IVG regressa aos Açores em dezembro, diz governo regional
Yuriy Shmakto, diretor do serviço de obstetrícia do Hospital da Horta, no Faial, afirmou ao DN que se vira obrigado a declarar-se objetor de consciência para a interrupção de gravidez até às 10 semanas por vontade da mulher (IVG) - causando assim o fecho, em outubro, da consulta de IVG naquele hospital, o único do arquipélago onde se providenciava este cuidado de saúde - por considerar "não haver condições para tratar as pessoas como deve ser". A razão? Quase todos os profissionais de saúde da região serem objetores.
O obstetra de origem ucraniana, diretor do serviço há sete anos, explicou ao jornal que se por acaso algo corre mal com o processo de aborto medicamentoso (o utilizado no Serviço Nacional de Saúde até às 10 semanas) e é necessário proceder a um aborto cirúrgico, não é possível assegurá-lo no arquipélago, porque no seu hospital não há anestesistas e enfermeiros de bloco operatório não objetores, e nenhum outro hospital das ilhas aceita fazê-lo. Por essa razão, Yuriy Schmakto diz-se "um objetor formal, não real" - porque não objeta de facto à IVG.
As declarações desassombradas deste obstetra levaram o governo regional a reagir, em esclarecimento enviado ao DN. Neste, assegura que a partir de 4 de dezembro o Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), na ilha de São Miguel, voltará a ter a consulta de IVG, mas que "sempre se encontraram alternativas para fazer cumprir a lei".
A alternativa em causa era, como o DN noticiou em maio, obrigar as mulheres a viajar 1500 quilómetros até à capital, a expensas do serviço de saúde açoriano, e aí permanecerem uma semana, para obter o procedimento numa clínica privada - uma alternativa que, diz Schmakto, nem sempre é possível garantir dentro do curto prazo que a lei define para a IVG. Terá existido pelo menos um caso em que, devido a essa dificuldade, uma mulher teve de prosseguir com a gravidez.
O médico garantiu que tentara sensibilizar quer o seu hospital quer o governo açoriano para a questão, mas, não tendo sucesso, resolvera declarar-se objetor.
Agora, pela voz da secretária regional da Saúde, Mónica Seidi, o executivo vem assegurar que "nenhum médico do Serviço Regional de Saúde foi alguma vez obrigado a assinar a declaração de objeção de consciência [que] é um direito que assiste aos profissionais de saúde, uma decisão individual", e que "aos três hospitais da região cabe trabalhar para cumprir a lei (...), sendo que no HDES estão reunidas as condições para que a mesma [IVG] ocorra na região."
O HDES, que serve a maior ilha açoriana, com 135 mil habitantes, tinha deixado de efetuar IVG em 2021 por, segundo o respetivo gabinete de imprensa, "decisão da anterior administração". Em maio, após uma notícia neste jornal a dar conta da inexistência desse cuidado de saúde naquele estabelecimento, o governo tinha já anunciado que a consulta de IVG iria reabrir "na segunda metade do ano". Mas a 16 de novembro o HDES, em resposta ao DN, embora assumindo haver, nos 16 obstetras do hospital, três não objetores, e estar "empenhado numa resposta muito célere", não se comprometia com uma data.
Por coincidência, o governo informa que a assinatura do despacho que dá permissão para que, "no âmbito dos programas de produção acrescida para a interrupção medicamentosa e cirúrgica da gravidez (...), a realização parcial ou total dos respetivos atos" ocorra "em produção acrescida", é precisamente de dia 16. "Produção acrescida" significa pagar à parte ao hospital para estes atos.
Também o Hospital da Horta (HH), que não respondeu às questões que o DN lhe remeteu previamente à publicação, esta quinta-feira, do artigo no qual se cita Schmakto, enviou um comunicado ao jornal. Embora reconhecendo "os transtornos" que o fecho da consulta de IVG "pode causar", o HH assegura não poder "interferir na decisão dos profissionais de saúde nem colocar em causa a segurança dos doentes".
O hospital afiança ainda que "não condiciona, e nunca o fez, qualquer decisão que seja tomada pelos profissionais de saúde desta unidade, nomeadamente no que se refere à objeção de consciência", e "refuta e condena todas e quaisquer afirmações públicas que ponham em causa a liberdade dos seus profissionais de saúde."
Perante esta reação do HH, o DN tentou chegar à fala com Yuriy Schmakto, sem sucesso.