Israel passa à Fase 2 com "teia de aranha" de túneis do Hamas na mira
Uns descrevem-nos como "cidades em miniatura", outros como uma "teia de aranha" que se estende por baixo da Faixa de Gaza. Os túneis do Hamas são muito mais do que isso - uma rede de corredores, salas e até estradas que abrigam armas, combatentes e postos de comando do grupo terrorista que governa aquele território palestiniano. Foram estes túneis os principais alvos dos bombardeamentos israelitas na noite de sexta para ontem que, segundo as Forças Armadas de Israel atingiram 150 alvos subterrâneos, enquanto tanques e homens entravam na Faixa de Gaza.
É a "Fase 2 da guerra" iniciada a 7 de outubro com o ataque do Hamas que fez mais de 1400 mortos em Israel, com os terroristas a raptarem 229 pessoas. Quem o afirmou foi o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu numa conferência de imprensa ao fim do dia, após um encontro com familiares dos reféns. O chefe do governo israelita definiu dois objetivos claros: "destruir a capacidade militar e de governo do Hamas e trazer os reféns de volta". Admitindo ter havido uma falha grave no dia 7, que será investigada, Netanyahu garantiu que "os assassinos pagarão o preço por este massacre" e afirmando que o atual conflito contra o Hamas é a "segunda guerra de independência de Israel, o primeiro-ministro garantiu ainda que vencer é "a missão da minha vida".
Nas primeira horas desta nova fase, os alvos podem ter sido subterrâneos, mas as consequências dos bombardeamentos à superfície foram dramáticas. Gaza acordou sob uma montanha de escombros. No campo de refugiados de Shati, nos arredores da cidade, residentes ouvidos pela AFP garantiram que "o que aconteceu esta noite foi pior do que um sismo".
De acordo com o Ministério da Saúde do Hamas, os ataques israelitas já fizeram mais de 7700 mortos, 3500 deles crianças. Na véspera, pouco antes da intensificação dos bombardeamentos, o porta-voz das Forças de Defesa israelitas, Daniel Hagari acusara o Hamas de colocar combatentes e armas nos hospitais e de usar os civis como "escudos humanos". Com 2,3 milhões de habitantes para um território de 40 km por 10 km de largura, a Faixa de Gaza tem visto a situação humanitária, já de si frágil devido ao bloqueio israelita, degradar-se desde o início da guerra. As poucas dezenas de camiões com ajuda que foram autorizados a entrar no território através da passagem de Rafah no Egito não chegam para responder às necessidades da população. Falta água e alimentos e a falta de combustível está a impedir os hospitais de funcionar, com os últimos bombardeamentos a deixarem ontem a população sem comunicações.
Depois de algumas breves incursões das tropas israelitas na Faixa de Gaza, o dia começou ontem com tanques e homens no território. E ao fim da tarde um comunicado militar israelita confirmava que "desde sexta-feira à noite, uma força combinada de tanques, engenheiros e infantaria tem operado no terreno no norte da Faixa de Gaza". "O solo tremeu em Gaza", garantira mais cedo o ministro da Defesa Yoav Gallant, enquanto explicava aos jornalistas que a guerra no enclave palestiniano passou para "a próxima etapa". "Atacamos acima do solo e no subsolo. (...) As instruções para as forças são claras. A campanha continuará até novo aviso", afirmou.
Este parece ser mais um passo em direção à tão falada ofensiva terrestre que tanto Netanyahu como Gallant avisaram que será longa e difícil. "Levará muito tempo" para desmantelar a vasta rede de túneis do Hamas, disse o ministro, acrescentando que espera uma longa fase de combates de menor intensidade, enquanto Israel destrói "focos de resistência".
Além da pressão de parte da comunidade internacional, sobretudo do presidente dos EUA, Joe Biden, a rede de túneis existente debaixo da Faixa de Gaza tem sido uma das razões para o adiamento da invasão israelita em larga escala do território.
E se os túneis há muito fazem parte do quotidiano de quem vive em Gaza, desde 2007, quando o Hamas assumiu o controlo do território na sequência da vitória nas eleições do ano anterior e da expulsão da Fatah após uma breve guerra civil, nos últimos anos multiplicaram-se. E tornaram-se mais sofisticados. Já esta semana as forças de defesa israelitas anunciaram terem atingido um túnel que permitiu ao Hamas infiltrar-se em Israel "por mar", com a saída na praia.
Usados durante muito tempos sobretudo para fazer entrar comida, pessoas e armas no território, segundo o The New York Times, que cita fonte militares israelitas, cada túnel do Hamas custa hoje em média três milhões de dólares. Alguns são feitos em betão e ferro e até têm salas onde os combatentes do grupo palestiniano podem receber tratamento médico. Outros têm salas a profundidades que podem chegar aos 40 metros onde dezenas de pessoas se podem esconder durante meses. Uma realidade que Yocheved Lifshitz, a israelita de 85 anos libertada esta semana após 17 dias refém do Hamas, descreveu, falando em percorrer quilómetros de corredores subterrâneos húmidos até chegar a "um grande hall onde estavam outros 25 reféns". Uma verdadeira "teia de aranha".
Em várias cidades - de Londres a Copenhaga, de Berlim a Istambul (onde o presidente Recep Erdogan acusou Israel de crimes de guerra e afirmou que o Hamas não é um grupo terrorista) - o dia ontem foi de protestos em apoio ao povo palestiniano. Já a nível diplomático os esforços continuavam focados em chegar a um acordo para uma pausa nas hostilidades. Dias depois das duras críticas de Israel, António Guterres condenou a escalada "sem precedentes" em Gaza. O secretário-geral da ONU voltou a apelar a um "cessar-fogo humanitário imediato".
Mas enquanto o exército israelita voltava a lançar folhetos sobre Gaza a apelar à população para "partir imediatamente" para sul uma vez que a cidade e seus arredores são "um campo de batalha", do lado do Hamas, a ala militar do movimento palestiniano afirmava estar disposta a libertar os reféns que sequestrou a 7 de outubro mas em troca da libertação de todos os prisioneiros palestinianos detidos em Israel. O porta-voz Abu Obeida, citado pelo Haaretz, garantiu ainda não temer uma invasão terrestre de Israel: "Estamos preparados e dizemos ao inimigo que estamos à sua espera".