Jerónimo: "Ninguém é insubstituível. A lei da vida não perdoa"

Com 75 anos e quase 18 como secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa recusa-se a apontar uma data concreta para a substituição, mas avisa que "a lei da vida não perdoa a ninguém" e, por isso, "um dia será".
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O secretário-geral do PCP alerta que "ninguém é insubstituível" e garante que não irá esperar por qualquer reparo crítico relativamente à idade para deixar o cargo, porque está ciente de que "a lei da vida não perdoa".

"Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível", acentuou Jerónimo de Sousa, em entrevista à agência Lusa a propósito da conferência que irá em novembro reenquadrar os objetivos do partido para o futuro.

Com 75 anos e quase 18 como secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa recusa-se a apontar uma data concreta para a substituição, mas logo a seguir avisa que "a lei da vida não perdoa a ninguém" e, por isso, "um dia será".

Antes de precisar que "o fator determinante" será a avaliação das "condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2.000 quilómetros num fim de semana", o dirigente comunista garante que "a direção do partido olhará, acompanhará, verificará" a passagem do testemunho.

"Eu, no caso concreto, tenho a ideia de que a vida tem um desfecho e que não deveria, enfim, esperar por qualquer reparo crítico em relação à idade", admite, aproveitando para esclarecer logo de seguida: "aqui o fator fundamental é de facto a saúde".

"A saúde é um elemento central, por muitos planos, programas, ideais, sonhos, tudo isso que a vida comporta, há uma coisa que é implacável, que é a lei da vida", afirmou, assegurando que dará a sua contribuição quando o PCP "considerar chegado o momento de uma substituição, de forma tranquila, mantendo a coesão do partido".

Até chegar o momento, Jerónimo promete continuar a desenvolver o trabalho que o PCP lhe exige, inclusivamente o de participar na escolha do seu sucessor.

Daí "ser eu também a decidir e a propor essas possíveis alterações do secretário-geral. Podíamos estar a falar da Comissão Política, do Secretariado, do próprio Comité Central", assinala.

"Vou continuar a trabalhar, a dar o meu melhor, mas qualquer decisão tem a minha participação", sublinha, advertindo logo a seguir: "No meu partido não existem militantes de diversas categorias, existem militantes com diversas responsabilidades".

E a responsabilidade é "muito exigente", pelo que "neste momento o fator determinante está a ser de facto as condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2.000 quilómetros num fim de semana", reitera Jerónimo de Sousa.

O PCP não despediu funcionários apesar da redução da subvenção do partido resultante da diminuição do número de deputados no parlamento depois das eleições legislativas, como aconteceu com o BE, assinalou o secretário-geral comunista.

Jerónimo de Sousa foi questionado sobre os despedimentos de funcionários no BE e se o mesmo aconteceu no PCP. O dirigente comunista foi taxativo na resposta: "Nós não despedimos."

"Fizemos um esforço e, no essencial, mantemos o conjunto de quadros com responsabilidades no partido [...], as receitas vêm dos próprios militantes e dos seus eleitos, como é sabido, e evitamos o despedimento", concretizou o secretário-geral do PCP.

E enfatizou de seguida: "Não encontrámos nenhum solavanco depois das legislativas, é um partido diferente."

Jerónimo de Sousa considerou "ser evidente" que há vínculos laborais diferentes, por exemplo, durante as campanhas eleitorais são necessários "quadros a tempo inteiro, em part-time, para darem uma contribuição técnica".

"Há essa realidade de, por exemplo, fazer um contrato de seis meses, mas não despedir. É a nossa palavra de ordem [...], as exceções devem ser consideradas com respeito, com clareza, onde cada um sabe o pé em que está", reforçou.

Aos 75 anos, Jerónimo de Sousa é o deputado que há mais tempo está em funções na Assembleia da República e foi deputado à Assembleia Constituinte no pós-25 de Abril. No entanto, não esquece o início como metalúrgico e é assim que quer ser visto quando se reformar.

"Um dia serei reformado, se tiver tempo, com bonificação por um lado, e um subsídio vitalício pelo outro e uma coisa que olhos nos olhos vos digo é que o compromisso que tenho com o meu partido é nem ser beneficiado, nem ser prejudicado. A carreira profissional de metalúrgico evoluiu, fui sempre acompanhando o meu salário com essa realidade e um dia vou reformar-me com a reforma de um operário qualificado na metalurgia", concluiu.

O secretário-geral do PCP admite sentir uma "mágoa política" com António Costa, pelo que disse ser uma "oportunidade perdida" para o país, e considerou que o Presidente da República "deveria ter mais prudência" nas declarações que faz.

"A minha maior desilusão foi ver que havia uma excelente oportunidade para resolver algumas questões no plano imediato que se colocavam ao povo e ao país e essa oportunidade foi perdida, na medida em que se isso se tivesse concretizado Portugal hoje estaria melhor", sustenta Jerónimo de Sousa.

"Fica esta mágoa, só política", confessa, mas no plano pessoal a relação com o primeiro-ministro é "coração ao alto".

A relação com o secretário-geral do PS e antigo parceiro da "geringonça", que vigorou entre 2015 e 2021, não sofreu "qualquer alteração" depois da cisão, em outubro de 2021, que acabou com o voto contra do PCP e chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022.

O impasse entre o Governo socialista e os parceiros à esquerda levou à dissolução do parlamento pelo Presidente da República, que convocou eleições legislativas antecipadas para janeiro de 2022, nas quais o PS alcançou a maioria absoluta.

Na altura, o PCP justificou a rejeição da proposta orçamental, - em contraste com a posição que tinha tido desde 2015 quando ajudou a viabilizar o primeiro Orçamento de Costa - com a "recusa" do executivo em ceder na caducidade da contratação coletiva e no aumento de salários e pensões.

Contudo, para Jerónimo de Sousa essas questões ficam no plano político: "Não posso viver de emoções próprias."

Deputado à Assembleia Constituinte, o líder do PCP foi também questionado sobre a atuação de um outro deputado constituinte, Marcelo Rebelo de Sousa, que é hoje Presidente da República.

"Não se pode acusar este Presidente da República de não ter cumprido a Constituição", começa por dizer Jerónimo de Sousa, que critica, no entanto, a postura do chefe de Estado de "meter-se em assuntos onde deveria ter mais prudência".

Recentemente o Presidente da República foi amplamente criticado por partidos políticos e sociedade civil pelas declarações que proferiu sobre os 424 casos de abusos sexuais de menores na Igreja Católica. Marcelo Rebelo de Sousa considerou que não eram "um número muito elevado", mas, mais tarde, esclareceu o que tinha dito e disse acreditar que o número é ainda maior.

Sobre esse assunto, o secretário-geral do PCP julga que o Presidente da República "foi descuidado", pela "própria sensibilidade" da questão dos abusos sexuais.

"Acho que Marcelo Rebelo de Sousa precipitou-se, quando se tem uma inteligência fulgurante, às vezes dá para o torto", completou.

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