Ir até ao ano 5779 em Israel e a 1397 no Irão

Boa parte da humanidade usa o calendário gregoriano, o tal que nos põe a viver em 2018. Mas outra vive na era judaica, persa, islâmica, chinesa, etc. E, assim, um voo de avião pode tornar-se uma viagem no tempo
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Fartei-me de viajar no tempo nos últimos meses e agora que penso nisso noto que saí de Lisboa em março de 2017 e aterrei em Telavive em adar de 5777. E depois de regressar a Portugal fiz nova viagem em dezembro, desta vez a Teerão, para descobrir que estava no mês de azar de 1396. Ou seja, se uma vez avancei mais de três mil anos, noutra recuei uns séculos. E, como se não chegasse de viagens pelo tempo, mesmo sem ter à disposição a máquina de H.G. Wells, já em fevereiro de 2018 fui a Riade, onde estavam em jumada al-Thani de 1439, e um mês depois a Pequim, cujo calendário marcava xingyue de 4715.

No momento em que estou a escrever, encontro-me em Bucareste, em outubro de 2018, tal qual como quando saí de Lisboa, e só tive de acertar o relógio, fazendo-o avançar duas horas. Afinal, Portugal (no século XVI) e Roménia (depois de 1919) regem-se pelo mesmo calendário gregoriano, aquele que deve o nome a um papa e começa a contar a partir do nascimento de Jesus Cristo e que hoje se tornou comum a boa parte da humanidade pelo mérito científico. Mas com muitas exceções: e se Israel é uma exceção minúscula, já o mesmo não se pode dizer dos países islâmicos ou da China, o que comprova que outra boa parte da humanidade se rege por calendários onde não há nem o d.C nem o a.C.

Esqueçamos os calendários desaparecidos, seja o dos maias seja aquele que os revolucionários franceses quiseram impor com nomes de meses tipo vindimeário ou brumário. Vamos focar-nos nos que regem a vida dos sete mil milhões de habitantes do planeta, seja no quotidiano seja nas práticas religiosas. Sim, porque é quase regra o ano em que estamos ter muito que ver com a religião na sociedade onde vivemos; e com o seguir-se o Sol ou optar pela Lua.

Olhemos para o calendário hebraico, cujos meses coincidem com ciclos lunares. Excelente, não é? Basta que se olhe para o céu, se estiver limpo, e sabe-se que entre uma lua cheia e outra passou um mês certinho. O pior é que os ciclos lunares não batem certo com o ciclo solar e por isso a cada três anos os judeus acrescentam um 13.º mês para que, por exemplo, o Hanukah calhe sempre no inverno, no mês kislev, seja em 5777, em 5778 ou 5779 (em que estamos).

Os chineses também se regem pela Lua com o acerto ocasional (um mês intercalar) depois a manter tudo dentro do lógico. Por isso, o Ano Novo Chinês tanto pode ocorrer em janeiro como em fevereiro e quando alguém de fora da China quer saber se é do signo cão, como agora, ou do galo, que foi o anterior, tem de perceber que se nasceu nas primeiras semanas do ano cristão as contas não são tão óbvias. Já os restantes, que nasceram de março em diante, basta recuar 12 anos para saberem o seu signo chinês: por exemplo, os de 2006, 1994, 1982, 1970 e por aí fora são também cão. Eu, que nasci em 1971, sou porco, que é muito bom na tradição chinesa, "aquele que os pais preferem", garantiu-me há uns meses a professora Wang Suoying. Calha de novo a partir de 5 de fevereiro de 2019...

Quem usa um calendário lunar e não faz concessões ao ritmo do Sol é o mundo islâmico quase todo, meia centena de países. A contagem começa com a Hégira, a migração de Maomé de Meca para Medina em 622, e, como cada ano tem 354/355 dias, estão em 1440 (o ano novo islâmico calhou desta vez no nosso setembro). Ou seja, a cada século cristão correspondem 103 anos islâmicos, pelo que nunca se pode calcular o ano em que estão, subtraindo 622 ao nosso ano. Na realidade, como um dia me explicou o imã de uma mesquita em Bagdad, a fórmula mais aproximada de conversão é tirar 622 e multiplicar por 1,03.

Isto de se perder 11 dias por ano em relação ao ciclo solar tem inconvenientes. É que qualquer mês pode calhar em qualquer estação do ano. Por exemplo, o mês sagrado do ramadão em 2019 começa a 5 de maio, mas em 2020 já se iniciará em finais de abril. Como se trata do mês do jejum obrigatório, em que comer e beber do nascer ao pôr do Sol é interdito, um ramadão que calha em pleno verão é bem mais duro de suportar pelos muçulmanos do que aquele que coincide com os curtos e frescos dias de inverno.

Para complicar mais ainda, há um grande país islâmico que usa um calendário solar: o Irão. Fiel à tradição persa, a República Islâmica começa a contagem com o profeta, só que como os anos têm os regulamentares 365 dias hoje está no ano 1397, pois é na primavera, durante o festival do noruz, que o ano começa. Neste caso, sim, pode subtrair-se 622 ao nosso ano.

A globalização tem vindo a universalizar a passos largos o calendário gregoriano, ou Era Cristã, de acesso fácil pelo menos às elites que usam outros calendários e essencial nas relações internacionais. Mas para evitar melindres religiosos, cada vez mais académicos propõem que se deixe cair os velhíssimos a.C e d.C, tal como o A.D. (anno Domini) e se adote antes o conceito de Era Comum e as respetivas siglas A.E.C. e E.C. A médio prazo a intenção é descristianizar o mais popular dos calendários.

Entretanto, tenho andado a pensar se não é tempo de uma viagem à Índia, onde fui por três vezes em reportagem para o DN mas aonde não volto desde 2007, uma eternidade. Se viajasse ainda neste ano, seria de novo uma espécie de aventura pelo tempo, em direção ao passado, pois chegaria em 1940 da Era Saka, o calendário oficial hindu em vigor na Índia. Tudo porque, apesar de ser solar, tem como ano zero 78 d.C... perdão, o ano 78 E.C.

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