"Sei qual vai ser a primeira pergunta", dispara Robert Lubar Messeri, curador da exposição Joan Miró:Materialidade e Metamorfose, que inaugura hoje no Palácio Nacional da Ajuda e abre amanhã ao público, depois de ter passado pela Casa de Serralves. "Quais são as diferenças?"..Do Porto para Lisboa vieram os mesmos quadros, a mesma ideia, o mesmo catálogo, até a Tela Queimada, de 1973, é de novo a escolhida para dar as boas vindas aos visitantes. E, no entanto, esta é uma exposição diferente, aceita Robert Messeri. "Em Serralves, por causa das restrições de espaço, só mostrámos 78 obras, aqui vamos mostrar todas, 85", explica. "A outra grande diferença é aqui temos mais espaço, mais metros quadrados para as obras respirarem. Mantive a estrutura temática que tínhamos em Serralves mas instalei-a de forma a criar outras relações, dando uma nova luz ao trabalho", defende. "E posso fazê-lo porque este é um espaço mais flexível"..A exposição, que esteve patente na Casa de Serralves até junho, distribuía-se por quase 400 metros quadrados e dois pisos. Na galeria D. Luís I são cerca de 700, segundo João Herdade, arquiteto da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), autor do design expositivo no Palácio Nacional da Ajuda.."É o mesmo trabalho, mas em algumas salas há diferentes relações visuais ", continua o historiador de arte Robert Lubar Messeri, diretor da Universidade de Nova Iorque em Madrid, investigador da obra do artista catalão (1893-1983) e membro da direção da Fundació Joan Miró, em Barcelona. Num intervalo na conversa com o DN, no seu primeiro dia de trabalho no Palácio da Ajuda, sexta-feira, essas novas leituras começam a emergir. Sentado numa cadeira, diante da parede, troca impressões com a equipa que está montar a exposição. "Esses dois vão juntos". As obras, aparentemente muito diferentes, são parte da mesma série, como se pôde ver ontem, já com as telas no devido lugar..À entrada, tal como em Serralves, os visitantes são recebidos pela Tela Queimada, de 1973, das mais importantes do conjunto, a polémica coleção que foi comprada pelo BPN e que o Estado português quis leiloar na Christie"s durante o governo de Passos Coelho. Foi decidido que se manteriam em Portugal já no executivo de António Costa. Os sobressaltos fazem parte da história desta coleção. "As pessoas virão ver a exposição em Lisboa, com aconteceu no Porto, por curiosidade, mas eventualmente vão acabar por esquecer a controvérsia e vão olhar para o trabalho, que é muito forte, e que vão ver um grande coleção, de um grande artista do século XX, e a polémica acabará por desaparecer"..O que virá depois? O programa ainda não está fechado com a Fundação Serralves. "É bom que a coleção esteja no Porto, porque já existe muito em Lisboa. A grande decisão foi manter a coleção em Portugal, toda a gente celebra a decisão, mas agora é preciso uma decisão maior: a futura manutenção, proteção e uso da coleção, o que também inclui o lugar adequado", disse ontem o curador, a propósito do futuro da coleção..De volta à exposição, Messeri defendeu sempre que se centrasse nas peças, duas delas esculturas. "O sentido de uma exposição é que tenha uma narrativa visual, mais do que literária", afirma. "Quero as pessoas venham e realmente olhem". O texto ficou para a folha de sala..Pela mão do curador, e seguindo o mesmo percurso expositivo que 240 mil visitantes fizeram em Serralves (o catálogo é o mesmo), mergulha-se na obra do artista logo na primeira sala, um resumo de seis décadas de trabalho. As salas seguintes declinam momentos-chave dos da carreira do artista catalão. Há o seu labor criando uma linguagem de signos, dos anos 20 aos 60, a metamorfose da figura, a experimentação a partir do gesto e, finalmente, numa sala própria, quase todas as obras que não tinham encontrado lugar na narrativa de Messeri em Serralves..A derradeira sala fala das últimas obras, nos anos 70, remetendo para o início da exposição. Em ambas se mostram os sobreteixim (uma palavra inventada a partir da palavra catalã sobreteixit, sobretecido). Parecem tapeçarias, mas... "a tapeçaria é feita com cartões. Estes não são baseados em desenhos pré-existentes". O nome é literal. Miró trabalha sobre o tecido e acrescenta objetos (um balde, por exemplo). "As pessoas habituadas a pensar em Miró como um artista menos relevante a partir dos anos 40, mas se olharmos para os anos 70, numa época de [arte] conceptual e performance, ele encontrou outra maneira de pintar". Joan Miró: Materialidade e Metamorfose.Palácio Nacional da Ajuda, até 8 de janeiro de de 2018. De segunda a domingo (10.00-18.00), encerra à quarta-feira..Bilhete: 10 euro; Exposição e palácio, 13 euros