção Geral da Concorrência), quer o financiamento desta estratégia. Penso ter sido por isso que o Governo preferiu fazer o oposto: primeiro, garantir a recapitalização dos bancos, depois avançar para a limpeza dos NPL. Eu não defendia a nacionalização permanente, eu defendia a não venda do Novo Banco, para fazer a tal estratégia de limpeza. A forma como foi concretizado com a Lone Star, nomeadamente a modalidade em que o fundo de resolução mantém controlo sobre os ativos problemáticos do banco, torna compatível a venda à Lone Star com uma estratégia subsequente de limpeza de malparado.

Mas não deixa para o Estado os riscos?

Face à proposta inicial da Lone Star, o risco reduziu-se muito significativamente. Temos que olhar para o risco para os contribuintes, não em abstrato, mas em concreto e face às melhores alternativas. Nunca podemos comparar o risco existente com uma situação hipotética de risco nulo, que pura e simplesmente não existe. Quando falamos se há risco ou não há risco na venda que foi feita à Lone Star, temos que comparar com as alternativas e a proposta inicial. Tendo em conta que, como diz o Governo, a nacionalização implicaria uma injeção imediata de um valor muito significativo, próximo dos 5 mil milhões, ela teria custos no curto prazo que tornavam inviável. A negociação que foi feita, face à proposta inicial, melhorou muito significativamente a proposta, ou melhor, tornou-a muito menos má. A solução face à garantia inicial é francamente melhor, a limitação de distribuição de dividendos e o controlo do fundo de resolução, estes três aspetos dão maior proteção em termos de risco e neutralizam alguns dos aspetos mais negativos.

A nacionalização, que é defendida pelo BE e pelo PCP, limitava-se "a assumir plenamente os custos que já existem", como escreveu?

Como a Comissão Europeia obriga a uma assunção à cabeça de todos os prejuízos previstos pelo NB, cria-se uma assimetria entre a situação de venda e a de nacionalização e elas acabam por ter valores radicalmente diferentes. Não há riscos acrescidos.

A nacionalização temporária já tinha acontecido...

O Estado teve que entrar como financiador e como se viu agora no alargamento das maturidades feitas pelo Governo, a única forma de se cobrar aquele empréstimo superior a quatro mil milhões ao fundo de resolução, ou os bancos pagavam imediatamente e iam à falência e o Estado teria custos ainda maiores, ou tinha que se alargar a maturidade de forma a garantir uma coisa muito simples: que os bancos pagavam a contribuição ordinária, que já foi aumentada por este governo, de 200 para 250 milhões de euros ao longo de todo o período.

Quer à esquerda, com a ideia de nacionalização, quer à direita, com as críticas rasgadas ao negócio, não há ninguém contente com a venda. Mesmo o PS diz que é o mal menor e o Governo assume que é o possível...

Em política, não se fazem apenas coisas ideais ou ótimas. Eu diria que isso raramente acontece. As coisas são boas ou más consoante as alternativas, o contexto existente e as fortíssimas restrições - preconceituosas contra o Estado, não enjeito isso, da parte da DGCom - que tornaram a opção que foi seguida, não ideal, não ótima, mas a melhor...

Inevitável?

... e inevitável. Mas acho extraordinário que dois partidos que criaram um logro com a história "isto não tem custos para os contribuintes", agora venham dizer que uma venda bem sucedida - que eles não conseguiram fazer, que foi iniciada por eles, conduzida pelas pessoas que PSD e CDS escolheram deliberadamente para conduzir o processo - foi um fracasso. Não entendo como é que algo que foi concretizado é um fracasso face à não concretização. Foi o que eles tentaram fazer em dois anos e não conseguiram.

Juntando as críticas à direita e a vontade do BE e do PCP em levarem a votos o negócio, se isso acontecer não há possibilidade de chumbar esta venda?

Não há nenhum instrumento parlamentar que possa chumbar o negócio. Podemos ter debates em que as opções de cada partido, face às circunstâncias, ficam mais ou menos claras, mas não há instrumentos de natureza parlamentar, não há um decreto-lei que possa ser apreciado, não há um projeto de lei que possa ser chumbado e não há um orçamento retificativo que possa não ser aprovado. Portanto, o negócio irá avante, não há maneira de o travar no Parlamento.

Há uma sucessão de casos na banca que ajudam à desconfiança. O Governo pode intervir aqui?

O Governo deu passos importantes na estabilização e na recapitalização do setor financeiro. Mas há um problema que subsiste em todos os bancos que é a questão do malparado. Os bancos podem estar recapitalizados mas, se por causa do malparado continuarem a ter rentabilidades baixas, é o seu próprio modelo de negócio que pode ficar em causa. Os bancos estão sólidos, mas não têm grande capacidade de concessão de crédito ou têm essa capacidade limitada e a capacidade de gerar rendimento também limitada, exatamente por causa do malparado. Apesar de termos dado passos muito importantes, entendo que o que falta, para completar a intervenção do atual Governo nos últimos dois anos no setor financeiro, é exatamente a questão do malparado.

O veículo para resolver isso...

Uma solução sistémica para o malparado, para além de permitir um aumento da rentabilidade dos bancos, que é um dos problemas que temos em todos os bancos, permitiria também resolver algumas das incertezas que ainda existem. Toda a gente preferia que o fundo de resolução não estivesse exposto a perdas do NB por via de uma desvalorização da sua carteira de ativos problemáticos de crédito malparado. Para além daquilo que já foi feito, a questão da limpeza sistémica do problema do crédito malparado em Portugal permitiria completar esta intervenção do Governo e ter dois resultados: aumentar a rentabilidade de todo o setor financeiro e resolver o problema de todos os NPL e simultaneamente (e esta parte é muito importante) abordar as dificuldades financeiras do lado das empresas e das famílias. A solução sistémica que defendo para os NPL aborda em simultâneo quer a rentabilidade do ativo dos bancos, quer as dificuldades e constrangimentos financeiros das empresas e famílias que são crédito malparado dos bancos. Precisamos de uma solução que olhe para as duas em simultâneo.

Essa solução sistémica passa pelo veículo para o crédito malparado que o primeiro-ministro em tempos defendeu e que entretanto deixou de falar.

Continua a defender. Aí concordo com o primeiro-ministro, concordo com o Presidente da República, que também o tem defendido. A capitalização e a estabilidade são muito importantes, são condições necessárias, mas não suficientes. Se for possível avançar e desconsolidar os NPL dos bancos, colocá-los num fundo de reestruturação de famílias e empresas que pudesse ter como seu objetivo a viabilidade financeira dos devedores - e não como muitas vezes hoje acontece a cobrança imediata da dívida aos devedores, que depois leva à insolvência dos devedores, ações em tribunal, penhoras, execução de garantias - se encontrássemos um veículo que tivesse como sua prioridade a tentativa de encontrar alternativas financeiramente viáveis para as famílias e empresas, o país poderia ter muito a ganhar. Quando falo da importância de uma solução sistémica para o crédito malparado, ela é uma forma prioritária para o país. Esta é uma área onde o Governo deve apostar e deve ser a próxima prioridade, depois destas recapitalizações e vendas, essa deve ser a grande prioridade do Governo para o setor financeiro.

"O trabalho de renovação dos acordos à esquerda é diário"

O debate à esquerda sobre a dívida vai ficar mais fácil com o que vem aí de conclusões do grupo de trabalho?

O diálogo, mesmo quando há diferenças, é sempre fácil. Quando percebemos e respeitamos as posições dos outros, o diálogo é sempre fácil, mesmo quando divergimos. Não quero estar a antecipar as conclusões de um grupo de trabalho, no qual participo e que vai tornar públicas as suas conclusões dentro em breve. Só posso dizer que o trabalho tem sido frutuoso e obviamente que haverá sempre diferenças e sempre matérias irreconciliáveis, onde as diferenças entre os partidos se mantêm, mas como a própria experiência do Governo e o relacionamento com o BE e os outros partidos têm demonstrado, não é preciso concordar em tudo para poder chegar a compromissos. Não é obrigatório concordar em tudo para que as áreas em que chegamos a acordo tenham relevância.

Vai ser possível manter aquilo que tem sido, usando a expressão dos partidos, "a reposição de direitos" e o que são as limitações próprias do Tratado Orçamental, que obrigam a respeitar o défice?

Seria mais fácil se não tivermos o maior peso em juros da dívida em percentagem do PIB em toda a zona Euro.

A presidência do Eurogrupo por um português, como Mário Centeno, ajudava Portugal?

O que ajuda Portugal é continuar a ter os excelentes resultados que temos tido na frente económica, orçamental e do mercado de trabalho e mostrar que, contra todas as previsões e apesar de uma desconfiança muito significativa que nos dificultou a vida em 2016, nós conseguimos mostrar que é possível fazer uma política diferente, tendo resultados até melhores. É o mais importante para Portugal conseguir fazer valer a sua posição entre os parceiros.

E um socialista como Pierre Moscovici ajudava no Eurogrupo?

Não! Entendo que não. O Eurogrupo expressa as posições da pluralidade dos ministros das Finanças e portanto o presidente do Eurogrupo obviamente que tem algum poder, nem que seja de agenda, mas será sempre mais um porta-voz da posição que sair do Eurogrupo, do que alguém com pensamento próprio. E eu gosto que o ministro das Finanças de Portugal tenha pensamento próprio como tem tido.

Com a direita, mas sobretudo com o PSD, o debate parlamentar tem estado muito extremado. É possível em dossiês que vão exigir nos próximos tempos entendimentos mais alargados, como na descentralização, avançar com esses entendimentos?

Eu espero que os partidos estejam no Parlamento na defesa de causas, projetos e valores em que acreditem. Se todos os partidos cumprirem este princípio, que me parece elementar, de uma convivência democrática saudável, sendo isso que os portugueses esperam de cada partido, não vejo nenhuma razão para que haja qualquer obstáculo para entendimentos. Se os partidos se guiarem por outro tipo de considerações, muitas vezes votando contra projetos que foram seus ou tendo uma política de terra queimada, aí poderemos ter um problema.

É assim que olha para o atual PSD?

Às vezes parece que o PSD se comporta dessa maneira. Nenhum partido terá grande sucesso quando nem a sua própria história, os seus próprios valores e os seus próprios projetos respeita. Entrará em crise no momento em que isso acontecer e o PSD às vezes parece caminhar nesse sentido.

António Costa tem defendido que a reforma da descentralização é a pedra de toque do Governo. Até que ponto será possível fazê-la sem o PSD?

Neste momento, está em debate no Parlamento e estamos numa fase muito inicial de tentativa de conciliação e aproximação entre os partidos. É um processo que está em curso e estou convencido que chegará a bom porto.

Até porque o PS não conta muito com os partidos à esquerda.

O PCP e o BE não têm necessariamente nenhuma posição de princípio contra a descentralização. Estou confiante que será possível chegar a acordo, como foi possível noutras áreas que muitos diziam ser impossível.

Haverá ou não necessidade de renovar os acordos que viabilizaram o Governo do PS?

Os acordos existem, não estão esgotados e o trabalho de renovação desses acordos e procura de soluções comuns é diário.

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