IVA a 0% de Sánchez é má notícia para Costa

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Enquanto António Costa anunciava um cheque de 240 euros para os mais pobres dos mais pobres fazerem face a oito meses de inflação galopante, deixando os outros 9 milhões de portugueses a fazer contas a quantos furos têm de apertar no cinto, aqui ao lado, o seu amigo Pedro Sánchez apresentava um pacote adicional de 10 mil milhões para aplacar os efeitos da subida de preços na carteira dos cidadãos espanhóis. Só o valor das novas medidas é mais do triplo do total aprovado no Terreiro do Paço para ajudar os portugueses em 2022 inteiro, mas o que merece nota é uma medida muito específica: o governo espanhol decidiu prescindir de toda a receita de IVA em bens de primeira necessidade e reduzir a taxa em outros.

Conhecendo o efeito destrutivo da inflação e tendo uma economia como a espanhola margem de manobra, Madrid desenhou um plano de apoios que passa sobretudo pela sua coleta fiscal, não cobrando certos impostos durante seis meses. Pão e farinhas, leite, queijo e ovos, fruta e legumes, batatas e cereais são alguns dos produtos que passam a ser isentos de imposto até a inflação chegar ao patamar dos 5,5% ou até junho, pelo menos; no azeite, óleos e massas, a taxa será reduzida a metade (para 5%) nesse mesmo período.

Essa via, porém, nunca foi hipótese do lado de cá da fronteira, apesar dos gordos recordes de receita fiscal - mais de 7,5 mil milhões de euros recolhidos nos cofres das Finanças, sobretudo à boleia de IVA e IRC, até outubro, mais do dobro que se gastou em todas as medidas anti-inflação tomadas.

Prescindir dos impostos cobrados a mais a todos os portugueses não é ideia que Costa e Medina acarinhem. E a razão é simples: depois do delírio dos anos de geringonça, em que se reverteu medidas e processos de agilização e emagrecimento de serviços, se recuperou empresas ruinosas para o universo público, se repôs e engordou direitos sem os fazer depender de deveres ou cumprimento de objetivos, Portugal tem de se focar nas contas certas para sobreviver a 2023.

Se Centeno e Leão beneficiaram de uma conjuntura expansionista e dos cortes de gorduras antes feitos por imposição da troika, Fernando Medina sabe que precisa de cada cêntimo para controlar dívida e défice, sob pena de as contas se degradarem e não termos quem nos ajude se nos virmos de novo numa crise brutal, aumentando assim o risco de precisarmos de novo de assistência externa. Até Costa, que tantas vezes acusou Passos Coelho de ir além da troika, já admite que é esse o único caminho para escaparmos "às turbulências do passado".

Se a rota do país em 2015 não tivesse sido invertida, para responder às exigências da geringonça que durante seis anos sustentou Costa, talvez pudéssemos agora ver-nos mais apoiados. Talvez Medina pudesse deixar que os portugueses fossem aliviados da enorme carga fiscal que suportam, num momento em que a inflação lhes rouba mais de um salário e os juros sobem rapidamente. Mas não é essa a nossa realidade. Resta-nos continuar a aguentar o barco e rezar para que a tempestade não fique ainda pior.

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