Jacinta da Esperança, bebé sobrevivente que a insurgência batizou
Aida Cisto passou três dias em fuga, exausta, pelo mato em redor de Palma, sem nunca deixar de amamentar a filha de um mês, Jacinta da Esperança.
Sobreviveram e chegaram hoje são e salvas a Pemba entre os primeiros grandes grupos de população deslocada após o ataque à vila, junto ao megaprojeto de gás do norte de Moçambique.
Dificilmente o nome podia ser mais ajustado face ao terror vivido durante noites no mato, descreve a mãe, que já o tinha escolhido por causa da insurgência armada em Cabo Delgado.
"Ela chegou e encontrou aquele tempo de grande crise em Palma. Assim, demos-lhe esse nome", explica a mãe, de olhos na filha e com um sorriso de quem terá sempre esperança.
"Tenho esperança que um dia isto vai passar", confessa, mas sem conseguir hoje vaticinar um regresso a Palma, a vila que apesar de até 24 de março sempre ter sido poupada pelos insurgentes, já sofria há muitos meses.
Aos poucos foi ficando isolada, à medida que os ataques vedavam os acessos por terra - primeiro, a sul, por Mocímboa da Praia, ocupada, depois a noroeste, via Nangade, em direção a Mueda.
A crise instalou-se, mas a vida nunca parou e a elevada taxa de natalidade reflete-se até nas histórias que a Lusa tem ouvido junto de deslocados.
Tomazina Cassiano, 29 anos, residente em Palma, passou seis dias no mato com a filha Josefina Costa, de quatro meses, até ser resgatada e chegar hoje ao aeroporto de Pemba.
"Eu passava fome o tempo todo", mas "dava mama ao bebé", refere, e diz que nunca se sentiu incapaz de o fazer. "Deus estava a ajudar-me", acredita.
No grupo em que estava durante a fuga de Palma, havia uma mulher grávida.
"Fugimos e ela deu à luz", pouco tempo depois, "ali mesmo, no mato" e tanto mãe como filho também se salvaram.
As mulheres grávidas e bebés mais debilitados têm sido transportados em voos especiais que têm também servido para transferir feridos para Pemba.
Hoje mesmo, um bebé nasceu a bordo de um desses aviões, durante a viagem que dura pouco mais de 30 minutos, disse à Lusa fonte que acompanha as operações.
Cerca de metade da população moçambicana de 30 milhões de pessoas tem menos de 20 anos, uma pirâmide etária jovem que se reflete em todo o território e que faz com que muitas das vítimas de desastres naturais e violência no país sejam também crianças e mães desprotegidas.
Os grupos de deslocados mais vulneráveis começaram hoje a chegar em massa a Pemba, sendo recebidos por agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias que lhes deram um primeiro acolhimento com água e alimentação e alojamento, no caso dos que não têm familiares.
Mais chegadas estão previstas para os próximos dias.
No ataque do dia 24, em Palma, dezenas de civis foram mortos, segundo o Ministério da Defesa moçambicano.
O recinto onde estão a ser erguidas as infraestruturas do projeto de gás dista cerca de 25 quilómetros da vila de Palma e não foi atingido pelos ataques e confrontos que se seguiram entre os grupos armados e as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas.
A violência está a provocar uma crise humanitária com quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na segunda-feira o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia.