Jô Soares: "Em tudo o que fiz deixei uma marca de simpatia"
A TV Globo anunciou que no final deste ano o Programa do Jô - que em Portugal é exibido no canal Globo Premium - vai chegar ao fim. Foi uma decisão ponderada?
Foi uma decisão bastante pensada. Há dois anos, conversei com o diretor-geral [da Globo], Carlos Henrique Schroder, e marcamos uma data para pensar sobre um fim para o programa. Chegámos à conclusão de que dois anos seria o espaço de tempo ideal para encerrar uma carreira belíssima, sem correr o perigo do programa se deteriorar, porque acima de tudo quero que saia do ar de uma forma digna.
Como é que o público reagiu a esta notícia? Recebeu, por exemplo, muitos pedidos para que o programa não terminasse?
Até hoje as pessoas falam com muito carinho de formatos como Viva o Gordo!, Planeta dos Homens ou Família Trapo. Em tudo o que fiz deixei uma marca de simpatia e quero deixar saudades com o fim do Programa do Jô.
O que guarda destes quase 16 anos do Programa do Jô?
O que fica são as lembranças das conversas com amigos, com personalidades e também com pessoas que não são tão conhecidas, mas que de repente conquistaram a plateia e ganharam o programa. Afinal, esse é isso que diferencia [este programa de outros talk shows]: o facto de ser uma grande tribuna para quem lá vai. E por isso dependemos muito dos convidados. É a parte mais interessante de um verdadeiro talk show, que é um programa de bate-papo, que depende da reação da plateia e do convidado.
Ao longo destes anos recebeu várias personalidades portuguesas no seu talk show, como o humorista Ricardo Araújo Pereira, as fadistas Ana Moura e Carminho ou a atriz Maria João Bastos, entre muitos outros. Fez sempre questão de manter a ponte cultural e histórica que une Portugal e Brasil?
A minha relação com Portugal foi sempre ótima. Aproveito para mandar um grande beijo aos meus fãs de Portugal, que me receberam sempre com muito carinho e que sempre mostraram um grande apreço pelo meu trabalho. É verdade que ao longo destes anos já entrevistei diversos portugueses no Programa do Jô e este ano gostava de receber mais alguns. Um artista excecional, que faleceu há pouco tempo - o Nicolau Breyner -, era um comediante português extraordinário, que já estava entre o leque de convidados para a temporada de 2016. Porém, ele deixou-nos na semana em que viria ao Brasil. Ele era um artista excecional e um amigo muito querido, que irá deixar muitas saudades.
Esteve sempre envolvido em todo o processo de construção do Programa do Jô. Entrega-se de corpo e alma a todos os seus trabalhos?
Vou sempre guardar a lembrança de todo processo de construção de cada programa. Participo nas reuniões de alinhamento e nas reuniões para avaliar como será a semana que se avizinha. Em todos os programas que fiz na minha vida, sempre tive um envolvimento total. Só assim pode correr bem e ser feito à minha maneira, que é o que acho importante e marcante tanto para mim quanto para os espectadores.
A última emissão do Programa do Jô vai para o ar no próximo mês de dezembro. Já começa a preparar-se para a hora da despedida ou gosta de viver um dia de cada vez?
Para mim é tão natural estar neste ritmo de gravações que acho que só vou começar a despedir-me no decorrer do ano. Acho que vai ser um ano surpreendente em todos os sentidos, mas ainda tenho uma temporada inteira pela frente para fazer.
Depois de ter estado tantos anos dedicado a este talk show, que outros projetos tem em mente para o futuro?
Neste momento estou a trabalhar em duas peças de teatro. Histeria, que narra um encontro entre Sigmund Freud e Salvador Dalí em Londres, um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, e uma outra de William Shakespeare, intitulada Troilus e Cressida. Esta é uma peça que subiu muito poucas vezes aos palcos no Brasil, e cuja história se desenrola no sétimo ano da Guerra de Tróia. Posso dizer que estou sempre a trabalhar! Mas o meu trabalho é de lazer e eu gosto muito do que faço.
Como é que olha para a nova geração de humoristas do Brasil? A comédia está entregue a boas mãos?
Toda esta nova geração de comediantes é ótima e isso até é uma surpresa, porque houve uma altura em que o Chico Anysio dizia: "De quem é que os meus netos vão rir?". Ele achava que não havia renovação no humor, mas eu sempre acreditei nas novas promessas. O [Marcelo] Adnet, por exemplo, é um ator extraordinário, além de ser um comediante muito bom e um escritor incrível.
Já disse que está sempre a trabalhar. Pondera vir a terminar a sua carreira e reformar-se ou pretende trabalhar para o resto da sua vida?
Gosto muito do que faço, por isso sempre senti prazer e sempre me senti realizado em tudo que fiz. Contudo, a minha primazia sempre foi e sempre será a televisão. Neste momento estou a dedicar-me à última temporada do Programa do Jô, mas não escondo que tenho em mente outros projetos para televisão. Isto porque, para mim, sabático não é um ano, mas sim descansar ao sábado.