Inverno demográfico gela Rússia e Ucrânia

As populações dos dois países estão a encolher desde o fim da URSS. Moscovo restringe aborto para estancar queda da população.
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É uma "catástrofe demográfica" o que a Ucrânia vive, afirma Jadwiga Rogoza, investigadora do Centro de Estudos de Leste (OSW). Tal como a Rússia, o problema surgiu nos anos 90 do século passado, sendo explicado por anos de taxa de natalidade negativa e emigração em massa. Quando se tornou independente, em 1991, a Ucrânia tinha 52 milhões de habitantes. Uma década depois, no único censo realizado desde então a população estava em 48,5 milhões.

Com milhões de refugiados e as mortes causadas pela guerra, a ONU calcula existirem 36,7 milhões no território. Um estudo realizado para o Conselho da UE indica que a população vai encolher entre 24% e 33%, dependendo da duração da guerra.

"O derramamento de sangue da população devido à guerra afetará gravemente a reconstrução e a recuperação económica do país durante os próximos anos", conclui Maryna Tverdostup, economista do Instituto de Estudos Económicos Internacionais de Viena (WIIW).

"Há milhões de nós, mas tem de haver mais." A frase é de Vladimir Putin num comício perante 130 mil pessoas, na campanha eleitoral de 2012. Desde os anos 90 que a Rússia tem em mãos um problema demográfico e os apelos do líder não chegam para reverter a situação: em 1994 chegou ao topo da população, com 149 milhões, e agora, mesmo somada a população da anexada Crimeia em 2,5 milhões, não passava dos 146 milhões em 2021, quando a covid-19 continuava a ceifar muitas vidas, e antes da invasão da Ucrânia.

O demógrafo Alexei Raksha, em declarações à Economist, afirmou que o número de nascimentos registados em abril de 2022 foi o mais baixo desde o século XVIII, descontados os anos em guerra. Uma previsão dos serviços de estatística da Rússia aponta para a perda de 7 milhões de cidadãos nas próximas duas décadas.

Além da taxa de fertilidade estar longe do nível de substituição natural, a esperança de vida para os homens recuou nos últimos anos: um russo nascido em 2021 tem 64 anos pela frente, tanto quanto um ruandês ou um eritreu, segundo dados do Banco Mundial.

Para estancar a quebra populacional, a Rússia teria de receber pelo menos 400 mil imigrantes por ano durante 80 anos ou mais de um milhão, isto no cenário mais otimista e no cenário mais pessimista elaborados pelo Instituto de Demografia Vishnevsky, segundo a RBC.

A questão entrou na pré-campanha eleitoral a montante, ou seja, combatendo o aborto. "Encaram isto como uma questão de sobrevivência nacional", disse a analista política Tatiana Stanovaya à AFP. A interrupção da gravidez era até há pouco tempo um direito que não merecia grandes debates. Mas nos últimos meses foi apertada a malha: os deputados aprovaram legislação a restringir o acesso a pílulas abortivas, e também a contraceção de emergência; uma proposta para proibir o aborto em clínicas privadas também esteve para ser votada, mas a comissão de saúde da Duma rejeitou a ideia.

Se o movimento contra o aborto é abençoado pelo patriarca Cirilo, há ainda outros motivos, mais práticos: nas ruas há cartazes com as fotos de um feto e de uma criança de capacete e roupa militar e a frase "Defende-me hoje para que eu te possa defender amanhã", uma clara alusão à necessidade de alimentar o esforço de guerra com homens. Há até quem considere a questão demográfica como um fator para a invasão da Ucrânia, tendo em conta a perda acentuada de eslavos na população russa, como nota Bruno Tertrais, perito do Institut Montaigne.

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