Já são as crianças que escolhem onde os pais vão às compras
Carolina e Daniel, gémeos de 4 anos, andam "doidos" com as miniaturas. Os dois irmãos, que sempre adoraram ir ao supermercado, têm agora a sua própria loja: carrinhos, cestos, registadora, mais de 30 produtos cada. Tudo em tamanho XXS. De cada vez que os pais fazem 15 euros de compras no Lidl, recebem uma miniatura: frutas, legumes, cereais, ovos, cremes, bolachas. Mas só as compras dos pais não chegam. A febre deles já passou para os avós, amigos e colegas de trabalho dos pais. "Tenho na mala uma folha com os produtos que lhes faltam. No trabalho fazemos trocas", conta a mãe, Sara Branco, 37 anos, engenheira do ambiente e autora de um blogue, Definitivamente São Dois. No Facebook, foram criados vários grupos para o efeito. Combinam-se encontros, enviam-se produtos pelo correio. As famílias têm até dia 20 de novembro para terminar a coleção do Lidl Shop.
É o marketing a funcionar. Não basta ter preços baixos, é preciso fidelizar o cliente. E nada melhor do que virar a estratégia para as famílias. É que as crianças não só já têm influência nas compras dos produtos como já escolhem o local onde os pais devem ir. E está a dar resultados. Chegou a loucura do colecionismo das miniaturas e dos brinquedos em peluche. Além do Lidl, o Minipreço lançou a campanha Abraça os Teus Heróis, uma coleção de dez peluches dos maiores êxitos da Dreamwork. Por cada dez euros em compras, os clientes recebem um selo. Com sete selos e 4,99 euros, têm direito a um peluche. Uma estratégia semelhante à do Continente, que há alguns meses apostou na coleção dos Angry Birds e do McDonald"s há muitos anos com a refeição Happy Meal.
"Isto é marketing infantil. São ações dirigidas para o colecionismo infantil", explica José Rosseau, professor de Marketing no Instituto Português de Administração e Marketing. As crianças têm "a função de prescritores. Quando vão com os pais, escolhem marcas e produtos e quase os obrigam a comprar". Por isso, prossegue, "é importante para as empresas que os mais novos acompanhem os pais nas compras". "Entre ir à insígnia A, B ou C, eles vão querer ir à B, porque querem fazer uma coleção", justifica o especialista.
Os próprios pais, diz José Rosseau, também "se envolvem no colecionismo, tanto para satisfação dos filhos como para prazer deles". Associado a isto está a fidelização do cliente, que "pode ser momentânea ou a longo prazo. Uma família que não ia a determinado sítio pode ficar cliente para sempre". O que é sempre uma mais-valia para as empresas, pois reflete-se no aumento do cabaz médio por família, acrescenta o professor. Se a oferta acontece por cada 15 euros em compra, haverá a preocupação de atingir esse valor.
"As crianças influenciam grande parte das compras domésticas. São mais permeáveis e as marcas comunicam com elas", reforça outra especialista em ciências do consumo e professora no IPAM, Mafalda Ferreira. Uma vez que as campanhas de redução de preço "vão sendo cada vez mais equivalentes". Ou seja, "há maior homogeneização no ambiente promocional" e as empresas de distribuição têm de se diferenciar com estas ações. Ricardo Torres Assunção, diretor de comunicação e publicidade do grupo Dia, diz ao DN que nesta ação o Minipreço procurou cruzar "as necessidade de compras diárias para toda a família com uma dinâmica para os mais jovens, potencializando aquilo a que chamamos os Momentos de Família". Com isto, revela, conseguiram "um crescimento acentuado de afluência" às lojas. "São este tipo de campanhas que ajudam a reforçar o elo emocional entre os nossos clientes e as nossas insígnias", sublinha.
O departamento de comunicação do Lidl Portugal refere que, com a Lidl Shop, pretende "sensibilizar para a importância dos momentos de brincadeira em família enquanto fator de desenvolvimento das crianças". Sara Branco confirma: "Brincamos muito com eles. Fingimos que somos clientes." A empresa diz que pretende relacionar estas ações com estilos de vida saudáveis, como fez em 2014 com o Gangue dos Frescos.
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Contactada pelo DN, a Deco diz que estas campanhas são legais e "transparentes". E não há, até ao momento, qualquer reclamação relacionada com as mesmas.