IUC: o teste de sensibilidade social de Medina

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Na proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024 foi introduzida uma norma que aumenta significativamente o IUC a pagar por veículos anteriores a 2007. No relatório junto a esta proposta de lei "cria-se o Programa de Incentivo ao Abate de automóveis ligeiros em fim de vida (matriculados até 2007), com o objetivo de reduzir a idade média das frotas nacionais e, dessa forma, melhorar a segurança rodoviária e a qualidade do ambiente. (...) Em articulação com este incentivo, é incrementado o IUC para veículos anteriores a 2007, como medida complementar para o reforço da renovação das frotas nacionais." De acordo com cálculos de alguns jornais, o IUC dos automóveis a gasolina aumentará, em média, +347% e dos carros a gasóleo +1746%, durante os próximos anos.

A primeira explicação que veio a público foi a de que o aumento do IUC visava "compensar a redução das portagens". Depois, num debate quinzenal na AR, o PM fundamentou a decisão com a necessidade de compensar a perda de receita pública com a redução de IRS para alguns escalões de rendimento. O referido relatório da proposta de lei do orçamento dá outra razão: "Este Programa dá cumprimento ao disposto na Lei do Clima." F. Medina desenvolveu este argumento, justificando o aumento pelo facto de "as viaturas mais recentes [serem] as menos poluentes. (...) A situação hoje é injusta relativamente à tributação que existe sobre os automóveis mais recentes, com os automóveis mais poluentes a pagar 1/4 da tributação que pagam os automóveis mais recentes." Pelo que, argumenta Medina, este aumento é um "incentivo à renovação da frota automóvel". Todavia, a adoção literal das metas constantes na legislação respeitante à transição energética esquece que este é um problema global e que uma aceleração rápida em alguns países europeus de muito pouco servirá à escala planetária. Por outro lado, não devia ser difícil perceber que os portugueses com baixos rendimentos e uma parte significativa da classe média não têm rendimentos que lhe permitam renovar a frota automóvel. Alguém pensará que uma família utiliza uma viatura com 20 anos porque gosta? E o limite de +25€ de IUC (válido apenas para 2024, atenta a validade anual da Lei do Orçamento) não é incentivo algum para quem não tem rendimentos suficientes para mudar para uma viatura menos emissora de CO2, maxime uma elétrica. Num país em que >2 milhões de portugueses não conseguem aquecer a casa, e com o parque automóvel muito mais envelhecido do que há 20 anos (em 2000 apenas 1% dos carros em circulação tinham 20+ anos; em 2022 são 26%), qual é a parte de "milhões de portugueses que não têm rendimentos para mudar de viatura" que o Governo não percebe?

Todos os partidos da Oposição e parte do grupo parlamentar do PS exigem a retirada desta medida. Um abaixo-assinado em curso no mesmo sentido ultrapassou as 340 000 assinaturas.

Se Medina - gestor com fama de competente em Finanças Públicas, rosto da política de contas certas e da redução da dívida pública - não perceber que este é o seu teste de sensibilidade social e insistir na aprovação deste aumento de IUC, deve abandonar qualquer veleidade de liderança do PS. É impensável que o líder do PS seja alguém sem sensibilidade social.

Consultor financeiro e business developer
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