Israel diz que guerra tem sete frentes e está a atuar em seis (num recado ao Irão)

O alvo na Faixa de Gaza é o Hamas, mas o foco dos israelitas não está só no enclave palestiniano. A tensão cresce no Líbano, há raides diários na Cisjordânia, os navios no Mar Vermelho estão sob ameaça dos hutis e há ataques às bases dos EUA no Iraque e na Síria. A morte de um general iraniano pode ser a desculpa que faltava a Teerão.
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Os bombardeamentos podem ser diários na Faixa de Gaza, que mede 41 quilómetros de comprimento por 12 de largura, mas 83 dias depois do ataque terrorista do Hamas contra Israel, o conflito é cada vez mais regional. "Estamos numa guerra de frentes múltiplas", avisou o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, numa audição na comissão de Defesa e Negócios Estrangeiros do Knesset.

"Estamos a ser atacados a partir de sete frentes - Gaza, Líbano, Síria, Judeia e Samaria [o nome que os israelitas dão à Cisjordânia ocupada], Iraque, Iémen e Irão", acrescentou o ministro, dizendo que Israel "já respondeu e atuou em seis dessas frentes". Um recado para o Irão, que com o seu financiamento e armas está por detrás de muita da desestabilização regional, apesar de Teerão ainda não ter entrado diretamente no conflito.

Israel declarou guerra ao Hamas logo no dia em que foi atacado de surpresa, a 7 de outubro, iniciando de imediato os bombardeamentos contra a Faixa de Gaza - controlada pelo grupo terrorista desde 2007 - e a partir de 27 de outubro avançando com a operação terrestre. Desde então, estima-se que 60% das habitações do enclave tenham sido destruídas, com as autoridades a falar em mais de 21 mil mortos e dois milhões de deslocados que estão a ser empurrados para sul, no meio da fome e das doenças - além dos bombardeamentos.

O objetivo de Israel é destruir o Hamas - uma missão que já estará alegadamente próximo de conseguir no norte, virando-se agora para o centro e o sul do território -, libertar a cerca de uma centena de reféns que o grupo terrorista ainda tem, além de garantir que Gaza não representará de novo um risco para a sua segurança. Objetivos que está longe de conseguir cumprir, pressionado pela comunidade internacional para negociar pelo menos uma nova pausa humanitária que permita a entrada de ajuda (esta entra a conta-gotas e com enormes riscos para quem a distribui) e a libertação de mais reféns.

Israel avisa que a guerra pode demorar meses (ou até anos), com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, a recusar pensar no que poderá acontecer depois de o conflito acabar. Enquanto isso, a crise humana vai-se deteriorando e a tensão cresce noutras áreas.

As trocas de tiros entre a milícia xiita libanesa do Hezbollah e os militares israelitas têm sido praticamente diárias na fronteira entre os dois países desde 7 de outubro, tendo levado à evacuação de várias localidades do lado de Israel. Só ontem, 34 rockets foram disparados do lado libanês, após os israelitas matarem um militante e mais dois civis. Desde o início dos ataques, pelo menos 150 pessoas no Líbano morreram, incluindo 19 civis (entre eles jornalistas), e 11 em Israel, quatro deles civis.

Apesar da tensão, esforços têm sido feitos para evitar uma declaração formal de guerra do Hezbollah a Israel - como a que houve em 2006. O líder do poderoso grupo xiita, Hassan Nasrallah, disse numa rara intervenção no aniversário do primeiro mês da guerra em Gaza que, na prática, o grupo estava a combater desde o primeiro dia, desviando as atenções de Israel que, de outra forma, estariam centradas no enclave palestiniano. Os israelitas dizem estar de prontidão.

Apesar de a fronteira entre Israel e Síria estar calma (quando comparada com a fronteira entre Israel e o Líbano), grupos apoiados pelo Irão têm lançado ataques contra Israel e os seus aliados, nomeadamente as bases dos EUA no país. Os israelitas (mais do que os norte-americanos) têm retaliado na mesma moeda, bombardeando alegadamente (nunca confirmaram a responsabilidade) os aeroportos de Aleppo e Damasco. Mas, na segunda-feira, a situação agravou-se.

Um ataque a um bairro nos arredores de Damasco resultou na morte de um general iraniano, Sayyed Razi Mousavi, conselheiro da Guarda da Revolução e alegadamente responsável pela coordenação da aliança militar entre Síria e Irão. Teerão apontou o dedo a Israel, que não confirmou nem desmentiu o seu envolvimento.

O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, disse que o assassinato de Mousavi - que era próximo do general Qassem Soleimani, comandante da unidade de elite da Guarda da Revolução que foi morto pelos EUA em 2020 - revela fraqueza da parte de Israel. "Este ato é um sinal da frustração do regime sionista e da sua fraqueza na região, pelo qual certamente pagará o preço", disse, citado pelos media iranianos. Também os Guardas da Revolução prometeram retaliar.

Há anos que Israel tem atacado alegados alvos relacionados com o Irão na Síria, país onde a influência de Teerão cresceu com o apoio ao regime de Bashar al-Assad após o início da guerra civil em 2011. O presidente, que estava a regressar à esfera internacional após anos de isolamento, tem mantido o silêncio em relação à guerra em Gaza, mas o seu governo acusou Israel de "fascismo" e "genocídio".

As atenções podem estar centradas na Faixa de Gaza, mas as forças israelitas também têm multiplicado operações na Cisjordânia ocupada - Judeia e Samaria, na nomenclatura usada por Gallant. Ontem, pelo menos seis palestinianos com idades entre os 16 e os 29 anos morreram num ataque com um drone durante um raide israelita contra o campo de refugiados de Nur Shams, junto à cidade de Tulkarem.

A violência neste território rebentou depois do início da guerra em Gaza, sendo que mais de 300 pessoas já morreram - incluindo pelo menos 75 crianças - nos raides militares e nos ataques dos colonos. Pelo menos sete mil israelitas vivem em colonatos que a comunidade internacional considera ilegais. Mais de 4700 palestinianos foram também detidos (uma dúzia só na noite de terça para quarta). Mais do que as três centenas que foram libertados na pausa humanitária, em troca de uma centena dos reféns nas mãos do Hamas.

A juntar-se a isso, o impacto económico da guerra, com negócios fechados devido a restrições aos movimentos e cem mil palestinianos impedidos de trabalhar em Israel. As celebrações de Natal em Belém, onde segundo a Bíblia nasceu Jesus, foram canceladas devido à guerra e a localidade foi alvo de bombardeamentos no dia 25.

Esta é outra frente onde a situação tem vindo a deteriorar-se. Na terça-feira, os EUA lançaram um ataque aéreo contra três posições do Kataib Hezbollah, um grupo alinhado com o Irão que faz parte de um novo movimento intitulado Resistência Islâmica no Iraque. Os bombardeamentos, que foram autorizados pelo presidente Joe Biden, surgiram depois de três militares norte-americanos terem ficado feridos (um deles com gravidade) num ataque com um drone suicida contra uma das suas bases, em Irbil, no Curdistão.

Desde 17 de outubro - quando em Gaza foi bombardeado o hospital de Al-Shifa e centenas de pessoas terão morrido (foi apontado o dedo a Israel, que culpou a Jihad Islâmica Palestiniana por um lançamento falhado de rocket) - que já houve mais de uma centena de ataques a bases norte-americanas no Iraque e na Síria. Contudo, esta foi a primeira vez em que houve feridos entre os militares, desencadeando a resposta de Washington. Os bombardeamentos foram contudo criticados pelo governo iraquiano, que denunciou a violação da sua soberania.

O estreito de Bar al-Mandeb, que tem no máximo 50 quilómetros de largura, está localizado entre o Iémen e a Eritreia e o Djibuti, sendo a porta de entrada para o Mar Vermelho e daí para o Canal do Suez - por onde passa 30% do tráfego marítimo de contentores. A 19 de novembro, os rebeldes hutis, que controlam a capital e a maior parte das zonas habitadas do Iémen, filmaram o ataque a um navio com supostas ligações a Israel no Mar Vermelho, no que foi o início de uma campanha contra os navios comerciais que passam pela região.

Apesar de ainda não ter havido feridos ou mortes nos cerca de 15 ataques, muitas empresas de navegação optaram por fugir da zona, escolhendo a mais demorada (e por isso mais cara) travessia em torno do continente africano. Os EUA, junto com nove outros países, criaram uma coligação para tentar proteger os navios. Para os hutis, apoiados pelo Irão e sob pressão após uma década de guerra civil contra o governo, que tem o apoio da Arábia Saudita, este tipo de ações tem servido para aumentar a sua popularidade interna. Logo, estes ataques - tal como os com mísseis e drones contra Israel - não devem parar tão cedo. O receio é que haja uma escalada da situação (por exemplo se for atacado algum navio militar dos EUA) que possa obrigar a outra resposta por parte de Washington.

Apesar de estar por detrás de muitos dos grupos que têm feito subir a tensão na região - financiando e armando os rebeldes no Iémen, apoiando as milícias xiitas no Líbano ou na Síria -, o Irão ainda não agiu de forma direta contra Israel. Esse é um cenário que o Ocidente tem procurado evitar desde a primeira hora, com os EUA a alertar o Irão através de canais diplomáticos contra a escalada do conflito a nível regional.

"Até agora, tanto o Irão como os EUA agiram dentro do quadro de atores racionais, porque estão cientes do perigo de um conflito militar total", disse à estação Al-Jazeera Ali Akbar Dareini, escritor e investigador do Centro para os Estudos Estratégicos de Teerão. "Num ano eleitoral, eliminaria completamente as hipóteses de Biden para a reeleição se soldados norte-americanos forem mortos", acrescentou.

Teerão ainda não entrou no conflito, mas não deixa de usar retórica incendiária e de prosseguir o enriquecimento de urânio (já estará a 60%), em mais um sinal de desafio aos EUA - e em vésperas do aniversário do assassinato do general Soleimani, a 3 de janeiro.

susana.f.salvador@dn.pt

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