Andou o Presidente Marcelo por terras nunca dantes pisadas por um PR. E, claro, disse-o: "Um Presidente da República tinha de ir às Desertas." Não falava de si próprio, como Quim Berto, o grande futebolista que nunca se esquecia de si nas entrevistas: "O Quim Berto está muito contente por vir para Alvalade." Embora fosse verdade, também, que Marcelo, ele, nunca fora às Desertas. Mas a frase referia uma ausência desde Teófilo Braga e até de todos os chefes de Estado que entroncavam na árvore plantada por Afonso Henriques..E falou bem, Marcelo. Porque logo as caixas de comentários dos jornais se encheram de reparos: "O primeiro?! Então Cavaco não foi lá?" Ora, Cavaco e Sampaio e Soares já tinham estado era nas Selvagens, que são também madeirenses, mas não são as Desertas. Quando, os territórios nacionais se confundem há que pisá-los..Marcelo foi de bote às Desertas, fazia mau tempo e os jornalistas tiveram de esperar na fragata. Quando voltou, contou-lhes que viu duas almas-negras. Uma rainha inglesa teria de dizer que vira duas Bulwer"s petrels, duas pardelas de Bulwer, um nome comum e a marca do cientista que a catalogou, James Bulwer. Quando este andou pela Madeira, em 1825, a autoridade mais importante do Funchal era o cônsul inglês. Foi há muito, é certo, mas com isto de ilhas e arquipélagos é sempre avisado lançar consecutivas amarras e âncoras. Além de que um pássaro que só nidifica nos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde - os arquipélagos do Atlântico Norte descobertos pelos portugueses - merece ser conhecido por alma-negra, que soa a fado de Amália..A fragata chamava-se D. Francisco de Almeida e o nome também contava. Primeiro vice-rei da Índia, por lá andou e, na volta, morreu no cabo da Boa Esperança quando a nau fazia aguada. Ir para as Índias e acabar no cabo da Boa Esperança, há marcos que vão para lá dos homens e os colam a um destino nacional. Destino onde o arquipélago da Madeira era porto - o Presidente deve ter falado destas coisas com um dos governantes que o acompanharam na fragata, o secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello. Talvez plebeu, que importa, mas patronímico suficiente para lembrar que o primeiro senhor da capitania de Porto Santo foi Bartolomeu Perestrelo, sogro de Cristóvão Colombo..Por falar em Colombo, chegou-se, no dia seguinte e de helicóptero, às Selvagens. O Funchal, a 280 km, as Canárias, a 165 km: entende-se porque era preciso ir lá muito... Fazer prova de vida, "marcar", disse Marcelo. Duas ilhas, Selvagem Grande e Selvagem Pequena. Quem as batizou, Diogo Gomes, só tem uma estátua no mundo: na cidade da Praia, Cabo Verde, arquipélago que descobriu. Estão a ver como isto faz um conjunto com lógica? Não são só voos de almas-negras, mas viagens marítimas..Nas Selvagens, o que lhes falta de gente, abunda em indicações para as pessoas: Ponta do Risco, Ponta do Inferno, Ponta do Leste, Ponta do Norte - tinham de ser práticos, os marinheiros. Muitos ilhéus, também com batismos descritivos: ilhéu Redondo, ilhéu Comprido, ilhéu do Sul... O redundante ilhéu Pequeno e até o contraditório ilhéu Grande... E para mostrar como isto está mesmo, mesmo, tudo ligado, voltemos à estátua na cidade da Praia, que evoca o país onde um jornal, um dia, com a beleza da contradição de um ilhéu Grande, titulou: "Ontem chuviscou torrencialmente.".[destaque:Marcelo sentiu tão grande o apelo das palavras, que pediu papel e caneta. Um postal para Costa e mais sete, para presidentes de câmara e de junta de freguesia. Ideia estranha...].Então, nas Selvagens, Marcelo Rebelo de Sousa sentiu tão grande o apelo das palavras, que pediu papel e caneta. Mandou um postal ao primeiro-ministro António Costa: "Convido-o a visitar as Selvagens." Era convite e muito mais. Enviado do lugar que mais nos alarga (a zona económica exclusiva), assim tenhamos unhas para o tocar. Essa grandeza sublinha o gesto. Que gesto? Simples, o PR podia ter-se esquecido do PM, seria tão simples, tão inócuo, tão normal... Só que não aconteceu. E, depois, os que não sabem ver dizem que nada acontece ao país..Um postal para Costa e mais sete, para presidentes de câmara e de junta de freguesia. Ideia estranha... Ou, outra vez, simplesmente um Presidente dos portugueses que lê as duas palavras depois da que tem capitular: "Dos portugueses." Poderemos todos inventar qual a mensagem e os destinatários. "Caro Ricardo Figueiredo, presidente da Câmara de São João da Madeira, o mais pequeno concelho português, saudações do lugar que nos faz grandes - Marcelo, Selvagens." Ou "caro Manuel Batista, presidente de Melgaço, o mais a norte, o nosso abraço mais sulista..." Ou "caro Artur Nunes, presidente de Miranda do Douro, a mais longe da praia, saudações cercadas de mar..." Ou "caro José Silva, do despovoado Corvo, nem sabes quanto há Portugal ainda mais solitário..." Sintam-se abraçados todos os portugueses..Continua amanhã. Leia os episódios anteriores do Folhetim de Verão:.[artigo:5362548]