Jerusalém: A santíssima cidade
Judaica
A memória de um templo que o tempo não apagou
"Que a paz desça sobre toda a casa de Israel", foi o pedido que Moshe Dayan, então ministro da Defesa de Israel, colocou numa fresta do Muro das Lamentações quando, a 7 de Junho de 1967, entrou pela primeira vez na Cidade Velha. Era a Guerra dos Seis Dias e, horas antes, os pára-quedistas israelitas tinham conquistado a cidade às forças do rei Hussein da Jordânia. Dayan, quando os jornalistas lhe pediram uma reacção à conquista da cidade, limitou-se a afirmar: "O nosso lugar mais sagrado voltou para as nossas mãos." O general referia-se ao Muro das Lamentações ou Muro Ocidental, lugar sagrado do judaísmo porque, acredita-se, é tudo o que resta do Templo.
No século X a.C., o rei Salomão, filho e sucessor do rei David, terá construído um templo em Jerusalém para guardar a Arca da Aliança, assim reza a Bíblia. Fê-lo no alto de uma colina, e era ali que os judeus ofereciam os seus sacrifícios religiosos. O santuário interior do Templo, denominado o Santo dos Santos, terá sido o local escolhido para colocar a Arca. Ali, só os Sumos Sacerdotes podiam entrar uma vez por ano, precisamente no Yom Kippur.
Mas Jerusalém era uma cidade cobiçada: a tradição e a história são nisso unânimes. Há historiadores que dão conta de que foi atacada 52 vezes, capturada outras 44 e destruída por duas vezes. É assim que no ano 586 a.C os babilónios saqueiam Jerusalém, destroem o Templo e deportam para a Babilónia parte da população do reino de Judá. A queda do Império babilónio às mãos dos persas significou o regresso a casa dos judeus e também a autorização, dada por Ciro, o Grande, para a reconstrução do Templo. Os trabalhos começaram no ano 537 a.C e só terminaram em 516 a.C, após um hiato de 17 anos e de a autorização ter sido ratificada por Dario, o Grande.
Cinco séculos depois, por volta do ano 20 a.C, Herodes procede a melhoramentos no Templo para onde os israelitas se encaminhavam, semanalmente, para orar. Mas nem um século mais tarde e na sequência da revolta judaica contra os romanos, o Templo é destruído no ano 70 por decisão do imperador. Uma revolta que, aliás, só terminaria três anos depois com a derrota dos que se haviam refugiado na fortaleza de Masada. Desde então, o Templo nunca mais foi reconstruído. Mas ficou o Muro das Lamentações ou o que resta do Muro (parede) Ocidental do Templo.
Com a conquista da Cidade Velha por Israel, em 1967, os judeus passam a ter acesso ao Muro das Lamentações, para onde se dirigem ao fim do dia de cada sexta-feira, quando se inicia o Sabbath - dia santo judaico. Ali, entre as frestas da velha parede, os judeus colocam bilhetes que contêm preces, agradecimentos, dirigidos ao Deus de Abraão.
Cristã
Uma igreja a assinalar o lugar da crucificação e da ressurreição
Anualmente, embora muitas vezes em datas diferentes, os cristãos celebram a paixão e morte de Jesus, o Crucificado. A Cidade Velha é a "jóia da coroa" de todo esse processo, daí que seja considerada santa para os cristãos que, quando visitam Jerusalém, se deslocam obrigatoriamente intramuros. É comum vê-los no Domingo de Ramos a assinalar a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, depois a fazer a Via Sacra ou "Caminho da Cruz", seguindo a par e passo pela Via Dolorosa, o percurso que, segundo a tradição, Jesus fez desde a varanda de Pilatos até ao Calvário, onde foi crucificado entre dois ladrões.
A santidade de Jerusalém para os cristãos, que está intimamente ligada à da cidade de Belém - onde, segundo a tradição, terá nascido Jesus - , tem início com o imperador romano Constantino, no século IV. Reza a história que a mãe de Constantino, Helena, terá sonhado - ou tido uma visão - com os locais onde Jesus fora crucificado e ressuscitara. E a mãe do imperador desloca-se a Jerusalém para identificar esses locais.
Foi esta viagem da, agora, Santa Helena que constituiu o ponto de viragem na classificação da cidade para os cristãos. É ela que impulsiona a construção da Igreja do Santo Sepulcro, no local onde existira um templo da deusa Afrodite. Hoje, a utilização do espaço, em pleno bairro cristão e que recebe milhões de visitantes, é partilhado por franciscanos, ortodoxos gregos, arménios, coptas, etc. A horas diferentes fazem a guarda ao túmulo de Cristo, recitam orações, realizam celebrações religiosas - a missa, no caso dos Latinos. De forma a que um grupo não incomode o outro. Mas, apesar de adorarem o mesmo Deus, nem sempre se entendem e, por vezes, chegam a vias de facto entre si por pequenos esquecimentos como o de deixar uma porta aberta. Essa terá sido uma das razões que levaram Saladino a entregar as chaves do templo a uma família muçulmana de Jerusalém, os Nusseibeh. Uma situação que se manteve até aos nossos dias, formalmente.
Defendendo a santidade da Cidade Velha, os cristãos argumentam que, se para os judeus Jerusalém é importante por causa do Templo, receptáculo da Arca da Aliança, para os cristãos foi ali que se consumou a Segunda e Nova Aliança de Deus com os homens: a vida de Jesus, Deus e filho de Deus, para salvar a humanidade. A diferença entre os cristãos de hoje - excepção feita aos palestinianos - e os muçulmanos e judeus é que os primeiros não exigem qualquer direito de soberania sobre a Cidade Santa. Para eles, a Jerusalém terrestre não tem o mesmo peso porque crentes numa Jerusalém celeste.
Muçulmana
Local onde Maomé ascendeu aos céus montado num cavalo
Ao fim da manhã de sexta-feira, as ruas da Cidade Velha - excepção feita às do bairro judeu - enchem-se de muçulmanos que se dirigem para a Oração no Nobre Santuário, ou, como é mais conhecido, Esplanada das Mesquitas, o terceiro lugar santo do islão.
O recinto, de 140 metros quadrados, encontra-se no topo do Muro das Lamentações e contém jardins, fontanários, um museu, um cemitério e duas mesquitas célebres: a de Al-Aqsa e a do Rochedo, com a sua cúpula dourada.
Construída durante o califado de Abd al--Malik ibn Marwan, entre os anos 685 e 705, a Mesquita do Rochedo, por vezes também erradamente denominada por Mesquita de Omar, é não só uma gema da arquitectura, mas, segundo a tradição islâmica, terá sido dali que Maomé ascendeu aos céus montado no seu cavalo. Daí a sua santidade e daí que, segundo vários autores, ela seja muito mais do que um templo: essencialmente é um santuário que protege o rochedo onde o cavalo se terá apoiado para dar o impulso que o fez ascender aos céus. Mas há também quem refira que Maomé, ao passar por Jerusalém, terá orado sobre a rocha que se encontra na cripta da Mesquita do Rochedo ou da Cúpula Dourada e, ali, terá recebido de Deus a orientação de que os muçulmanos teriam de orar cinco vezes ao dia.
Quem visita a Mesquita do Rochedo e tem a curiosidade de ir até à cripta, poderá sempre encontrar muçulmanas que, sentadas na rocha, oram: pedem a intercessão do Profeta, essencialmente, para conseguirem ter um filho que lhes garanta a protecção na velhice.
Em frente a esta mesquita, uma outra foi construída anos mais tarde. Trata-se da Mesquita Al-Aqsa, que hoje tem capacidade para receber 400 mil crentes em oração. A sua construção, segundo alguns autores, teve como objectivo forçar os muçulmanos de Jerusalém a voltarem-se para Meca quando em oração, porque muitos continuavam a preferir voltar-se para a Mesquita do Rochedo; o que se via ainda nos finais dos anos 60 do século passado.
Aquando da conquista de Jerusalém pelos cruzados, no século XI, as duas mesquitas foram utilizadas como igreja e palácio, situação a que Saladino pôs cobro quando reconquistou a cidade aos cristãos.
Um diferendo persiste entre muçulmanos e judeus quanto à Esplanada das Mesquitas, que os segundos denominam de Monte do Templo. Um grupo de judeus integristas, com base no facto de o recinto estar de alguma forma apoiado na parede ocidental do Segundo Templo, tem como objectivo reconstruir o Templo e, para tal, destruir as mesquitas. Mas, curiosamente, existe também um grupo de judeus religiosos que proíbe a entrada aos seus no recinto por receio de que pisem o que pode ainda restar do "Santo dos Santos".