James Franco - O verdadeiro artista total

Em vésperas de estrear o seu último filme, <em>127 Horas</em>, de Danny Boyle, e de apresentar na próxima semana a cerimónia dos Óscares, o actor que também está nomeado para o Óscar de melhor actor, diverte-se com esta euforia em seu redor. James Franco é, mais do que nunca, uma estrela pop, poeta, escritor, iconoclasta, artista plástico, realizador e grande actor. Para descobrir nesta conversa em Berlim.
Publicado a
Atualizado a

Estar no topo do mundo para James Franco é, afinal, uma reflexão sobre os limites do actor. Sim, o actor de ascendência portuguesa aceitou apresentar a cerimónia dos Óscares por motivo de desafio intelectual. Como um teste. Ele intelectualiza tudo. Está em causa a capacidade de percepção da sua imagem, levando-a a uma popularidade globalizada para mais tarde proceder a desafios de desmontagem. Esta sua fase de superestrelato foi programada ao milímetro. Franco quer desafiar o conceito de superestrela, quer baralhar coordenadas.

Tornou-se estrela de cinema e símbolo sexual ao mesmo tempo em que já era actor de cinema respeitado (já tinha feito os discretos Sonny e Tristão e Isolda). Uma provocação que é talvez um número de agitação de cultura pop. Fazer o que não se deve fazer em Hollywood. Ir a todos os extremos do jogo de identificação de uma celebridade no showbizz internacional. E ele ama teorizar sobre esta aposta na ascensão de star: «Recentemente interpretei dois homens gay e não tenho medo nenhum que me ponham um rótulo em Hollywood. O pior que me pode acontecer é alguém começar a dizer que sou gay, o que para mim nem é um problema. Já agora, quem disser isso está enganado... Mas estou a marimbar-me. Não me importo de fazer cem papéis gay se eles forem bons. Um beijo é apenas um beijo.»

Os papéis de gay são o do namorado de Harvey Milk, em Milk, e o do poeta de uma geração, Allen Ginsberg, em Howl, de Jeffrey Friedman e Rob Epstein, com estreia já confirmada para Portugal. Franco voltou há pouco a fazer um gesto artístico queer ao aceitar ser capa da Candy, revista de culto de transformismo, vestido de mulher. Para este artista vale tudo. E vale também ser galã num filme para senhoras como é Comer Orar Amar, ao lado de Julia Roberts. O papel que ninguém pensava que aceitasse.

Depois, tem também o filme que lhe deu a nomeação para o Óscar, 127 Horas (estreia dia 24 em Portugal), de Danny Boyle, a história de um montanhista que fica preso 127 horas numa fenda rochosa no deserto do Moab, no Utah. Uma interpretação tour de force que nos mostra um actor com mil e um registos de intensidade. Como se ainda não bastasse, em 2010 realizou duas curtas e um documentário, e este ano tem dois projectos de longas-metragens baseados em personagens reais.

Além de tudo isto, o ano passado foi visto na histórica novela da televisão americana, General Hospital, produto televisivo onde nunca são vistos ilustres de Hollywood. Supostamente, terá entrado como intervenção de performing art - interpretava um pintor (e a pintura já foi um dos seus meios de expressão). Um conceito muito à frente, sobretudo porque depois chegou a realizar uma exposição num museu de arte contemporânea de Los Angeles sobre a sua participação na série. Convém apenas informar que foi o próprio quem pediu para participar e sem cachet superior ao resto dos outros desconhecidos actores.

«Tudo nasceu de uma conversa com um amigo: e se eu entrasse numa novela? As novelas são vistas como uma espécie de entretenimento menos conceituado. Na verdade, não considero este tipo de produtos assim tão mau. Muitos filmes considerados entretenimento legítimo são tão melodramáticos como General Hospital - a única diferença é que têm orçamentos maiores... Quis explorar isso. Depois de pedir para ser convidado, pediram-me para escolher que tipo de personagem queria. Escolhi apenas que fosse louco e artista. A reacção do público foi enorme! As pessoas ficaram surpreendidas e eu fiquei surpreendido», conta.

Quanto à fama de ser um dos mais talentosos actores americanos da sua geração, o californiano defende que faz tudo parte de um jogo de contextos: «Uma interpretação depende de uma série de factores. Estamos muito dependentes da edição, do realizador e do próprio director de fotografia. Por isso é que tantos actores soam tão bem num filme e noutro, logo a seguir, parecem cabotinos. Há muitas variáveis numa obra de cinema até chegar ao resultado final. É muito difícil levar a sério quem julga os actores. Antes, cheguei a levar este ofício demasiado a sério. Em Homem-Aranha interpretava um tipo cujo pai era morto por um homem de collants e não me ria com isso. Para aquela personagem, aquilo era muito real e tentei representá-lo segundo o tom do filme. Fiz o mesmo para Tristão e Isolda, filme de que muita gente não gosta. Por incrível que pareça, preparei-me para o papel cerca de 12 meses!»

Mais escondida, a sua faceta como escritor também está em alta. O seu livro de contos Palo Alto foi lançado o ano passado, o mesmo ano em que fez um doutoramento em Poesia na Universidade de Columbia. Sobre o estado da poesia contemporânea nos EUA, James Franco é taxativo: «Hoje em dia é complicado os poetas terem reconhecimento. É mesmo assim... Pessoalmente, creio que existem grandes poetas nos EUA.»

Como artista total, a videoarte é também uma das suas prioridades, nomeadamente nas instalações que tem feito com o artista Carter, algumas das quais já exibidas em locais consagrados como o MoMA, em Nova Iorque. «É aqui que me sinto mais livre, é aqui que sinto que estou numa plataforma de arte. Como actor, o meu trabalho é servir o cineasta, ainda que também possa ter alguma liberdade. Na escrita e nas peças artísticas, como sou criador, claro que tenho maior liberdade», explica com uma simplicidade desarmante. E lembra: «Cheguei a pensar em desistir de ser actor. Pode-se dizer que o trabalho é uma coisa e a identidade outra, mas quando percebi que ser actor estava a consumir todo o meu tempo, o trabalho estava a ficar completamente conectado à minha carreira. Não queria isso, por isso, voltei a estudar. Ao fim e ao cabo, tinha outros interesses e percebi que ser actor poderia ser apenas um emprego. Agora, tenho um outro lado na minha vida: não dependo apenas da representação.»

Emprego ou não, o homem não pára. Surge em jeito de brincadeira a fazer de mauzão ridículo em Green Hornet, já em exibição, e depois de o vermos em 127 Horas e Howl, tem já prontos Real Desatino, com Natalie Portman, e Rise of the Apes, o regresso ao franchisePlaneta dos Macacos. Fala-se que também poderá vir a ser James Dean (já o foi uma vez num telefilme nomeado para os Emmys) num filme artístico para o artista plástico Douglas Gordon. James Franco não quer abrandar. A ver onde isto do megaestrelato vai dar... Certo e garantido é que a sua presença nos Óscares como apresentador vai ter muito de arte performativa. E esperemos humor, nomeadamente na questão da sua própria nomeação para melhor actor...

Nome português

O apelido Franco é português. O avô paterno do actor é de ascendência açoriana, cruzado com raízes suecas. Para a mistura ficar mais interessante, a avó era emigrante judia vinda da Rússia. Conforme confirmou à NS", James Franco nunca esteve em Portugal, ainda que sinta alguma curiosidade de conhecer as ilhas dos Açores, mesmo não sabendo uma palavra da língua de Camões. Mas tempo é algo que não lhe vai sobrar. Além dos filmes, tem encontro marcado na Broadway com Nicole Kidman para uma nova versão de Sweet Bird of Youth (Corações na Penumbra), de Tennessee Williams, anúncios para marcas globais, mais aulas de Poesia na Universidade de Yale e, claro, um novo bar muito trendy em Los Angeles para gerir.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt