"Joan Miró: Materialidade e Metamorfose desce a Lisboa e é outra exposição

A coleção que Passos Coelho quis vender e que António Costa manteve em Portugal, inaugura hoje no Palácio da Ajuda, onde pode ser vista até 8 de janeiro, depois de ter sido mostrada na Casa de Serralves, no Porto
Publicado a
Atualizado a

"Sei qual vai ser a primeira pergunta", dispara Robert Lubar Messeri, curador da exposição Joan Miró:Materialidade e Metamorfose, que inaugura hoje no Palácio Nacional da Ajuda e abre amanhã ao público, depois de ter passado pela Casa de Serralves. "Quais são as diferenças?".

Do Porto para Lisboa vieram os mesmos quadros, a mesma ideia, o mesmo catálogo, até a Tela Queimada, de 1973, é de novo a escolhida para dar as boas vindas aos visitantes. E, no entanto, esta é uma exposição diferente, aceita Robert Messeri. "Em Serralves, por causa das restrições de espaço, só mostrámos 78 obras, aqui vamos mostrar todas, 85", explica. "A outra grande diferença é aqui temos mais espaço, mais metros quadrados para as obras respirarem. Mantive a estrutura temática que tínhamos em Serralves mas instalei-a de forma a criar outras relações, dando uma nova luz ao trabalho", defende. "E posso fazê-lo porque este é um espaço mais flexível".

A exposição, que esteve patente na Casa de Serralves até junho, distribuía-se por quase 400 metros quadrados e dois pisos. Na galeria D. Luís I são cerca de 700, segundo João Herdade, arquiteto da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), autor do design expositivo no Palácio Nacional da Ajuda.

"É o mesmo trabalho, mas em algumas salas há diferentes relações visuais ", continua o historiador de arte Robert Lubar Messeri, diretor da Universidade de Nova Iorque em Madrid, investigador da obra do artista catalão (1893-1983) e membro da direção da Fundació Joan Miró, em Barcelona. Num intervalo na conversa com o DN, no seu primeiro dia de trabalho no Palácio da Ajuda, sexta-feira, essas novas leituras começam a emergir. Sentado numa cadeira, diante da parede, troca impressões com a equipa que está montar a exposição. "Esses dois vão juntos". As obras, aparentemente muito diferentes, são parte da mesma série, como se pôde ver ontem, já com as telas no devido lugar.

À entrada, tal como em Serralves, os visitantes são recebidos pela Tela Queimada, de 1973, das mais importantes do conjunto, a polémica coleção que foi comprada pelo BPN e que o Estado português quis leiloar na Christie"s durante o governo de Passos Coelho. Foi decidido que se manteriam em Portugal já no executivo de António Costa. Os sobressaltos fazem parte da história desta coleção. "As pessoas virão ver a exposição em Lisboa, com aconteceu no Porto, por curiosidade, mas eventualmente vão acabar por esquecer a controvérsia e vão olhar para o trabalho, que é muito forte, e que vão ver um grande coleção, de um grande artista do século XX, e a polémica acabará por desaparecer".

O que virá depois? O programa ainda não está fechado com a Fundação Serralves. "É bom que a coleção esteja no Porto, porque já existe muito em Lisboa. A grande decisão foi manter a coleção em Portugal, toda a gente celebra a decisão, mas agora é preciso uma decisão maior: a futura manutenção, proteção e uso da coleção, o que também inclui o lugar adequado", disse ontem o curador, a propósito do futuro da coleção.

De volta à exposição, Messeri defendeu sempre que se centrasse nas peças, duas delas esculturas. "O sentido de uma exposição é que tenha uma narrativa visual, mais do que literária", afirma. "Quero as pessoas venham e realmente olhem". O texto ficou para a folha de sala.

Pela mão do curador, e seguindo o mesmo percurso expositivo que 240 mil visitantes fizeram em Serralves (o catálogo é o mesmo), mergulha-se na obra do artista logo na primeira sala, um resumo de seis décadas de trabalho. As salas seguintes declinam momentos-chave dos da carreira do artista catalão. Há o seu labor criando uma linguagem de signos, dos anos 20 aos 60, a metamorfose da figura, a experimentação a partir do gesto e, finalmente, numa sala própria, quase todas as obras que não tinham encontrado lugar na narrativa de Messeri em Serralves.

A derradeira sala fala das últimas obras, nos anos 70, remetendo para o início da exposição. Em ambas se mostram os sobreteixim (uma palavra inventada a partir da palavra catalã sobreteixit, sobretecido). Parecem tapeçarias, mas... "a tapeçaria é feita com cartões. Estes não são baseados em desenhos pré-existentes". O nome é literal. Miró trabalha sobre o tecido e acrescenta objetos (um balde, por exemplo). "As pessoas habituadas a pensar em Miró como um artista menos relevante a partir dos anos 40, mas se olharmos para os anos 70, numa época de [arte] conceptual e performance, ele encontrou outra maneira de pintar".

Joan Miró: Materialidade e Metamorfose

Palácio Nacional da Ajuda, até 8 de janeiro de de 2018.
De segunda a domingo (10.00-18.00), encerra à quarta-feira.

Bilhete: 10 euro; Exposição e palácio, 13 euros

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt