IPSS: compadrios e indignação
As instituições particulares de segurança social (IPSS), pelas elevadas verbas que recebem do Estado, são muito atrativas para os pesos-pesados da política. As IPSS precisam de protocolos com o Estado, protocolos esses muito difíceis de conseguir sem "amigos", cujas bênçãos aceleram procedimentos e, melhor do que quaisquer outros "profissionais da cunha", explicam as vantagens que aquela IPSS tem em relação às demais que, eventualmente, já tenham solicitado quaisquer apoios do Estado.
O protocolo é o mecanismo legal para a atribuição dos subsídios, por outras palavras, é o mecanismo legal para a chegada do precioso dinheiro público aos cofres das IPSS.
Como me dizia certo padre meu amigo, e dirigente de uma prestigiada IPSS, o dinheiro público é como o sangue de São Januário: às vezes muda de estado. O dinheiro passa do estado público a estado privado, unicamente pelo ato de ser gasto e distribuído. Para haver rigor na gestão do dinheiro, tem de haver melhor acompanhamento das IPSS, tanto do órgão de gestão como do próprio órgão de fiscalização. As auditorias, de que tanto se fala e pouco resultam, são muito vulneráveis.
Quanto a consequências, bastará talvez recordar, por exemplo, os auditores e revisores que, ao longo de anos, fiscalizaram as empresas do Grupo Espírito Santo. Com tudo o que de ilegal se praticou naquele grupo, esses auditores e revisores continuam a exercer a sua profissão como se nada tivesse acontecido. Como, de resto, também nada aconteceu com os auditores e revisores do Banco Português de Negócios e do Banco Privado Português.
Ninguém é responsável por nada! Nem a justiça penal nem a justiça disciplinar das ordens envolvidas nunca se preocuparam com a responsabilização dos auditores que, por meio de auditorias defeituosas ou viciadas, contribuíram para ocultar informação completa, verdadeira, sobre a situação patrimonial, económica e financeira das sociedades auditadas. Vive-se, por conseguinte, no reino da solidariedade, quando não mesmo da cumplicidade, onde ninguém incomoda ninguém, para que amanhã ninguém não venha a ser incomodado por alguém.
Não precisamos de mais normas nem de mais leis, porque elas já existem, e até em demasia. Do que precisamos, sim, é que as normas e leis que temos sejam cumpridas e respeitadas pelos gestores e pelos auditores. Cada euro mal gasto ou surripiado do dinheiro público causa dano a toda a cidadania.
Para combater o compadrio e a impunidade não podemos confiar nos políticos, nas suas mulheres, nos seus amigos ou amantes que desse dinheiro beneficiam. A imprensa tem aí um importantíssimo papel a desempenhar, que é o de denunciar compadrios para que os cidadãos se indignem e se façam respeitar.
Quase sempre apresentadas sobre a forma de associações privadas, as instituições particulares de segurança social são organizações que realizam funções que cabem nas atribuições do Estado, exercendo em relação a esse mesmo Estado uma atividade subsidiária. Para o exercício dessa atividade necessitam de uma habilitação legal, ou seja, de uma distinção especial que lhes é concedida com a atribuição do estatuto de utilidade pública. Mercê desse estatuto e dos poderes públicos que, em consequência, exercem, as IPSS têm por incumbência dar resposta a situações de emergência social e apoiar as pessoas mais vulneráveis da sociedade, ao mesmo tempo que procuram contribuir para a dinamização das economias locais ou regionais através da criação de empregos.
Tratando-se de associações que gozam de estatuto de utilidade pública, impõe-se que respeitem uma série de requisitos legais que estão afastados de outras pessoas coletivas de direito privado apenas regidas por normas contratuais e de direito privado.
Para efeitos de direito penal, os membros da direção de uma IPSS são qualificados como funcionários porque exercem prerrogativas de autoridade perante terceiros, isto é, têm redobradas responsabilidades, sendo-lhes exigido um desempenho contínuo e diligente das funções ou tarefas a que estão obrigados. Basilar se torna, por conseguinte, o respeito dos deveres de fidelidade no exercício das funções confiadas em conformidade com o interesse público, com exclusão de qualquer outro tipo de interesses. E de lealdade, dever do desempenho cabal das tarefas propostas, em subordinação aos objetivos do serviço e na perspetiva da prossecução do interesse público.
Sócio partner na Dantas Rodrigues & Associados