Javier Milei e o mundo

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A esmagadora vitória de Javier Milei representou um grande cataclismo na política argentina, dada a magnitude da derrota do peronismo governante. Contudo, os seus efeitos não se sentem apenas dentro das fronteiras do país, mas também muito além. Na verdade, a onda de choque da mudança chegou a praticamente toda a América Latina e até fora da região.

Entre as declarações mais polémicas do presidente eleito está a de que não iria ter relações com governos "comunistas" ou a sua dura condenação ao autocrata Putin e à invasão russa da Ucrânia. Portanto, faz sentido perguntar como a sua eleição afetou o equilíbrio de forças regional entre os governos autodenominados "progressistas" e aqueles outros de direita ou centro-direita, e também quais serão as linhas mestres da nova política externa argentina, que certamente haverá. Dois centros de interesse serão o Fundo Monetário Internacional e o Vaticano, partindo das difíceis relações com o Papa Francisco.

Uma troca de tweets entre dois presidentes latino-americanos, o colombiano Gustavo Petro, e o salvadorenho Nayib Bukele, ilustra claramente o clima atual. Se Petro postou: "Ganhou a extrema-direita na Argentina. É a decisão da sua sociedade. Triste para a América Latina... O neoliberalismo já... não pode responder aos problemas da humanidade", a resposta de Bukele não foi menos contundente: "Agora diga-o sem chorar."

Esta troca de opiniões mostra a profunda fragmentação que afeta a América Latina. Com isto em mente, não há dúvida de que a presença de Milei terá um grande efeito tanto no Mercosul como na CELAC. No Mercosul, a dupla Alberto Fernández - Lula da Silva era suficiente para travar o Paraguai e o Uruguai, com Governos muito mais inclinados para a direita. Isto supõe uma nova realidade para a organização, que verá o Brasil mais isolado. A proximidade de Milei com Jair Bolsonaro é outro motivo de preocupação para Lula, que apoiou ativamente a campanha de Sergio Massa. E apesar de ter felicitado o vencedor de domingo, não o mencionou pelo nome.

Na CELAC, as discussões internas serão acaloradas, com um Governo mais disposto que o seu antecessor a criticar as violações dos Direitos Humanos pelas ditaduras de Cuba, Nicarágua e Venezuela ou até a aproximar-se dos EUA. A Organização de Estados Americanos (OEA) será outro âmbito onde a mudança de administração terá importantes repercussões.

A maior sintonia com os Estados Unidos, que aumentará se vencer Donald Trump dentro de um ano, vai notar-se na posição da Argentina em relação à Ucrânia, tendo presente os esforços do atual Governo por manter uma difícil neutralidade. De facto, a felicitação do Kremlin a Milei, que assinalava o desejo de aprofundar os laços entre os dois países, foi acompanhada de uma dura advertência, prova do receio de Putin pela mais que provável mudança de rumo: "Estamos à espera de que se aclarem muitas questões que afetarão as relações bilaterais."

O novo Governo não terá vida fácil. A ministra de Negócios Estrangeiros designada, Diana Mondino, terá de apagar numerosos fogos. Para isso, contará com a ajuda do ex-chefe da diplomacia Jorge Faurie, assessor da ministra e muito conhecido da sociedade portuguesa, depois dos seus anos como embaixador em Portugal. Da luta entre o discurso e os factos, ou entre o desejo e a realidade, sairá o rumo da política externa de Javier Milei.

Catedrático de História da América da UNED (Universidade Nacional de Educação à Distância)
e Investigador principal do Real Instituto Elcano

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