Jerusalém. Uma encruzilhada de religiões a meia hora da experiência de flutuar no Mar Morto
Enquanto descemos as escadas depois de apreciarmos a beleza do Altar da Crucificação, na Igreja do Santo Sepúlcro, onde os cristãos acreditam que Cristo, depois de crucificado, foi sepultado e onde ressuscitou, ouve-se o muezzin a chamar os fiéis muçulmanos para a oração. Não longe dali, no Muro das Lamentações, centenas de judeus rezam de cabeça encostada ao último vestígio do Templo de David. Isto é Jerusalém. Uma encruzilhada de religiões, cidade santa para judeus, cristãos e muçulmanos, uma mistura que explica as tensões que tem vivido ao longo dos séculos.
Dividida em quatro bairros - arménio, cristão, judeu e muçulmano -, a Cidade Velha de Jerusalém abre-se a quem chega através da Porta de Jaffa, uma das oito passagens que historicamente davam acesso à cidade e que o sultão otomano Solimão, o Magnífico manteve quando reconstruiu a muralha no século XVI. Judeus ultraortodoxos com os chapéus negros, turistas de boné, militares, alunas de escolas ortodoxas de saias compridas, todos se misturam ali, ainda antes de se entrar nas ruelas ladeadas por lojinhas que vendem de tudo. Mas antes de se perder neste emaranhado, vire à direita em direção à Torre de David.
No topo, além da vista a 360 graus sobre a cidade a que os árabes chama Al-Quds, pode ouvir da boca de Gura Berger, a porta-voz do Desenvolvimento de Jerusalém Oriental que nos serve de guia, a história no feminino das Muralhas que rodeiam uma cidade que ao longo dos séculos foi conquistada pelos romanos, árabes, cruzados, mamelucos e otomanos, e isto sem ser lista exaustiva.
Mas não se deixe enganar pelo nome, a cidade de David, o rei que naquele primeiro milénio a.C conquista Jerusalém, fica situada um pouco mais abaixo. A cidadela que existe hoje data do período otomano. Foi construída no local de uma série de antigas fortificações dos períodos hasmoneu , herodiano , bizantino e muçulmano inicial, após ter sido destruída repetidamente durante as últimas décadas da presença dos cruzados na Terra Santa.
Dali, segue-se para o Muro das Lamentações. Com o calor a apertar, e passada a segurança, os homens seguem para a sua zona, as mulheres para a delas. Ali, entre algumas turistas, muitas rezam à sombra com um livrinho de orações na mão, outras estão encostadas ao Muro, afastando-se depois sem virar costas .
"Jerusalém é uma cidade mais religiosa, mais espiritual do que Telavive. Mas também se pode sair à noite, fazer compras, aproveitar a culinária israelita", garante Tal Laktush. E o responsável pelo marketing do Ministério do Turismo israelita garante que os turistas não se devem deixar amedrontar pelas notícias sobre insegurança no seu país. "Infelizmente estamos habituados a estes incidentes, mas mantemos a nossa vida normal", afirma.
Vista a partir do Monte das Oliveiras, a Cúpula da Rocha brilha ao sol do fim de tarde na Esplanada das Mesquita (Monte do Templo, para os judeus). Pela encosta abaixo, o cemitério judaico cobre-se de um brilho dourado. E Dina Shaked, a guia que nos acompanha nesta viagem, vai explicando no seu português de sotaque brasileiro dá mais um exemplo das tensões que a cidade vive: "Os judeus acreditam que a Porta da Misericórdia se vai abrir quando o messias chegar e os mortos que tiveram uma vida misericordiosa vão ressuscitar. Os cristãos acreditam que a Porta se vai abrir quando Jesus voltar. Talvez por isso à frente da porta haja um cemitério muçulmano, para os impedir de entrar", conta.
Mas claro que existe muito mais em Jerusalém para além da Cidade Velha, situada na zona Oriental da cidade, a parte árabe anexada por Israel em 1967. Toda uma cidade moderna e vibrante. E se não tiver tempo para mais nada, percorra a Jaffa Street, com os seus cafés animados e aproveite o fresco da noite para beber uma cerveja numa esplanada - arrisca-se a ter por vizinhança um grupo de jovens não binários e um casal de judeus ortodoxos.
Mal se sai de Jerusalém, depressa a paisagem se torna desértica. A autoestrada passa junto a tenda de beduínos, cujos rebanhos de cabras procuram a escassa erva por aquelas colinas. O destino é o Mar Morto, a menos de meia hora de carro. Mas primeiro, impõe-se uma paragem no sítio arqueológico de Qumran. Gerido por Israel e situado na Cisjordânia, foi neste local a 12 quilómetros da cidade palestiniana de Jericó que a partir de 1947 foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto.
Durante quase 2000 anos, a paisagem inóspita escondeu os mais antigos escritos que fazem referência à Bíblia Hebraica. Até que em 1947, um beduíno que percorria a região com o rebanho encontrou numa das cavernas , dentro de um vaso de cerâmica, os primeiros manuscritos. Nas duas décadas seguintes muitos mais foram encontrados, somando mais de 900 fragmentos de manuscritos. No sítio arqueológico podemos ainda hoje ver as ruínas de um antigo assentamento de essénios, comunidade judaica do período do Segundo Templo, que li viveu no século I a. C.
Depois de uma refeição leve no self-service do parque, destino: Mar Morto. A entrada na praia de Kalia custa 18 shekels (pouco mais de cinco euros) e as crianças até aos 13 anos não pagam, informa um cartaz à entrada. Segue-se uma série de edifícios em madeira. Entre restaurantes, bares e uns balneários para quem não veio equipado de casa, tudo recorda que ali é o local mais baixo da terra. "The Lowest Bar in the World", anuncia uma placa azul, explicando que os clientes que ali parem estarão a fazê-lo 420 metros abaixo do nível do mar.
Para chegar à praia em si, ainda é preciso descer mais uns degraus e uns dez metros. Nas cadeiras de plástico brancas, famílias muçulmanas, com mulheres de lenço e todas tapadas, convivem com raparigas de biquíni. Mas é na água que está a surpresa para quem nunca entrou no Mar Morto. Com vista para a Jordânia, na outra margem, entramos numa água morna, quase quente, e a sensação é de sermos uma rolha. Flutuamos! Com uma concentração de sal quase dez vezes superior à media dos oceanos, este lago (na verdade é isso que é) enfrenta o perigo de desaparecer, com o nível de água a baixa um metro e meio todos os anos. Um problema que preocupa as autoridades locais, que procuram soluções. Mas entretanto não falta quem se queira deliciar com os efeitos dos seus minerais e cobrir-se da sua lama, aproveitando os benefícios para a pele.
Só um alerta: cuidado com os salpicos para os olhos. Ardem mesmo. E não se esqueça que não pode limpar com a mão: só vai fazer pior! À saída, passagem pelos chuveiros para retirar tanto sal e lama. E quem quiser, ainda pode comprar uma frasquinho para levar para casa.
Viajar para Jerusalém, faz-se através do aeroporto Ben Gurion, quase a meio caminho entre esta cidade e Telavive. A opção mais prática é na TAP, com voos diretos que o levam de Lisboa a Israel em pouco mais de cinco horas. Mas se quer evitar surpresas no regresso a casa, não se esqueça de chegar bem cedo ao aeroporto porque as filas, entre check-in e controlos de segurança, arriscam-se a ser demoradas.
O DN viajou a convite do Ministério do Turismo de Israel