No que consiste o trabalho do St. John of Jerusalem Eye Hospital Group, agora distinguido com o Prémio António Champalimaud de Visão 2023?.O St. John of Jerusalem Eye Hospital Group (SJEHG) foi fundado há 142 anos e presta cuidados oftalmológicos à população geral, incluindo os mais desfavorecidos. Gerimos um grupo de hospitais na Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. O que este hospital tem de especial é o facto de ser um hospital de caridade, pelo que presta cuidados oftalmológicos seguros a toda a gente que se dirige aos nossos cuidados, independentemente da sua raça, religião, classe social ou capacidade de pagamento. O hospital trata atualmente 143 mil doentes por ano e opera cerca de sete mil doentes por ano..Não se trata apenas de cuidados oftalmológicos no hospital, trata-se também de cuidados comunitários. Por isso, vamos ao terreno e fazemos deslocações para servir as pessoas mais pobres, marginalizadas e esquecidas do país. Essa é a nossa missão..Quais são os maiores problemas com os cuidados de saúde nas áreas em que o hospital atua?.Eu penso que o maior problema é a fragmentação do sistema de saúde. Não temos um sistema de saúde adequado. É um sistema fragmentado e, por isso, não se dá muita atenção aos cuidados primários. Os cuidados primários são a base, são a educação para a saúde, a promoção da saúde, a deteção precoce das doenças... As pessoas centram-se nos cuidados hospitalares e isso é ótimo, mas é preciso evitar que as pessoas vão ao hospital. E para evitar isso, é preciso injetar dinheiro nos cuidados primários, onde se cuida da saúde escolar, das crianças... Deveria fazer-se um rastreio na zona, descobrir-se as doenças precocemente e depois tratar. Seria uma intervenção mais barata do que esperar que fiquem cegas, dependentes da segurança social e que precisem de alguém para cuidar delas. Todas estas coisas são muito importantes e, por isso, a área que mais precisa de atenção é a falta de cuidados primários, mas também os problemas da economia social. As pessoas são pobres e não podem pagar os cuidados oftalmológicos, mas também a questão do acesso. Os cidadãos não têm fácil acesso aos cuidados de saúde devido aos pontos de controlo militares, que impedem as pessoas de se deslocarem de um local para outro. Tudo isto complicou muito a situação..Quais são, na sua opinião, os maiores desafios que o SJEHG enfrenta no tratamento das pessoas?.Eu diria que o principal problema é financeiro. Somos uma instituição de caridade e dependemos do apoio dos nossos doadores, pelo que diria que as nossas questões financeiras são o principal problema. Mas há também questões relacionadas, por exemplo, com a garantia de que os pacientes podem viajar em segurança, bem como garantir que os nossos profissionais possam deslocar-se para o hospital em segurança. Além disso, estamos a viver uma crise de segurança política. Somos apolíticos, não interferimos na política, não é o nosso trabalho, mas somos afetados diretamente pela política. Por isso, tudo o que acontece fora do hospital, do ponto de vista das políticas de segurança, reflete-se nos doentes que nos procuram. É uma situação muito política..Porque é que existem tantos problemas de visão nos territórios palestinianos? E quais são as principais causas?.As principais causas do problema da deficiência visual nesta região são as cataratas, que consiste na opacidade do cristalino do olho, e a razão para isto acontecer é a luz solar: as pessoas não usam a devida proteção, tal como óculos de sol. Outro fator que provoca este problema é a diabetes - 15% da população sofre de diabetes. Eu diria que as cataratas, diabetes e também os casamentos entre primos em primeiro grau são as principais causas. As pessoas que se casam com um primo em primeiro grau correm o risco de ter filhos com doenças hereditárias relacionadas com os genes e, por conseguinte, muitos têm filhos com problemas como cataratas e gliomas que aumentam o sofrimento. Eu diria que os casos de deficiência visual e cegueira são dez vezes mais do que os que existem aqui na Europa..Estas doenças afetam então mais as crianças ou os adultos?.Afetam quase toda a gente, porque se houver casamentos entre primos em primeiro grau na família, as crianças serão provavelmente afetadas. Além disso, afeta os adultos devido à diabetes de tipo 2. Os adultos têm diabetes numa fase posterior da vida e esta doença afeta a retina e a parte de trás do olho e, se não for bem controlada, pode causar retinopatia diabética, o que pode levar a um cenário sem tratamento. Portanto, afeta toda a gente: crianças, homens e mulheres..O que poderá ser feito para melhorar este tipo de situações?.Se há um problema, há sempre uma solução. Penso que investir na prevenção é melhor do que esperar pela cura. O que estamos a fazer é curar mas, infelizmente, não podemos curar toda a gente, por isso o melhor é investir nos cuidados primários e na educação para a saúde. Quando começamos a ensinar as crianças sobre tabagismo, diabetes e como proteger os seus olhos, tudo isto é muito importante. Há coisas que podem ser prevenidas. Se uma pessoa tem diabetes e fizer um exame aos olhos de seis em seis meses, há uma probabilidade de a tratar mais rapidamente e o resultado ser melhor. É essencial dispor de uma infraestrutura para a deteção precoce de doenças e a promoção da saúde. No entanto, isto também requer muita coordenação porque há muitos prestadores de serviços e cada um faz as coisas de forma diferente. Infelizmente, nada disto está a acontecer..Os conflitos dessa região dificultam os tratamentos dos doentes? Como?.É difícil porque as viagens não são sempre garantidas. Não gosto de falar de política, mas estas são as situações que realmente acontecem. É possível ficar parado nos postos de controlo militar e é necessária muita papelada, então o conflito muitas vezes impede as pessoas de viajar. Logo, as pessoas acabam por deixam o problema ocular de lado e não lidam com isso. Então sim, o conflito afetou-nos de várias maneiras, principalmente no acesso e movimentação da minha equipa e também dos pacientes. Esperemos que tudo melhore no futuro, mas já aqui estamos há 140 anos e estou certo que estaremos aqui por mais 140 anos..Qual foi a sua reação ao saber da notícia sobre a atribuição do Prémio António Champalimaud de Visão 2023?.Não acreditei no início, foi um choque enorme. Sentimo-nos muito privilegiados e é uma honra termos vencido o prémio. Não se trata apenas do dinheiro, que é importante, claro, mas trata-se também do reconhecimento do nosso trabalho e da contribuição que temos vindo a dar ao longo de 140 anos. O prémio Champalimaud reconhece instituições, hospitais e prestadores de cuidados que estão a fazer uma grande diferença no terreno e penso que isso é muito importante. É um reconhecimento global do trabalho que temos vindo a desenvolver..A instituição hospitalar já sabe o que irá fazer com o prémio atribuído, que tem um valor de um milhão de euros?.Sim, claro. Temos um projeto que está à espera de financiamento e estamos a construir outro hospital no norte da Cisjordânia. Estamos a planear concluir isso nos próximos seis meses, por isso é aí que o dinheiro vai ser aplicado, de forma a prestar cuidados a mais pessoas na comunidade..E que outros planos têm preparados para um futuro próximo?.Os nossos planos para o futuro seriam chegar a mais pessoas. Queremos ver como podemos chegar a pessoas que estão em comunidades isoladas e tentar contribuir mais para os cuidados oftalmológicos primários, para a prevenção da cegueira e também temos planos para educar mais médicos e enfermeiros no país - que é também a nossa principal função. Não só para os empregar, mas também para os educar e enviá-los de volta para as comunidades, para que possam fazer um bom trabalho. Trata-se de aumentar os nossos recursos no hospital, sustentar os nossos serviços e chegar a mais pessoas, especialmente crianças..Há muitas crianças cujos problemas visuais não forem tratados até aos seis anos de idade, poderão ser irreversíveis. Logo, de encontrar essas crianças e curá-las enquanto são pequenas. Temos um projecto em Gaza que vai cuidar e tratar crianças em idade pré-escolar..ines.dias@dn.pt