Jacques Delors. O Senhor Europa que perdeu a oportunidade de ser presidente de França

Presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995, o socialista ficou associado a algumas das mudanças - do euro a Schengen, ao Erasmus - que levaram a uma União Europeia como a conhecemos hoje. Morreu esta quarta-feira aos 98 anos.
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Entre 1985 e 1995, nos dez anos em que presidiu à Comissão Europeia, Jacques Delors construiu os contornos da União Europeia como a conhecemos hoje. Criação do mercado único, assinatura dos Acordos de Schengen, Ato Único Europeu, lançamento do Programa Erasmus, reforma da Política Agrícola Comum, início da construção da União Económica e Monetária que lançou as bases para o euro, são muitos os legados do Senhor Europa, que morreu esta quarta-feira aos 98 anos.

"Morreu esta manhã na sua casa em Paris, enquanto dormia", anunciou à AFP Martine Aubry, presidente socialista da Câmara de Lille e filha de Delors.

Nome incontornável da esquerda francesa, Jacques Delors frustrou as esperanças desta ala partidária ao recusar apresentar-se às eleições presidenciais de 1995 em França. Na altura, era favorito nas sondagens e chocou uma parte do eleitorado com um anúncio televisivo visto por mais de 13 milhões de franceses. "Não tenho arrependimentos", mas "não digo que tenha tido razão", afirmava ao Le Point em 2021, esclarecendo: "Estava demasiado preocupado com a independência e sentia-me diferente dos que me rodeavam. A minha forma de fazer política não era a deles." Mas pouco antes de morrer confiaria ao Le Monde: "Por vezes, sim, arrependo-me de não ter ousado. Talvez estivesse errado."

Filho único, nascido sete anos após o final da I Guerra Mundial, Jacques Delors cresceu numa Paris em que ainda se podia jogar à bola na rua com os amigos. Aluno aplicado, queria ser jornalista, cineasta ou mesmo costureiro, como escreve o seu biógrafo Gabriel Milesi. Adolescente quando começou a II Guerra Mundial, ao terminar o Secundário, o pai, Louis, cobrador de dívidas no Banco de França convence-o de que "não há nada melhor" do que trabalhar ali.

O jovem aceita a sua sina, não sem continuar a praticar basquete, montar um cine-clube ou militar na Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos. Mas é no banco que conhece a mulher, Marie, uma basca com uma fé cristã tão forte como a dele, com quem tem dois filhos, Martine, em 1950, e Jean-Paul, três anos depois.

O sindicalismo vai servir-lhe de trampolim para a política, tendo trabalhado com o primeiro-ministro Jacques Chaban-Delmas. No Partido Socialista vai juntar-se à corrente de François Mitterrand, sendo nomeado ministro da Economia e Finanças em 1981. Quatro anos depois, apoiado por Mitterrand e pelo chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, chega à presidência da Comissão Europeia.

É nessa condição que está em 1985 nos Jerónimos na cerimónia de assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), ao lado do então primeiro-ministro português Mário Soares.

Terminados os seus dois mandatos à frente da Comissão ,e depois de renunciar a candidatar-se às presidenciais de 1995 em França, que na segunda volta viram Jacques Chirac derrotar o socialista Lionel Jospin, Delors acaba por se afastar da vida pública, tendo em 2004 publicado as suas memórias (Memórias, editado em Portugal pela Quetzal editores).

Algo que não o impediu de continuar a defender até ao fim o reforço do federalismo europeu, pedindo mais "audácia" durante as negociações para o Brexit ou perante os ataques dos "populistas de toda a espécie".

Na hora da morte foi alvo de um coro de elogios. O presidente francês, Emmanuel Macron, enalteceu Delors como "incansável artífice da Europa", que "lutou pela justiça humana". A atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reagiu em comunicado, afirmando: "Todos nós somos herdeiros da obra de vida de Jacques Delors - uma União Europeia dinâmica e próspera. Jacques Delors forjou a sua visão de uma Europa unida e centrada no seu empenho na paz durante as horas sombrias da II Guerra Mundial."

Também o português Durão Barroso, que presidiu à Comissão Europeia entre 2004 e 2014, lembrou que,com a morte de Delors, a Europa perdeu "um dos seus mais extraordinários líderes. Alguém que combinava os pequenos passos da integração europeia com o ideal de uma Europa unida". E o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa emitiu uma nota em que afirmou: "É um Homem com letra grande que nos deixou hoje."

O Governo português vai decretar um dia de luto nacional - "a data será fixada oportunamente, por coordenação europeia ou no dia do funeral", lê-se na nota divulgada pelo gabinete de António Costa.

Com agências

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