Itália pendente de Draghi: vai ou não insistir em demitir-se?

Primeiro-ministro quis sair, mas foi travado pelo presidente. Apesar de ter apoio para continuar, divisões no governo prometem acentuar-se e tornar o exercício do poder mais difícil.
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Só um em cada três italianos defende a antecipação das eleições, estando o país (e a Europa) pendente da decisão que o primeiro-ministro, Mario Draghi, tomar esta quarta-feira. "Super Mario", como é conhecido, apresentou a semana passada a demissão, mas o presidente Sergio Mattarella recusou e passou a crise política para o Parlamento, com o Senado a votar amanhã à tarde uma moção de confiança. Nos últimos dias, aumentaram as vozes que, da esquerda à direita, pedem a Draghi para ficar. Mas nada está garantido.

A atual crise política foi desencadeada pela decisão do Movimento 5 Estrelas (M5E), do ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte, de ficar de fora de um voto de confiança ao governo no Senado. Draghi tinha dito que se isso acontecesse apresentaria a demissão, o que fez logo na quinta-feira, considerando que "o pacto de confiança no qual o governo se baseia desapareceu".

O ex-governador do Banco Central Europeu assumiu as rédeas de um executivo de união em fevereiro de 2021, no qual só não participaram os Irmãos de Itália de Giorgia Meloni (extrema-direita). Contudo, na contagem decrescente para as eleições de 2023, as diferentes formações políticas estão a querer marcar posição e os choques repetem-se e prometem continuar, tornando o exercício do poder cada vez mais difícil.

Draghi apresentou a demissão, mas Mattarella recusou-a, pedindo ao primeiro-ministro que avalie no Parlamento se é viável continuar até ao fim do mandato, daqui a menos de um ano. O próprio presidente, cuja função é servir de árbitro nestas situações, não queria um segundo mandato, tendo sido convencido em janeiro a aceitar para evitar outra crise política. Agora estará a cobrar.

O primeiro-ministro discursará esta quarta-feira, a partir das 9.30 locais (8.30 em Lisboa), no Senado, revelando se está disponível para continuar ou não. O voto de confiança terá lugar ao final da tarde - às 19.30. Na quinta-feira, irá à Câmara dos Deputados, onde uma outra votação está marcada para as 13.45.

Na prática, o primeiro-ministro não precisa dos votos do M5E para ter maioria - ficaria com 450 dos 630 deputados e com 204 dos 321 senadores. Mas tinha dito que não seguiria sem eles. O partido foi o mais votado nas eleições de 2018, mas tem vindo a perder força devido a divisões internas e já não é o maior do governo. O chefe da diplomacia, Luigi di Maio, saiu em junho com um grupo de cerca de 50 deputados, não estando posta de lado a possibilidade de nova cisão agora - há quem queira apoiar o governo e quem não queira.

A imprensa italiana tem especulado que se suficientes membros do M5E votarem com Draghi, ele aceitará continuar. O próprio M5E pode recuar e apoiá-lo - Conte disse estar à espera de um sinal da parte de Draghi em relação ao cumprimento de algumas exigências, entre elas o salário mínimo. Mas a direita já deixou claro que não quer seguir no executivo com estes sócios que não são de fiar. É essa a posição da Força Itália, do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, e da Liga, de Matteo Salvini.

Esta terça-feira, além de um encontro com Mattarella, Draghi, que tem mantido o silêncio, esteve reunido com o líder do Partido Democrático (centro-esquerda), Enrico Letta, que terá tentado convence-lo a ficar. Este encontro não agradou aos parceiros da direita, que criticaram não terem sido ouvidos e acabaram por ser chamados também ao palácio ao fim do dia.

Desde a semana passada, quando a crise rebentou, que Draghi tem recebido inúmeros apelos para que continue no poder. No domingo, mais de 1600 autarcas publicaram um abaixo-assinado criticando o "comportamento irresponsável" do M5E e pedindo ao primeiro-ministro que fique. Da mesma forma expressaram-se empresários e industriais, reitores de universidades e outros grupos da sociedade civil. Uma petição para que Draghi fique, lançada pelo Itália Viva, partido do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, reuniu em poucas horas mais de cem mil assinaturas.

Todos alegam que agora não seria a melhor altura para o governo cair e convocar eleições antecipadas, devido à continuação da pandemia e face à guerra na Ucrânia - Draghi tem sido um dos maiores apoiantes dentro da União Europeia de enviar ajuda militar a Kiev. Além disso, é preciso avançar com as reformas necessárias para garantir as próximas tranches dos quase 200 mil milhões de euros de bolsas e empréstimos europeus ao ao abrigo plano de recuperação e resiliência. Na Europa, o ex-governador do Banco Central Europeu é alguém em quem Bruxelas pode confiar, daí que ninguém deseje que deixe o leme da terceira maior economia europeia.

Caso Draghi decida contudo avançar para a demissão, o próximo passo caberá a Mattarella. O presidente pode pedir a outra pessoa que tente formar governo ou pode, o que seria mais provável, convocar eleições antecipadas - a primeira data disponível seria no final de setembro. Um cenário que agrada aos Irmãos de Itália, os únicos que não entraram no governo de coligação e que lideram as sondagens, com cerca de 23% de intenção de voto. Logo atrás vem o Partido Democrático, com 22%, estando a Liga em terceiro, com 14%. O M5E tem 11% e a Força Itália tem 7%.

susana.f.salvador@dn.pt

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