Jason Bourne sozinho contra a América vigilante
O novo Bourne é o quinto da série mas, na verdade, o quarto com Jason Bourne. Depois de O Legado de Bourne, de Tony Gilroy, em 2012, os produtores sentiram que era importante voltar à personagem de Bourne, Jason Bourne, ou seja, trazer de volta Matt Damon. O problema, claro, era convencer o ator para mais uma sequela. Foram precisos dois anos e receitas não muito estrondosas de O Legado de Bourne, com Jeremy Renner a fazer de Aaron Cross, um colega de Jason, para Paul Greengrass e Matt Damon voltarem a Bourne, nove anos depois de Ultimato, o último filme da série.
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Este Jason Bourne, sem título para além do nome do agente em dissidência com CIA, é bem capaz de não ter grandes novidades narrativas mas conserva a identidade dos filmes anteriores, solidificando-se como um imenso espetáculo de verão. Um filme de ação para adultos com memória de filmes de espionagem mas com o uptade da situação política atual. O mundo mudou desde 2007 e, desta vez, há menções a Edward Snowden, aos gigantes da indústria das redes sociais e às crises sociais da velha Europa (bem curiosa e engenhosa forma como os protestos da Grécia são condensados na intriga). Mas é sobretudo uma história que coloca o dedo na ferida na maneira como a CIA e as forças globais de segurança atuam, em especial na maneira como estamos todos controlados e vigiados. De certa forma, mesmo com todo o aparato de entretenimento, Jason Bourne, é um filme de protesto contra a sociedade da vigilância. Bourne, agora com memória e outra consciência é um soldado da liberdade, um cavaleiro independente contra os sistemas opressivos. Filme anti-repressão judicial? Talvez não cheguemos a tanto mas há uma ficção que questiona abusos de poder e crimes do Estado.
Bourne está agora com a memória de volta e quer vingar-se de quem o levou para um "programa" científico que o tornou numa máquina de matar, num soldado perfeito. Como cúmplice volta a ter ajuda de Nicky, a sua aliada de sempre, agora do lado das sombras a tentar denunciar crimes de elementos ligados à CIA e Heather Lee, uma nova recruta da CIA, especialista em localizar informaticamente pessoas.
Entretenimento e comentário político
Paul Greengrass, um cineasta do realismo extremo que continua a filmar a mil à hora e quase sempre com câmara nervosa e à mão, não se esquece de entreter, mesmo quando está a ter posições políticas. Jason Bourne continua a ter perseguições que parecem verdadeiras, um ritmo alucinante e tudo o que havia de bom nos filmes anteriores. Hoje em dia, não vamos encontrar "thrillers" deste género feitos de forma tão séria - é aí que se afasta mais de James Bond se quisermos entrar em comparações. A franchise de Bourne não precisa de alívios cómicos nem de vilões vistosos. Tem a ver com o atual caos do mundo.
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Em matéria do género do filme de espiões e de agentes secretos, Greengrass consegue aquele efeito do "nunca dantes visto" e que é, isso sim, do domínio da demência, explicitado na sequência de Las Vegas, prestes a ficar antológica. Aqui não há queixas a fazer, não há nada errado. A urgência que conhecíamos do seu cinema com filmes como Capitão Philips (2013) ou o imprescindível United 93/Voo 93 (2006) permanece intacta.
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Quanto aos atores, para além do "número Matt Damon", há uma recém-oscarizada Alicia Vikander que dá muito nas vistas com uma personagem de uma complexidade fascinante (repara-se como ela passa o filme todo a olhar para monitores) e dois vilões com uma sobriedade penetrante, os de Vincent Cassell e Tommy Lee Jones, ambos captados com uma câmara que os regista em movimento, seja através de um close-up, seja através de um plano distante.
Dê por onde der, vemos o filme de coração na boca, com a respiração suspensa...