Investigadores portugueses tentam prolongar a vida útil dos morangos

Nos laboratórios do GreenUPorto e da Faculdade de Ciências, a investigadora Susana Carvalho testa uma alternativa sustentável no combate ao <em>Botrytis cinerea</em>, o fungo que faz apodrecer o morango e que é um dos patogénicos mais devastadores para a produção agrícola.
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Quem nunca passou pela experiência de comprar uns morangos com ótimo aspeto no supermercado, ou na mercearia, e passadas poucas horas alguns deles começarem a ficar podres, com um feio bolor cinzento em redor? Para a esmagadora maioria dos consumidores, essa é uma sensação conhecida. E o culpado tem nome: Botrytis cinerea.

As doenças causadas por fungos levam à perda de cerca de 23% da produção agrícola global e o Botrytis cinerea, em particular, "é um dos fungos patogénicos mais devastadores para as plantas e leva a quebras económicas estimadas em mais de 9 mil milhões de euros anuais em todo o mundo", explica a agrónoma Susana Carvalho. Professora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), e Investigadora do GreenUPorto - Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável, lidera um projeto que tem como objetivo precisamente "entender e controlar" o desenvolvimento e patogenicidade deste fungo, responsável por grandes quebras em toda a cadeia de frutas e legumes "desde o produtor ao consumidor", e encontrar uma solução mais eficaz e sustentável do que os atuais produtos químicos utilizados para combater esta ameaça.

Apesar de o morango ser, possivelmente, o fruto onde este fenómeno é mais visível, por se tratar de um fruto "muito suscetível e com vida útil de prateleira muito curta", a verdade é que o Botrytis cinerea pode infetar "quase 500 espécies de plantas, entre as quais se incluem culturas tão importantes quanto a vinha, tomate, kiwi, framboesa e outros pequenos frutos", refere a investigadora. "É um fungo muito resistente e que não é específico para um hospedeiro, pode atacar várias espécies de plantas."

Uma outra particularidade deste fungo é que "apesar de também estar presente em frutos verdes, é nos frutos maduros que este se desenvolve de forma acelerada", precisa a docente, em conversa com o DN. "Os sintomas podem começar a ser detetados ainda na planta, mas é preciso muita atenção", acrescenta, explicando que os esporos deste fungo se espalham muito rapidamente e ficam latentes até à fase de amadurecimento do fruto, ganhando então expressão na forma de um bolor cinzento que o apodrece.

Numa estufa de morangos produzidos em hidroponia (cultivo de plantas numa solução nutritiva líquida sem utilização de solo), nas instalações do GreenUPorto no Campus de Vairão , em Vila do Conde, a equipa de investigadores coordenada por Susana Carvalho vai tentar, ao longo de três anos, identificar e testar a aplicação de substâncias sustentáveis que potenciem os mecanismos de defesa da própria planta contra o ataque deste fungo.

"Queremos perceber quais são os mecanismos de diálogo entre o fungo e a planta", afirma Susana Carvalho. Para isso, a sua equipa vai comparar a resposta ao fungo por parte do fruto enquanto verde e enquanto maduro, de forma a tentar perceber o que é que um morango verde produz de diferente em relação a um morango maduro que lhe permite resistir melhor à presença do Botrytis cinerea.

"Não sabemos se é o fungo que é menos virulento no morango verde ou se é o morango que é mais resistente nesse estado. Através de uma análise do metaboloma do morango vamos identificar os metabolitos que ele produz, verde ou maduro, infetado ou não infetado", explica a docente da FCUP. O objetivo é identificar alguns elicitadores - substâncias ou compostos orgânicos produzidos pelas plantas como mecanismo de defesa contra infeções - que possam constituir uma alternativa sustentável aos atuais produtos fitofarmacêuticos utilizados e contribuir para uma redução acentuada da perda desses frutos.

"A aplicação de produtos fitofarmacêuticos para controlar o Botrytis no campo obriga a que haja um período antes da colheita, que denominamos como intervalo de segurança para o consumidor. E o morango prestes a ser colhido não aguenta a espera na planta, o que leva a grandes perdas na produção, as quais se somam a posteriores perdas ao nível da distribuição e do consumidor porque frequentemente os produtos aplicados não são eficazes", refere a cientista, sublinhando a importância de se evoluir para uma produção com menor impacto ambiental e com resíduo zero, em sintonia com o Pacto Verde de União Europeia, que defende a redução do uso de pesticidas em 50% até 2030.

Após uma primeira fase de investigação das substâncias com potencial de aplicação, a equipa de Investigação procurará "otimizar a aplicação na planta e no fruto", percebendo qual o melhor momento para aplicar esse composto ou qual a quantidade ideal, por exemplo. Além disso, a equipa de Susana Carvalho quer ainda "perceber se há variedades mais tolerantes do que outras ao ataque deste fungo e quais os eventuais mecanismos de tolerância da planta", através de análises transcriptómicas que permitem aferir se há genes diferencialmente expressos.

Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia em cerca de 240 mil euros, o projeto é realizado em colaboração com a Universidade de Birmingham no Reino Unido e, ao fim de três anos, a expectativa é que dos laboratórios do GreenUPorto/FCUP saia uma solução sustentável para manter os morangos (e outras culturas) saudáveis por muito mais tempo, reduzindo, assim, o impacto ambiental e económico. E, claro, diminuindo a frustração de consumidores e produtores.

rui.frias@dn.pt

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