Jair Bolsonaro, 66 anos, procura partido para relação séria

Sem filiação, depois de romper com o PSL e de não ter conseguido lançar o Aliança Pelo Brasil, o presidente hesita entre juntar-se a uma formação que controle, mas pequenina, ou a uma forte, onde não mande. Com Lula na corrida, não há tempo a perder
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A 15 de novembro de 2019, Jair Bolsonaro recebia dezenas de convidados, alguns com t-shirts de homenagem ao torturador Brilhante Ustra, num hotel de luxo de Brasília para, sob o slogan "Deus, Pátria, Família", anunciar a fundação do Aliança Pelo Brasil, partido esculpido à sua imagem. Um ano e meio depois, como o Aliança recolheu apenas uma ínfima parte das assinaturas necessárias para arrancar, o presidente brasileiro procura, às pressas, uma formação que abrigue a sua recandidatura em 2022. "Já estou atrasado", admitiu.

"Espero que ainda neste mês eu resolva, abril de 2021 está bom como prazo para definir. O duro foi quando eu me candidatei, em 2018, e acertei em março do ano da eleição, em cima da hora", disse Bolsonaro na segunda-feira.

A decisão pela criação do nado-morto Aliança em novembro de 2019 surgiu da rutura de Bolsonaro, um mês antes, com o Partido Social Liberal (PSL), pelo qual ganhara as eleições de 2018. E essa rutura surgiu, por sua vez, de uma resposta agressiva do presidente a uma pergunta de um apoiante sobre Luciano Bivar, o líder do PSL, acusado de corrupção na campanha eleitoral por promover candidaturas femininas falsas. "Esse cara 'tá queimado", afirmou Bolsonaro.

Revoltado, Bivar contra-atacou: disse que o PSL "não é um grémio estudantil", precipitou a saída de Bolsonaro e ajudou a transformar deputados do partido até então bolsonaristas ferrenhos, como Joice Hasselmann, Delegado Waldir ou o entretanto falecido Major Olímpio, em anti-bolsonaristas convictos.

Hoje em dia, por estranho que possa parecer, o grupo parlamentar do PSL abriga alguns dos apoiantes mais fervorosos de Bolsonaro (como o seu filho Eduardo, por exemplo) e parte dos opositores mais veementes do governo.

Mas como, conforme dizia Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais de 1961 a 1966, "a política brasileira é uma nuvem, você olha e está de um jeito, olha de novo e já mudou", o regresso ao PSL, mesmo ainda sob a liderança de Bivar, é considerada a alternativa mais forte para Bolsonaro neste momento, de acordo com a imprensa brasileira.

"Bolsonaro voltar, para mim, seria o melhor dos mundos. O PSL só se tornou grande graças ao Bolsonaro. O partido tem quer ser a formação do presidente. Teremos estrutura para disputar a eleição e reelegê-lo. Contudo, temos que fazer uma depuração e expurgar os traíras [traidores] que se elegeram de forma oportunista em 2018", disse ao DN Carlos Jordy, deputado do PSL que se enquadra na definição "apoiante fervoroso do governo".

Mas o DN ouviu também o deputado Junior Bozzella, presidente do PSL no estado de São Paulo e vice-presidente nacional do partido, expoente da ala que rompeu com Bolsonaro. "Cada vez fica mais evidente que o PSL não é uma opção para Bolsonaro. O PSL é uma força com ideais liberais e republicanos, que preza pela democracia e pelas instituições democráticas, valores dos quais o Bolsonaro está cada vez mais afastado".

"Ele quer reeleger-se presidente da República em 2022, para isso é preciso ser candidato e para ser candidato tem que estar filiado a um partido mas ninguém quer o ónus de filiar o presidente responsável pela catástrofe em que se transformou a pandemia no Brasil", concluiu Bozzella.

A possibilidade de um regresso ao PSL, que se tornou uma potência, ao passar de um (em 2014) para 53 deputados (em 2018) surfando a onda bolsonarista, é fruto da mudança de estratégia do presidente face à provável candidatura de Lula da Silva.

Para se contrapor ao candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), que recuperou os direitos políticos e já lidera as sondagens, Bolsonaro precisa de um partido com base forte, finanças sólidas e tempo de antena generoso na televisão e na rádio, até porque os ataques virtuais e as fake news da propaganda digital bolsonarista, decisivos em 2018, vão estar, em 2022, sob escrutínio muito mais intenso das autoridades.

Em janeiro, antes da reentrada de Lula na política ativa, o presidente não se preocupava com a dimensão da força política que o abrigasse: afirmava estar "namorando um partido para ser dono", isto é, uma formação minúscula onde pudesse pôr e dispor das direções estaduais e aprovar ou rejeitar os candidatos ao Congresso, como fez há três anos no então pequenino PSL.

"Se for para o PSL, o jogo virou: agora é o partido quem faz exigências. Bolsonaro estuda se vai aguentar obedecer mais do que mandar", resumiu o colunista Igor Maciel, no Jornal do Commercio, de Pernambuco.

Um partido pequeno e maleável ou um grande e rígido? Bolsonaro tem pressa, diz ele, mas o politólogo Paulo Baía disse ao DN que não há razão para tanto. "Creio que ele acabará por escolher o partido só no início de 2022 porque é conveniente para ele ficar sem partido o maior tempo possível". "E quando escolher deve optar pelo regresso ao PSL ou pelo PTB...", arrisca.

Num país com 33 partidos representados no Congresso, fora os demais, o menu que se apresenta a Bolsonaro, um político que em 30 anos de carreira já passou por PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL, é amplo e variado.

"Eu tenho que dar um passo bastante seguro, há vários partidos, o da Mulher também está conversando comigo", disse Bolsonaro, referindo-se ao pequenino Partido da Mulher Brasileira (PMB), em entrevista, no início do mês passado, à CNN Brasil, quando a estratégia ainda era encontrar o tal "partido para ser dono". Além do PMB, o presidente negociou com DC e PMN, ambos também sem representação parlamentar.

Em paralelo, há negociações em curso com partidos grandes e ricos, como o PL (42 deputados), o PP (40) ou o Republicanos (32), a que pertencem dois seus três filhos políticos (Flávio e Carlos). E com formações médias, como o PTB (11), o PSC (10) ou o Patriota (6).

Todos eles, porém, têm ligação à chamada "velha política", da qual Bolsonaro se quis diferenciar em 2018, além de estarem pouco ou nada inclinados a deixar o presidente moldá-los aos seus interesses.

"Existe uma identidade muito grande com o presidente mas nós não temos como, hoje, trocar o comando dos estados...", advertiu Ciro Nogueira, líder nacional do PP (sigla de Partido Progressista), ao qual Bolsonaro esteve vinculado no passado por 11 anos, deixando claro que não permitirá ao presidente chegar e ser "o dono" do partido.

Os Progressistas são, por outro lado, um dos pilares do chamado "Centrão", conjunto de partidos assumidamente clientelistas que apoiam o governo em exercício em troca de cargos e fatias do orçamento, além da formação mais visada da Operação Lava-Jato. Se aceitar voltar ao partido, Bolsonaro perde o discurso antipolítica tradicional que o alçou ao Planalto em 2018.

O PL (sigla de Partido Liberal) é outro desses pilares, sendo que o seu presidente Valdemar Costa Neto, cometeu a proeza de ter sido preso no Mensalão e envolvido no escândalo do Petrolão. Ora, Bolsonaro elegeu-se sob o pretexto de ser um paladino da luta contra a corrupção.

O PTB (sigla de Partido Trabalhista Brasileiro) é dirigido por mais um condenado do Mensalão, Roberto Jefferson.

Já o Republicanos é considerado o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, liderado por um bispo, Marcos Nogueira, da controversa denominação evangélica. E o PSC (sigla de Partido Social Cristão) é ligado à também neopentecostal Assembleia de Deus. Bolsonaro trafega bem entre os protestantes brasileiros.

O Patriotas, finalmente, é a formação pela qual o bizarro candidato Cabo Daciolo concorreu às presidenciais de 2018.

Agora, cabe a Bolsonaro escolher.

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