IRN sem poder legal para questionar validade de certificados de sefarditas
A ministra da Justiça afirmou esta quarta-feira a sua confiança na idoneidade das comunidades israelitas que certificam a nacionalidade de judeus sefarditas, remeteu quaisquer alterações para uma próxima legislatura e disse que o IRN está legalmente impedido de questionar certificados.
Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia de tomada de posse de 101 novos inspetores da Polícia Judiciária (PJ), que esta quarta-feira decorreu na sede daquela polícia, em Lisboa, Francisca Van Dunem disse não ter "nenhuma razão para questionar a idoneidade das comunidades", remetendo para a investigação criminal o apurar de "existência ou não de irregularidades de natureza criminal na emissão dos certificados".
"Neste momento, uma das questões que estará em causa no processo-crime é precisamente perceber que critérios são utilizados para se emitir aqueles certificados e se esses critérios são suficientemente consistentes para permitir a alguém atestar determinada origem", disse.
Sobre a participação do Instituto de Registos e Notariado (IRN) no processo de certificação de nacionalidade e a conversão de um inquérito -- aberto em janeiro e concluído em fevereiro, como previsto, disse Van Dunem -- em processo disciplinar, a ministra não quis adiantar quantos funcionários são visados nem por que razões e disse que ao IRN pouco mais cabia do que validar a informação recebida, sem capacidade de questionar.
"Neste momento, o IRN, basicamente, o que faz ao abrigo desta lei é receber os certificados e não tem, de facto, forma de os pôr em causa, de os questionar", disse a ministra.
Questionada sobre se isso não é uma falha no processo, a ministra respondeu ser "uma questão meramente legislativa".
"A legislação que existia é que não previa que houvesse a obrigatoriedade de fazer a demonstração de qualquer outro vínculo, bastava o certificado e a partir daquele momento o IRN tinha muita dificuldade em encontrar forma de questionar", disse a ministra.
Perante esse quadro, que Van Dunem reconheceu ser de "grande limitação ao nível da capacidade de decisão", e questionada sobre o que motiva a abertura de um processo disciplinar no IRN no âmbito deste processo, a ministra disse haver "outros aspetos que podem ser ponderados", nomeadamente os 'timings' das decisões, admitindo como possível que houvesse processos aprovados de um dia para o outro.
Questionada sobre eventuais alterações ao processo de certificação da nacionalidade, para além das novas exigências contidas no decreto-lei de regulamentação da lei da nacionalidade, já promulgado pelo Presidente da República, Francisca Van Dunem remeteu para a próxima legislatura.
"Nesta legislatura não, porque em boa verdade aquilo que está em causa não é o decreto-lei, é a lei e aí será o próximo parlamento que se irá pronunciar sobre isso", disse.
Recusou ainda qualquer revisão de processos já concluídos - nomeadamente os certificados emitidos pela Comunidade Israelita do Porto, sobre a qual recaem as suspeitas criminais e que atestou a grande maioria dos casos - afirmando que "o Governo não fará isso enquanto não tiver um fundamento para o fazer".
A ministra da Justiça acrescentou que se no desfecho do processo-crime se comprovar "a falsidade intelectual" dos documentos apresentados para certificação, ou seja, "uma desconformidade entre aquilo que está declarado e a realidade, então nessa altura, sim", poderá haver uma reavaliação de processos já concluídos.
Sobre o processo de naturalização do multimilionário russo Roman Abramovich, insistiu que uma eventual retirada de nacionalidade não pode decorrer diretamente de sanções e que só a prova de falsidades no processo a pode originar.
Francisca Van Dunem considerou ainda que o novo decreto-lei "melhora muito" a prevenção de falsidades e irregularidades, ao incluir exigências de ligação a Portugal, seja por via de uma herança, por exemplo, ou por visitas regulares ao país que atestem uma efetiva ligação.
O jornal Público noticiou hoje que o Governo aprovou em Conselho de Ministros um decreto-lei que reforça a regulamentação da lei da Nacionalidade relativa aos descendentes de judeus sefarditas, obrigando-os a comprovarem uma real ligação a Portugal para poderem adquirir a nacionalidade.
Promulgada em 09 de março por Marcelo Rebelo de Sousa, a Presidência da República só hoje divulgou essa promulgação, após a notícia do Público ter sido publicada, contrariamente ao que costuma tradicionalmente fazer, com a divulgação no dia em que é feita a promulgação.
O Presidente da República justificou hoje o atraso na divulgação da promulgação do decreto-lei do Governo que regula a Lei da Nacionalidade relativa aos descendentes de judeus sefarditas por ter ido a "referenda ministerial e para publicação".
A investigação no âmbito do processo de naturalização de Abramovich, que levou à detenção na quinta-feira do líder religioso da Comunidade Judaica do Porto (CJP), o rabino Daniel Litvak, implicou a realização de buscas e envolve suspeitas de vários crimes, nomeadamente tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e associação criminosa, indicaram a Polícia Judiciária (PJ) e o Ministério Público (MP) num comunicado conjunto.
Segundo a direção da CIP/CJP, um dos seus membros foi também indiciado dos crimes de tráfico de influência, fraude fiscal, branqueamento e falsificação de documentos.
Em causa estarão alegadas irregularidades cometidas em processos de atribuição da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, que se encontram em investigação. Os judeus sefarditas são originários da Península Ibérica expulsos de Portugal no século XVI.
Entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021 foram aprovados 56.685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas num total de 137.087 pedidos que deram entrada nos serviços do Instituto de Registos e Notariado (IRN).
De acordo com dados enviados em fevereiro à Lusa pelo Ministério da Justiça, apenas 300 processos foram reprovados durante este período, restando, assim, segundo os dados registados no final do último ano, 80.102 pedidos pendentes.