Isabel dos Santos na Sonangol para cortar custos e subir lucro

José Eduardo dos Santos nomeou a filha para liderar a petrolífera estatal. Empresária já esteve à frente da reestruturação da empresa e vai focar-se mais na gestão do setor petrolífero
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Ultrapassar a crise no setor petrolífero, que no ano passado provocou um rombo de 50,7% nas receitas fiscais de Angola - o equivalente a menos oito mil milhões de euros -, é o principal desafio que Isabel dos Santos vai assumir. A filha do presidente angolano, que integrava desde outubro a comissão criada pelo governo para reestruturar a petrolífera Sonangol, foi ontem nomeada presidente do conselho de administração da empresa por despacho pela Casa Civil do Presidente da República. Uma decisão política de particular importância no momento e no contexto que o país vive. A ano e meio de deixar o cargo, como anunciou que faria em 2018, e tendo o filho José Filomeno Santos à frente do Fundo Soberano de Angola, José Eduardo dos Santos coloca agora a filha aos comandos da maior empresa do país.

"Temos de nos comprometer com uma cultura de fazer mais com menos e de nos focar na excelência e em resultados", afirmou a empresária angolana, em declarações enviadas ao DN, acrescentando estar confiante que isso permitirá enfrentar "os grandes desafios que o novo contexto do setor petrolífero coloca à Sonangol e ao país".

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Apesar de assumir funções não executivas, Isabel dos Santos, que liderou a reestruturação da Sonangol, deverá ter de passar mais tempo em Luanda - até agora dividia-se entre as capitais angolana e portuguesa, onde tem negócios, e Londres. Em Lisboa, onde tem participações que vão da energia (Galp) às telecomunicações (NOS) e à banca - com a resolução do conflito com o BPI adiada para quando a OPA do CaixaBank estiver concretizada, depois do verão -, a empresária conta com Mário Silva ao leme. Em Luanda tem ainda em mãos os negócios de telecomunicações (Unitel), banca (BFA, que detém com o BPI) e distribuição (Candando), entre outros.

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Reconhecidamente adepta da microgestão - a empresária faz questão de aprovar pessoalmente as mais pequenas decisões, como por exemplo as campanhas de publicidade das suas empresas -, Isabel dos Santos vai ter agora muito menos tempo para os seus negócios, uma vez que estará diretamente envolvida na gestão da Sonangol.

Foi já ela quem fez as primeiras declarações sobre a nova estrutura da petrolífera e explicou como iria organizar-se. "A preocupação com a redução de custos, bem como o aumento dos lucros e da competitividade, são hoje prioridades estratégicas obrigatórias", afirmou, acrescentando que "a Sonangol enfrenta esta conjuntura e quer marcar uma nova era" na petrolífera, diminuindo custos de produção, aumentando a competitividade internacional do setor petrolífero angolano, subindo a rentabilidade da empresa e os dividendos para o acionista Estado e assegurando as melhores práticas de governance.

A Sonangol, que em Portugal tem participações diretas e indiretas no BCP e na Galp, terá um modelo de governação dual - a empresária ocupará a cadeira de chairman enquanto Paulino Fernando de Carvalho Jerónimo foi apontado como CEO. Uma organização semelhante à da petrolífera portuguesa: Américo Amorim é chairman, Carlos Gomes da Silva é o CEO.

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A nova organização

Novidade na Sonangol é o facto de passar a ter apenas a função de "gestão e monitorização dos contratos petrolíferos". Os direitos sobre as empresas participadas passam para um órgão estatal, segundo o modelo de reajustamento da organização do setor dos petróleos, aprovado na semana passada por José Eduardo dos Santos. Para apoiar o novo conselho de administração, foram selecionadas três consultoras internacionais: a The Boston Consulting Group, a PwC e a Vieira de Almeida & Associados.

[citacao:Temos de nos comprometer com uma cultura de fazer mais com menos e de nos focar na excelência e em resultados]

A nova visão para a petrolífera angolana, que apresentou uma queda de 34% na receita do ano passado, face a 2014, registando igualmente uma descida dos lucros na ordem dos 45%, devido à queda do preço do petróleo, é visível desde logo nas alterações feitas à estrutura. Com a reestruturação surge o Conselho Superior de Acompanhamento do Setor Petrolífero, que será um órgão colegial para gerir a função acionista do Estado nas várias participações detidas pelo grupo Sonangol. Este conselho deverá reportar diretamente ao presidente da República, José Eduardo dos Santos. É criada também a Agência para o Setor Petrolífero, que integra a administração indireta do Estado e que passa a coordenar, regular e avaliar o desempenho do setor, a preparar e negociar a atribuição dos blocos petrolíferos e a resolução, por via administrativa, de conflitos naquela indústria.

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O conselho de administração terá "até 11 membros, sendo sete executivos e quatro não executivos", nomeados por decreto presidencial por cinco anos, enquanto a comissão executiva terá a "gestão corrente" do maior grupo empresarial do país, "incluindo poderes de gestão necessários ou convenientes para o exercício da atividade da empresa", lê-se no modelo de reajustamento.

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Angola preocupa

Angola vive, desde meados de 2014, uma forte crise financeira, económica e cambial decorrente da quebra das receitas da exportação de petróleo, tendo sido obrigada a recorrer à emissão de dívida para garantir o funcionamento do Estado e a concretização de vários projetos públicos. Com a economia a sofrer um arrefecimento generalizado, o governo de José Eduardo dos Santos teve de travar investimentos e refazer as contas do Orçamento Geral do Estado. No ano passado, o setor ainda representou, segundo Luanda, mais de 95% das receitas de exportação e 68% das receitas fiscais. Apesar de revistas as previsões do governo, nos primeiros meses deste ano o petróleo chegou a fixar-se nos 30 dólares, longe das previsões de 45 dólares por barril inscritas no Orçamento e agravando a situação económica do país, que foi obrigado a pedir ajuda ao FMI em abril. Nos primeiros três meses, o Estado angolano conseguiu receitas fiscais de 1,38 mil milhões de euros, uma quebra de 25% relativamente ao mesmo período do ano passado.

Além das dificuldades económicas, o país tem sido alvo de duras críticas da comunidade internacional sobretudo por dois casos que marcaram os últimos meses. O surto de febre amarela, que já matou 250 pessoas (suspeita-se de mais de dois mil casos de infeção) e a condenação e prisão de 17 ativistas, incluindo o luso-angolano Luaty Beirão, têm tornado ainda mais difícil o momento do país.

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